Relações de Trabalho Precarizadas

AutorLuís Antônio Camargo de Melo
Ocupação do AutorProcurador-Geral do Trabalho. Professor do Centro Universitário IESB.
Páginas161-168

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Introdução

A exploração do trabalhador prejudica a dignidade de todos, trabalhadores ou não, visto que esta é direito fundamental do ser humano e "conditio sine qua non do Estado constitucional democrático" (SCHNEIDER, 1979 apud SARLET, 2009)1.

A proposta desse trabalho é, justamente, analisar alguns setores da economia que sustentam formas de trabalho similares ao trabalho escravo, identificado pela coação e pelo cerceamento da liber-dade (trabalho forçado), assim como pelas péssimas condições de trabalho e de remuneração (trabalho em condições degradantes).

Seguramente, o Ministério Público do Trabalho atua em todas as frentes dessa batalha, seja por intermédio das Coordenadorias Nacionais, seja pelo ajuizamento de ações coletivas, assinatura de termo de ajustamento de conduta, distribuição de cartilhas (escolas e canteiros de obras) e promoção de pales-tras, seminários e fóruns sociais.

Conhecer esta realidade é o primeiro passo para vencer a batalha. A investida conscientizadora deve ser direcionada a toda a sociedade, notadamente aos empresários, a fim de despertá-los para a responsabilidade social intrínseca a todas a atividade econômica.

1. Meio ambiente

Noções sobre o alcance, conceito e normas de proteção aplicadas ao meio ambiente de trabalho são fundamentais para o desenvolvimento dos tópicos seguintes, uma vez que a qualidade de vida do trabalhador tem profunda ligação e dependência com a qualidade do ambiente no qual desenvolve suas atividades.

Nesse sentido, precisa a lição de Melo (2010), que cita Fiorillo verbis:2

O meio ambiente é regido por princípios, diretrizes e objetivos específicos como decorre da Política Nacional do Meio Ambiente e será visto no decorrer deste trabalho, sendo seu objeto maior a tutela da vida em todas as suas formas, e, especialmente a vida humana, como valor fundamental. Embora seja unitário o conceito de meio ambiente, a doutrina o tem classificado em quatro aspectos: natural, artificial, cultural, e do trabalho. Essa classificação tem por fim facilitar didaticamente o estudo do meio ambiente e "busca facilitar facilitar a identificação da atividade degradante e o bem imediatamente

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agredido"3. Não se pode perder de vista,

pois, que o Direito Ambiental tem como objeto tutelar a vida saudável, de modo que a sua classificação visa apenas a identificar o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram ou estão sendo aviltados. O meio ambiente natural diz respeito ao solo, à água, ao ar, à flora e à fauna; o artificial, ao espaço urbano construído; o cultural à formação e cultura de um povo, atingindo a pessoa humana de forma indireta. O meio ambiente do trabalho, diferentemente, está relacionado de forma direta e imediata com o ser humano trabalhador no seu dia a dia, na atividade laboral que exerce em proveito de outrem.

A proteção legal, entretanto, vai além do local onde o trabalhador executa suas atividades. Para Melo (2010), a definição é bem abrangente:4

O meio ambiente de trabalho não se restringe ao local de trabalho ao local de trabalho estrito do trabalhador. Ele abrange o local de trabalho, os instrumentos de trabalho, o modo de execução das tarefas e amaneira como o empregador é tratado pelo empregador ou tomador de serviços e pelos próprios colegas de trabalho. Por exemplo, quando falamos em assédio moral estamos nos referindo ao meio ambiente (...) O conceito de meio ambiente do trabalho deve levar em conta a pessoa do trabalhador e, em determinadas situações peculiares, pode englobar até a moradia como reconheceu o MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Sertãozinho/SP em ação civil pública ajuizada pelo Procurador Silvio Beltramelli neto do Ministério Público do Trabalho (Proc. n. 01332-2008-125-15-00-0).

(...)

Destarte, o art. 225 da Constituição da República prevê que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."5

No âmbito infraconstitucional, a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente6 (n. 6.938/81, art. 3º, inciso I) define meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Na esfera internacional, os signatários da Convenção n. 155 da OIT (art. 4º) comprometem-se a "formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho". O objetivo dessa política é a prevenção de acidentes e de danos para a saúde, especialmente aqueles que guardem relação com a atividade desenvolvida pelo trabalhador ou que sobrevenham durante o trabalho.

1.1. Câmaras frias

As indústrias de abate e processamento de carnes (aves, suínos, bovinos etc.) utilizam, em geral, processos e métodos de produção que visam à minimização de custos e ao aumento dos rendimentos da empresa, muitos dos quais acarretando risco real e potencial à saúde e à segurança do trabalhador.

Entre os principais problemas encontrados no setor, destacam-se o ambiente permanentemente frio, as atividades fragmentadas, monótonas e repetitivas, a postura inadequada, as posições de trabalho exclusivamente em pé ou sentado, a exposição contínua a níveis de ruídos superiores a 80 decibéis e à umidade, além do contato permanente com carnes, glândulas, vísceras, sangue e ossos.

Em âmbito nacional, segundo o Anuário do INSS, no setor privado7, nenhuma atividade econômica gerou tantos acidentes de trabalho quanto os supermercados, hipermercados e frigoríficos, sendo certo que, em relação aos primeiros, os riscos de acidente (cortes, contusões e amputações) são sempre maiores nos setores (açougues) que reali-

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zam manipulação (cortes) de carnes para venda no varejo. O alto índice de doenças ocupacionais no setor, principalmente as ortomoleculares, é igualmente preocupante.

Dessa forma, a presença do agente de risco frio deve ser considerado não apenas em ambientes congelantes (interior de câmaras frigoríficas), mas também naqueles mantidos em temperaturas artificialmente baixas (salas de corte em frigorífico de frangos ou de desossa em frigorífico de bovinos). O fator preponderante para o adoecimento e os acidentes no setor é a exposição ao frio, em condições extremas ou não.

Nesse sentido, estudo realizado pelo Ministério Público do Trabalho, concluiu que:

  1. a referência de frio é dada pelo parágrafo único do art. 253 da CLT e a concessão de pausas para recuperação térmica previstas no caput deste artigo se dá unicamente em consideração ao fato de que a exposição continuada ao frio representa um risco à saúde do empregado;

  2. de acordo com a Enciclopédia de Saúde e Segurança no Trabalho da OIT - Organização Internacional do Trabalho (Holmer, Granberg e Dahlstron), a temperatura do ar abaixo de 18 ºC ou 20 ºC caracteriza um ambiente frio e a exposição já a partir de temperaturas abaixo de 18 ºC, a perda de destreza das mãos, consoante revelam estudos médicos avalizados pela própria OIT;

  3. a Instrução Normativa n. 98/2003 do INSS relaciona entre os principais fatores de risco que contribuem para a ocorrência de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), o frio, a inadequação dos postos de trabalho, as pressões mecânicas sobre os tecidos moles, as posturas inadequadas, a intensidade do ritmo de trabalho, a sobrecarga muscular estática e a invariabilidade da tarefa.

A aprovação da Súmula n. 438 do Tribunal Superior do Trabalho, representa um marco para a Instituição, litteris:8

Súmula n. 438 do TST

INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA DO EMPREGADO. AMBIENTE ARTIFICIALMENTE FRIO. HORAS EXTRAS. ART. 253 DA CLT. APLICAÇÃO ANALÓGICA - Res. n. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.9.2012

O empregado submetido a trabalho contínuo em ambiente artificialmente frio, nos termos do parágrafo único do art. 253 da CLT, ainda que não labore em câmara frigorífica, tem direito ao intervalo intrajornada previsto no caput do art. 253 da CLT.

A gravidade da situação, entretanto, exige a adoção de outras medidas pelo Poder Público, como elaboração e aprovação de norma regulamentadora que estabeleça requisitos mínimos para a avaliação, o controle e o monitoramento dos riscos existentes nas atividades de abate e processamento de carnes e derivados, de forma a garantir permanentemente a segurança, a saúde e a qualidade de vida no trabalho.

Com essa finalidade, foi criado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho um Grupo de Trabalho Tripartite - GTT9 composto por cinco membros titulares representantes das bancadas do Governo, dos trabalhadores e dos empregadores.

1.2. Canaviais

Penoso "é o tipo de trabalho que, por si ou pelas próprias condições em que é exercido, expõe o trabalhador a um esforço além do normal para as demais atividades e provoca desgaste acentuado no organismo humano" (MELO, 2010, p. 208)10.

Nos canaviais, jovens trabalhadores, mulheres e crianças se ativam em jornadas superiores a 12 horas diárias, com enorme esforço físico e repetitivo, em contato direto com o pelo da cana, pó de queimadas, animais peçonhentos, altas temperaturas e umidade excessiva, para, ao final de cada dia, receber o pagamento pela produção realizada. A soma desses fatores, comumente, leva os empregados à exaustão, com comprometimento grave da saúde e, não raro, a perda da vida.

A jornada exaustiva, que "...

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