Democracia e políticas públicas: o novo enfoque da gestão pública na construção de espaços públicos de participação no estado de direito no Brasil

AutorRejane Esther Vieira
Páginas2-19

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Introdução

Em primeira instância, entende-se que no Brasil assim como em outros países, o Direito Constitucional e o Administrativo consagram o princípio da participação de maneira expressiva.1 A Constituição Federal brasileira avançou a mera enunciação dos princípios da Democracia e do Estado de Direito, estabelecendo uma série significativa de normas voltadas a respaldar a adoção de institutos participativos na Administração Pública2.

Observa-se a preocupação com a eficiência e a legitimidade na Gestão Pública Brasileira. A Administração Pública, atualmente, passa a adotar novos métodos de atuação voltados para a cultura do diálogo, de favorecer o trabalho da sociedade sobre ela mesma. Percebe-se que a administração depende da vitalidade das intervenções sociais e da dinâmica dos atores sociais. A administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais, procurando ser mais a transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais3.

Neste sentido, sabe-se que o Brasil prevê em sua Constituição Federal Brasileira, no artigo primeiro, no parágrafo único, a disposição de que "todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos diretamente"4. Está evidente o direito da participação do povo na democracia, assim como importantes elementos que abrem caminho para a gestão pública democrática participativa no Brasil. Nota-se que as palavras 'participação', 'democracia participativa', 'os novos direitos' estão cada vez mais presentes no contexto da atualidade.

Entende-se que o texto constitucional aprovado em 1988 foi o resultado dos processos de mobilização e das pressões exercidas por vários segmentos da sociedade. A Constituição de 1988 acentuou esse processo de forma decisiva, ao institucionalizar princípios pautados em conceitos como participação e controle social. O texto constitucional exerceu influência determinante no formato e conteúdo das políticas públicas que se seguiram no debate sobre participação e espaços público no Brasil5.

1 Democracia e políticas públicas

Nos últimos anos observa-se a sociedade civil organizada brasileira sob a ótica de uma nova configuração social, política, econômica e ambiental no Brasil. Neste sentido, Page 3 as políticas públicas sociais permitem romper com as barreiras que separam a Administração Pública da sociedade. Esta passa a participar da concepção, da decisão e da sua implementação. Pode-se citar as audiências públicas e as consultas públicas, como exemplos práticos da participação na elaboração das políticas públicas. Já o plebiscito administrativo, o referendo, as comissões de caráter deliberativo são exemplos da participação no processo de decisão. Exemplos de execução de políticas públicas são as comissões de usuários, a atuação de organizações sociais ou de entidades de utilidade pública e a expansão dos serviços públicos6.

Entende-se que a relação entre o Estado, as classes sociais e a sociedade civil, proporciona o surgimento de agentes definidores das políticas públicas. A partir do contexto da produção econômica, cultura e interesses dos grupos dominantes são construídas as políticas públicas, sua elaboração e operacionalização, de acordo com as ações institucionais e, em particular7.

Constata-se a predominância dos interesses das elites econômicas camuflados nas diversas políticas públicas8, porém com objetivos de expansão do capitalismo internacional. Utilizam-se de temas atuais como o desenvolvimento sustentável para transmitir uma imagem positiva de preocupação e engajamento no desenvolvimento social e ambiental.

As políticas públicas são 'construções participativas' de uma coletividade que visam à garantia dos direitos sociais dos cidadãos que compõem a sociedade humana. Esse é um princípio democrático fundamental. Aqui estão envolvidos o papel da Administração Pública e o Estado Democrático de Direito, pois estes criam possibilidades de transformação da sociedade, com o respaldo da Constituição9.

AHLERT define as políticas públicas como ações empreendidas pelo Estado para efetivar as prescrições constitucionais sobre as necessidades da sociedade em termos de distribuição e redistribuição das riquezas, dos bens e serviços sociais no âmbito federal, estadual e municipal. São políticas de economia, educação, saúde, meio ambiente, ciência e tecnologia, trabalho etc.10.

Para CUNHA11, "As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão do Page 4 compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo". Observa-se que sua construção obedece a um conjunto de prioridades, princípios, objetivos, normas e diretrizes bem definidos. Entretanto, numa sociedade de conflitos e interesses de classe, as políticas públicas são o resultado do jogo de poder determinado por leis, normas, métodos e conteúdos que são produzidos pela interação de agentes de pressão que disputam o Estado12.

Na visão do professor LINDOMAR WESSLER BONETI, as políticas públicas enquadram-se como o resultado do jogo de forças sociais que se formam das relações de poder de grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil13. Denomina-se as políticas públicas como "a ação que nasce de intervenção pública numa realidade social determinada, quer seja ela econômica ou social."14.

Já para o professor e pesquisador HEIDEMANN, a definição de políticas públicas corresponde ao resultado de decisões formuladas e implementadas pelos governos dos Estados nacionais, subnacionais e supranacionais, em conjunto com as demais forças vivas da sociedade, sobretudo as forças de mercado. Neste conjunto, estas decisões e ações de governo e de outros agentes sociais constituem o que se conhece com o nome de políticas públicas15.

Pode-se pensar também, as políticas públicas como algo relacionado com público, arte ou ciência de governar, de administrar e de organizar. A expressão 'políticas públicas' é uma ação voltada ao público e que envolve recursos públicos. Pode-se considerar, que medidas de intervenção meramente administrativas, por parte do Estado, sem mesmo envolver o orçamento público, são consideradas políticas públicas16.

No tocante a formulação de políticas públicas, EDUARDO FERNANDO APPIO, explica que a partir de direitos e princípios definidos na Constituição brasileira de 1988, as políticas públicas num primeiro momento demanda de um ato de vontade política, o qual pressupõe-se um amplo debate constitucional e a consideração dos interesses de todos cidadãos envolvidos.

(...) As políticas públicas deverão ser formuladas pela própria sociedade, em um espaço público o qual, no caso brasileiro, pode ser traduzido nos conselhos deliberativos, tais como os conselhos municipais e estaduais da saúde e da educação, em relação aos quais se pode afirmar que suas decisões vinculam o Poder Executivo. Os instrumentos tradicionais de democracia representativa, historicamente ligados a uma concepção liberal de cidadania, não podem ser considerados como Page 5 mecanismos exclusivos de aferição da vontade geral. As instituições formais de representação popular, Executivo e Parlamento, traduzem seus próprios interesses, a partir de uma pauta de prioridades que toma em consideração aspectos próprios do sistema político. A complexidade da sociedade brasileira contemporânea impõe que novas instâncias de comunicação social sejam engendradas a partir de necessidades locais e coletivas, no que se convencionou denominar de instrumentos de democracia participativa."17.

Conforme APPIO, o grau de sucesso de uma política pública está na combinação dos modelos representativo e participativo de democracia, os quais devem funcionar de modo complementar, garantindo a legitimidade das decisões governamentais através de mecanismos que aproximem governantes e governados em torno do núcleo da Constituição, os direitos fundamentais. Para ele, existe uma combinação dos sistemas de democracia representativa e participativa permitindo uma ampliação de debate acerca da legitimidade das políticas públicas, especialmente quando seu conteúdo envolve as gerações presentes e futuras. As democracia representativa e participativa devem atuar de forma complementar. O déficit democrático deste sistema pode ser compensado por uma atuação dos mecanismos de participação popular, com especial ênfase nos mecanismos de descentralização administrativa, como por exemplo, os conselhos deliberativos no âmbito dos Estados e Municípios.

As decisões destes conselhos deliberativos vinculam os governos eleitos, pois não se tratam de instâncias consultivas, mas sim, de entidades autônomas de gestão popular dos recursos públicos em suas respectivas áreas de atuação, dispondo, portanto, da prerrogativa de vincular o conteúdo da lei orçamentária anual.

Nesse rumo, o processo de formulação de políticas públicas a partir de interesses mediados por instituições formais do Estado e da sociedade organizada, como por exemplo o Ministério Público e as associações, significaria o 'aprisionamento' da democracia num sistema aristocrático. Estas instituições não terão legitimidade para formular políticas públicas no Estado democrático, na medida em que não fazem parte de instâncias eleitas pela comunidade.

Para APPIO, a formulação das políticas públicas depende, de uma concepção de democracia, enquanto que o controle judicial de sua execução demanda do princípio da igualdade para todos. A combinação das duas concepções se revela plenamente compatível com o princípio democrático, pois congrega legitimidade...

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