Teoria da escolha racional e teoria dos jogos: uma abordagem para os métodos de resolução de conflitos

AutorOyama Karyna Barbosa Andrade
Ocupação do AutorBacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Analista no Tribunal Superior do Trabalho
Páginas347-361

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1. Introdução

O conflito faz parte da sociedade1. A interação social é marcada pela disputa de interesses, pela divergência de posições, pela competição por bens da vida. Assim, é natural que no convívio do dia a dia surjam conflitos entre as pessoas. Muitas vezes esses são resolvidos de forma autônoma pelas partes e não apresentam maiores complicações. Mas, em outras, as pessoas são incapazes de estabelecer um acordo e os conflitos podem seguir por um curso negativo e tornarem-se destrutivos para os envolvidos.

O monopólio da jurisdição pelo Estado fez com que, no Brasil, o processo judicial se tornasse uma das formas de resolução de conflitos mais procuradas pela sociedade. No entanto, o Poder Judiciário, por ser focado no direito, nas disputas jurídicas, e atuar basicamente com profissionais do direito, muitas vezes não apresenta uma resposta satisfatória para as partes. Posner sintetiza a insuficiência do processo:

O direito em si costuma ser visto como uma fortaleza da "razão", concebida como antítese da emoção. O direito é compreendido como uma entidade cuja função é neutralizar a emotividade que as disputas jurídicas despertam nas partes envolvidas e nos observadores leigos. No entanto, qualquer pessoa que já se tenha envolvido em litígios na condição de litigante, advogado, juiz, jurado ou testemunha sabe que esse método,isto é, o método de resolução de disputas jurídicas por excelência, é um processo intensamente emocional e bastante semelhante aos violentos métodos de resolução de disputas que ele substitui2.

Existem diversos outros métodos que são até mais empregados do que o Poder Judiciário em outros países. Hoje, a constatação de diversas limitações3 tanto da organização institucional brasileira quanto da técnica processual - as quais se acentuam em um país tão extenso e populoso - inserida em um contexto de debate acerca do acesso à justiça, da efetivação de direitos e da promoção de cidadania, leva os pesquisadores do direito e o poder público a se interessarem pelo estudo e aplicação dos métodos alternativos ou extrajudiciais de resolução de conflitos.

Mediação, conciliação e arbitragem surgiram como meios alternativos ao processo judicial. O

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próprio termo em inglês para esses procedimentos, Alternative Dispute Resolution, chama a atenção para essa característica de opção em relação ao Poder Judiciário. Não obstante, a pesquisa de solução de conflitos atualmente é desenvolvida além da dicotomia judicial x extrajudicial, para incorporar a noção de adequação: para cada tipo de conflito, existe um método de resolução mais adequado.

Independentemente da técnica escolhida, é importante que sua fundamentação teórica esteja embasada nos conhecimentos produzidos pelas diversas áreas da ciência. Para esse fim, as teorias do comportamento humano trazem diversas evidências sobre como as pessoas agem ou costumam agir em dada circunstância, fornecendo subsídios fundamentais para tornar os métodos de resolução de conflitos mais precisos e eficientes.

Neste artigo são estudados os métodos de resolução a partir de duas abordagens teóricas: teoria dos jogos e teoria da escolha racional. Ambas trazem conceitos que podem ser aplicados à resolução de conflitos, considerando que esses podem ser entendidos como jogos de estratégia e as partes nele envolvidas, por sua vez, podem ser entendidas como atores racionais.

Na parte 1, é feita uma introdução à teoria dos jogos, com a apresentação de seus conceitos básicos. Na parte 2, é feito o mesmo com a teoria da escolha racional e seus desdobramentos. Por último, na parte 3, é feita a relação entre as teorias e as formas de resolução de conflitos, particularmente o processo judicial, a mediação, a conciliação e a arbitragem.

2. Teoria dos jogos

Embora estudos sobre jogos sejam bastante antigos4, John Von Neumann, um matemático húngaro que emigrou para os Estados Unidos na década de 1930, é considerado o pioneiro no desenvolvimento da teoria dos jogos. Em seu primeiro trabalho, publicado em 1928, demonstrou o conceito de minimax, uma solução matemática para jogos de soma zero5. Mas, apenas em 1944 foi publicada sua obra mais importante, o livro Theory of Games and Economic Behavior, em parceria com o economista alemão Oskar Morgenstern. Nesse livro, os autores estenderam seus estudos para incluir jogos mais complexos. A partir de então, a teoria passou a ser aprofundada por vários estudiosos6.

Por jogo é entendida qualquer situação na qual exista interação estratégica entre as decisões tomadas pelas pessoas envolvidas, ou seja, as escolhas de cada jogador interferem e são influenciadas pelas escolhas dos outros jogadores7. Analisar matematicamente esse tipo de situação, ajudando na compreensão de como as pessoas se comportam diante do conflito de interesses, é o objetivo da teoria dos jogos.

Assim, pode ser conceituada a teoria dos jogos como uma análise matemática do processo de tomada de decisão de agentes racionais, em situações de interação estratégica.

A teoria trabalha com modelagem de situações. Modelo é uma representação da situação estratégica que será analisada, a partir de uma descrição dos elementos do jogo considerados importantes naquele estudo8. A escolha dos elementos que comporão o modelo é um passo muito importante pois, se por um lado, um número grande de variáveis pode tornar o modelo complicado demais e até incompreensível, por outro, uma variável fundamental deixada de fora pode levar a resultados equivocados.

Dessa forma, a aplicação da teoria dos jogos depende da elaboração de um modelo adequado e, além disso, de sua análise correta, respeitando-se os pressupostos da teoria, conforme será visto adiante.

Do campo da matemática, a teoria dos jogos passou a ser estudada e aplicada em diversas outras áreas do conhecimento, como economia, ciências da computação, física, engenharia e até mesmo biologia. Levada para as ciências humanas, ganhou destaque sobretudo na ciência política, mas também é utilizada

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na psicologia, na sociologia, nas relações internacionais, no direito9, na administração, entre outras.

A teoria é capaz de auxiliar na compreensão de diversos cenários, como cartéis, funcionamento de empresas, leilões, relacionamento entre partidos políticos, questões militares, apenas para citar alguns exemplos10.

Os métodos ou formas de resolução de conflitos - por exemplo, o processo judicial, a mediação, a conciliação, a arbitragem - por sua vez, envolvem evidentemente situações de interação estratégica e, portanto, podem ser abordados com o auxílio da teoria dos jogos.

Elster assim resume, precisamente, o alcance da teoria dos jogos:

Os jogos esclarecem a estrutura das duas questões centrais da interação social - cooperação e coordenação. Em uma sociedade sem cooperação para benefício mútuo, a vida seria ‘solitária, pobre, sórdida, brutal e curta’ (Hobbes). Que seria previsivelmente ruim é um parco consolo. Em uma sociedade na qual as pessoas fossem incapazes de coordenar seu comportamento, abundariam consequências não intencionais e a vida seria como ‘uma fábula contada por um idiota, cheia de som e de fúria, significando nada’ (Macbeth). Cooperação e coordenação algumas vezes têm sucesso, mas frequentemente fracassam abissalmente. A teoria dos jogos pode esclarecer os sucessos assim como os fracassos11. (tradução nossa)

2. 1 Principais conceitos

A teoria dos jogos trabalha com diversos conceitos operacionais, sendo os mais centrais, aqueles serão importantes para a abordagem dos métodos de resolução de conflitos que será desenvolvida no presente artigo, explicitados em seguida.

Jogo, como foi conceituado anteriormente, é uma situação de interação estratégica entre as decisões tomadas pelas pessoas ou grupos de pessoas envolvidos.

Jogadores são os agentes racionais participantes do jogo, responsáveis pela escolha de estratégias que interagirão entre si. Podem ser indivíduos ou grupos de indivíduos (por exemplo: empresas, sindicatos, órgãos governamentais etc.).

estratégias são as opções de ação disponíveis para os jogadores, a cada uma correspondendo um possível resultado ou recompensa final no jogo. Na teoria dos jogos são elaborados estudos sobre os diferentes tipos de estratégias, como por exemplo, estratégia dominante e dominada, estratégia pura e mista etc., o que permite desenvolver raciocínios a respeito do jogo.

É importante que cada agente considere as opções de estratégia de todos os outros jogadores, de acordo com as informações disponíveis ou que consiga coletar. Assim, avaliará qual a sua melhor estratégia com base nas opções disponíveis para ele, mas também nas disponíveis para os outros jogadores, já que essas interagirão entre si. recompensa é o resultado que cada jogador obtém ao final do jogo, a partir da interação entre as estratégias escolhidas por eles.

A teoria dos jogos trabalha ainda com dois fundamentos: a presunção de racionalidade e o conceito de utilidade.

O estudo das situações estratégicas assume a hipótese de que todos os jogadores são racionais como forma de tornar mais previsível o comportamento

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de cada um e, consequentemente, mais previsíveis os possíveis resultados do jogo. A premissa é de que sendo racional, entre as suas opções de ação, o indivíduo escolhe sempre aquela que lhe garanta o melhor resultado possível no jogo. Além disso, repitase, o jogador racional, ao tomar...

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