A Relação de Emprego Doméstico e a EC 72 - Primeiras Impressões

AutorLuciano Augusto de Toledo Coelho
CargoJuiz do Trabalho em Curitiba-PR
Páginas38-42

Page 38

A relação contratual de emprego doméstico sempre se diferenciou da relação de emprego comum em face de seu desenvolvimento no âmbito residencial com finalidade não lucrativa, para pessoa ou família. É o que preconiza o artigo 1º da Lei 5.859/72. Assim, diversas outras categorias profissionais, desde que exerçam as respectivas atividades em âmbito residencial, sem intuito de lucro, para pessoa ou família, inserem-se no conceito da lei. São exemplos de situações mais comuns os motoristas, vigias, enfermeiros, cuidadores de idosos e outras.

Por outro lado, o conceito jurídico de âmbito residencial tem sido interpretado de forma mais abrangente, não ficando adstrito ao lugar de moradia, mas estendendo-se a outros locais dentro do círculo residencial familiar, que não necessariamente o domicílio1.

Tal amplitude tem o efeito de definir como trabalho doméstico a situação de milhões de trabalhadores, como apontam levantamentos do IBGE realizados nas seis maiores regiões metropolitanas do país incluídas na Pesquisa Mensal de Empregos: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em março de 2006, a população de trabalhadores domésticos no agregado dessas seis regiões metropolitanas investigadas pela Pesquisa Mensal de Emprego chegava a 8,1%, dos quais 94,3% eram mulheres e 61,8% formada por pretos e pardos. O estudo mostrava ainda que a jornada de trabalho desempenhada pelos trabalhadores domésticos, 37,6 horas, é inferior à observada para a média da população, 41,9 horas. Constatou-se também que as pessoas com até 17 anos de idade representavam apenas 1,9%.

Esse enorme contingente numa atividade laboral até há pouco à margem de muitos dos direitos reconhecidos aos demais empregados, deve-se às razões históricoculturais decorrentes da memória e dos efeitos da sociedade escravocrata anterior à Lei Áurea. O serviço doméstico remunerado é ainda considerado uma das mais precárias formas de inserção no mercado de trabalho, pelos baixos índices de formalização e reduzidos níveis de rendimentos2.

O mesmo instituto constatou que, no ano de 2009, de um total de 39,5 milhões de mulheres com emprego, 17% eram domésticas (Pnad 2009). Tais dados demons-tram o tremendo impacto social da mudança de estatuto produzida pela aprovação da Emenda Constitucional 72, não somente na condição social desses trabalhadores, como no conjunto da sociedade brasileira, ainda influenciada por uma ideologia que hierarquiza as pessoas segundo sua condição econômica.

É o seguinte o texto da Emenda: "Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Fede-

Page 39

ral passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 7º ... Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XVIII,XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social." (NR)

A origem da Emenda foi a proposta da Convenção 189 da OIT e Recomendação 201 (2011), as quais preveem que os trabalhadores domésticos devem ter os mesmo direitos básicos referentes aos demais trabalhadores, principalmente jornada de trabalho limitada e descanso semanal. De acordo com o artigo 3º da C-189, os países deverão adotar medidas que visem assegurar a proteção efetiva dos direitos humanos de todos os trabalhadores domésticos, promovendo e respeitando os princípios e direitos fundamentais do trabalho.

Tal normativa remete à Declaração de Princípios Fundamentais do Trabalho, de 1998, que buscou estabelecer um rol de direitos trabalhistas universais, garantindo que avanços sociais seguissem o progresso econômico. De acordo com tal declaração, estabeleceu a OIT que algumas das suas convenções passariam a ter um status "fundamental", devendo ser observadas pelos países independentemente de ratificação, e prossegue, concluindo que é chegada a hora de um dar um passo adiante na consolidação dos direitos dos trabalhadores domésticos. Embora o país já possuísse legislação adequada a muitos dos temas regulamentados pela C-189 e pela R-201, impunha-se a necessidade de implementar muitas das normativas desses documentos, a fim de proporcionar melhores condições aos trabalhadores domésticos do Brasil. Entre outras implementações necessárias, a limitação da jornada de trabalho, FGTS obrigatório e estabelecimento de contrato escrito. A EC 72 vem justamente atender ao contido na Convenção 189 e Recomendação 201, da OIT3.

Delaíde Arantes, ministra do TST, também mencionava que não se pode falar em trabalho doméstico sem falar em discriminação da maior categoria de trabalhadores no país, com cerca de sete milhões de pessoas, ressaltando a proposta da OIT no IV Programa da Conferência Internacional como grande avanço no reconhecimento da igualdade de tratamento aos trabalhadores domésticos4. E Nabuco Machado aduz que a marginalização e subvalorização do emprego doméstico tem raízes históricas advindas do fim da escravatura no Brasil, apresentando-se como odioso resquício de uma época de que nossa sociedade deveria envergonhar-se; e, em atenção ao princípio da igualdade material, bem como o da dignidade da pessoa humana, conclui pela necessidade de alteração constitucional a fim de se promover a extensão dos direitos contemplados pelo art. 7º aos empregados domésticos, sem prejuízo da necessária regulamentação infraconstitucional, que levará em consideração as características próprias desta modalidade de trabalho5. No mesmo sentido caminhava a jurisprudência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT