Entrevista concedida por Mário Frota à Revista do Balcão do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo

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Mário Frota

Fundador e primeiro presidente da AIDC - Associação Internacional de Direito do Consumo. Fundador e presidente da apDC - associação portuguesa de Direito do Consumo - de Coimbra. Fundador e presidente da Comissão de Instalação da Escola Superior de Ciências do Consumo.

1. Qual foi a sua participação na elaboração do Código de Defesa do Consumidor no Brasil?

Mário Frota: A AIDC - Associação Internacional de Direito do Consumo (projeto por nós ideado e consubstanciado no termo do I Congresso Europeu das Condições Gerais dos Contratos/Cláusulas Abusivas) constituiu-se em Coimbra a 21 de maio de 1988.

A presidência internacional da AIDC foi-nos no ato constitutivo cometida.

Estava presente, como convidado nosso, nesse memorável congresso (que reuniu participantes de 32 países, atingindo sete centenas de congressistas e constituindo assinalável marco no desenvolvimento da disciplina), o atual ministro Herman Benjamin, que na altura coadjuvava a comissão coordenada por Ada Pellegrini Grinover. Só mais tarde se tornaria seu membro efetivo.

Presentes ainda os nomes mais sonantes da jusconsumerística europeia e internacional

- Jean Calais-Auloy, Ewoud Hondius, T. Bourgoignie... e outros que se nos juntaram ulteriormente - Eike Von Hippel, Norbert Reich...

Logo ali se delineou, no quadro da AIDC, um conjunto de manifestações científicas em apoio ao projeto de tanta relevância e magnitude desencadeado naquele ano.

Para além dos congressos e seminários internacionais promovidos sob a égide da AIDC nas principais capitais brasileiras e a cujas comissões científicas presidimos, em 1989 e 1990, e em que se discutiu cada um dos relevantes temas levados ao anteprojeto, a saber,

- da proteção da saúde e da segurança do consumidor;

- da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço;

- da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço;

- da reparação integral dos danos;

- das práticas comerciais: ofertas, comunicação comercial, práticas abusivas; - da proteção contratual: contratos de adesão, cláusulas abusivas, sanções;

- da defesa do consumidor em juízo,

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debatemos com a Comissão do Código, ponto por ponto, as soluções visualizadas nos diferentes capítulos do anteprojeto, à luz do direito em vigor na Comunidade Econômica Europeia ou em fase de aprovação e no anteprojeto do código francês de Calais-Auloy, cujos trabalhos preparatórios seguimos de muito perto e bem assim os da Commission de Refonte du Droit de la Consommation de França.

Interviemos, enquanto presidente da AIDC, em discussões acirradas com distintas entidades, em São Paulo como no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte ou no Ceará, como no Rio Grande do Sul, mormente com os quadros dirigentes das federações empresariais a sindicatos outros, em defesa das soluções propugnadas.

Fomos sucessivamente recebidos, enquanto presidente da entidade internacional, pelos presidentes da Fiesp e da Fecomércio/SP para aclaramento de aspectos parcelares do anteprojeto e definição das soluções consagradas na Comunidade Econômica Europeia como nos Estados Unidos, sempre, e só, com o propósito de reforçar a ideia de que o código o era em favor da cidadania brasileira e não contra qualquer dos segmentos estruturantes do mercado de consumo.

Fizemo-lo ainda, enquanto lobby circunstancial, e em momentos particularmente difíceis, sempre a instâncias de Benjamin, excelente articulador, perante a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, nas pessoas de Michel Temer, Geraldo Alckmin Filho e Nelson Jobim, os dois primeiros com substitutivos. E ainda Joaci Goes, que fora designado relator da comissão constituída sob a égide do Congresso Nacional.

Houve momentos de particular dureza, não tanto no convencimento da bondade das soluções técnico-jurídicas propugnadas pelos egrégios membros da comissão, mas perante as hesitações e até os recuos nas estâncias políticas, tantas e tais as tergiversações e as resistências a algo que rompesse com o direito convencional, a despeito do comando constitucional emergente da Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988 em ordem à edificação de uma lei neste particular.

Em suma, para além dos trabalhos encetados próximo dos ‘sete magníficos’ - Ada Pellegrini Grinover, Brito Filomeno, Daniel Roberto Fink, Kazuo Watanabe, Zelmo Denari, Herman Benjamin e Nelson Nery Júnior -, de reter outros momentos, a saber:

- abater a resistência de professores tradicionalistas de universidades conceituadas, que mal admitiam as soluções perfilhadas noutros quadrantes e mais conformes com situações de justiça contratual, fora de meros quadros formais até então subsistentes;

- romper a resistência de conglomerados empresariais, convictos de que a legislação emergente constituiria um autêntico terremoto que de todo os destruiria, esclarecendo-os dos propósitos são do código;

- difundir urbi et orbi, em instituições as mais distintas - das universidades às associações empresariais e cívicas -, do interior da Paraíba, mais concretamente de Campina Grande aos confins do Rio Grande do Sul, o direito novo, que elegia o homem, o ser humano, como princípio e fim das relações de consumo, em uma construção nova liberta de constrangimentos e de visos de exploração, em uma equanimidade e em uma base de justiça

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contratual, sem extrapolações desnecessárias e como afronta à iniquidade, à prepotência e à injustiça, de molde a buscar também a sua adesão ao projeto;

- e, por último, a presença internacional (que não internacionalista, no pior dos sentidos...) em apoio às pretensões da comissão e das comissões, no palco político onde tudo, afinal, em última instância se desenrolaria, pela presença física, como através de contatos epistolares em reforço dos textos que se submeteriam a discussão e aprovação nas Câmaras.

Tarefas de somenos, afinal, perante a magnitude do movimento e a gestão das comissões e dos que nelas se integraram.

Recordar Paulo Salvador Frontini, Secretário de Estado da Justiça de São Paulo, ao tempo, será também preito de homenagem que cumpre consignar neste passo. Porque de elementar justiça!

2. Quais são os maiores desafios da atualidade na proteção aos consumidores?

Mário Frota: A União Europeia (UE) elegeu uma variedade de segmentos - no horizonte do ciclo de 2014-2020 - que constituem, hoje por hoje, o alfa e o ómega da...

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