A Codemat em Três Momentos: o Presente, o Passado e o Futuro

AutorPhilippe Gomes Jardim - Ronaldo José de Lira
Páginas9-25

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Ver nota 1

1. Introdução

A defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não é outra a relevante missão institucional do Ministério Público assegurada pela Constituição democrática do Brasil de 1988. O Ministério Público do Brasil não integra nenhum dos Poderes de Estado e possui independência a todos eles. Dentro do sistema de justiça brasileiro, o Ministério Público é instituição extra Poder, é responsável pela fiscalização e controle dos demais Poderes públicos, exerce atribuições e possui garantias de Poder. Ou, como afirma a própria Constituição, é "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado".2

Ao Ministério Público do Trabalho - MPT cabe proteger o ordenamento jurídico trabalhista e atuar - administrativa e judicialmente - em face de quem desrespeita a Constituição e as

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leis trabalhistas. Atua, assim mesmo, em um campo vasto das mais diversas irregularidades em matéria trabalhista.

São oito as áreas prioritárias de atuação institucional do MPT: combate à exploração do trabalho da criança e do adolescente, erradicação do trabalho escravo contemporâneo, promoção de igualdade de oportunidades e eliminação da discriminação no trabalho, combate às fraudes trabalhistas, regularização das relações de trabalho nos setores portuário e aquaviário, garantia da liberdade sindical, regularização das relações de trabalho na administração pública e a proteção do meio ambiente do trabalho. As atividades em cada uma dessas áreas são exercidas no âmbito de coordenadorias nacionais temáticas.

Atuar na defesa de um meio ambiente do trabalho seguro e saudável é uma das metas do MPT. Não por outro motivo que foi criada, em 2003, a Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho - Codemat como forma de articular as ações institucionais na área. A redução dos riscos do trabalho por intermédio de normas de saúde, higiene e segurança está assegurada na Constituição brasileira e, portanto, é preocupação na definição das estratégias de como o MPT desempenha as suas funções.3

A Codemat exerce papel relevante como espaço de discussão e deliberação entre todos os membros do MPT para a definição das estratégias de atuação no meio ambiente do trabalho, orientadas pela redução e eliminação de qualquer espécie de agravos à saúde e tendo a cultura da prevenção como modelo.

Pensar e revelar a forma de atuação da Codemat é algo tão necessário quanto urgente. É por isso que esse texto se mostra assim mesmo, dividido em três momentos que procuram desvelar o que foi, o que é e o que a Coordenadoria poderá ser, com todas as dificuldades e riscos que essa escolha acarreta.

Trata-se de uma decisão, como não poderia deixar de ser, pessoal. Pessoal é a decisão do quanto e do quê será abordado no presente texto. Pessoal porque não há um modelo a seguir, não há marcos que definam os contornos precisos, não há parâmetros narrativos previamente definidos. Enfim, inexistem medidas que informem o que é relevante e o que é superficial para ser mostrado, o que está aquém e o que está além de tudo aquilo que importa. São escolhas definidas desde a percepção própria que temos da Codemat e do MPT. São as nossas escolhas e as idiossincrasias. Afinal, qualquer instituição é feita, sobretudo, de pessoas. E de pessoas que decidem.

2. O passado

O ambiente preparado para a criação da Codemat pode ser encontrado ainda antes da sua constituição formal como coordenadoria temática e está associado com a mudança do perfil institucional do MPT impulsionado pela Constituição de 1988.

Se, antes da Constituição, o MPT desempenhava um papel essencialmente interveniente, com a emissão de pareceres circunstanciados em ações trabalhistas de suposto interesse público, após iniciou o que podemos chamar de virada institucional. O MPT passou a agir proativamente, assumindo o papel de defender os direitos sociais trabalhistas em ações coletivas próprias. Claro que se tratou de um processo paulatino e não integralmente substitutivo, ou seja, é um movimento que se realiza e se aprimora até os dias atuais e com a mitigação da atividade parecerista.

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Ao fazer a narrativa histórica do Ministério Público do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho pontua que, logo após a promulgação da Constituição, a Procuradoria-Geral do Trabalho procurou seguir o modelo de organização administrativa do Tribunal Superior do Trabalho - TST e criou as coordenadorias vinculadas à Seção de Dissídios Individuais, Seção de Dissídios Coletivos, 1ª Turma, 2ª Turma e 3ª Turma:

A experiência organizativa intentada propiciou um melhor entendimento entre grupos de procuradores, com a realização de seguidas reuniões de Coordenadores e, em reuniões posteriores, com os diversos grupos, do que resultava ativo e útil intercâmbio de informações e de posicionamento jurídico ante as variadas matérias suscitadas.4

Esse primeiro momento na história do MPT associado à criação de coordenadorias especializadas - ainda que vinculadas à atividade de intervenção judicial e conforme o organograma do TST - foi importante na medida em que criou espaços internos de debates sobre temas caros à atuação do MPT. Permitiu, dessa forma, uma prática que hoje é incorporada à rotina da instituição.

Posteriormente houve a extinção das coordenadorias e a "criação das Coordenadorias de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos (CODIN), dando efetividade à atuação do Parquet nas novas funções que a Constituição Federal lhe atribuía, como órgão promotor da defesa da sociedade no campo trabalhista".5

Trata-se do início da percepção - no plano formal-institucional - de que aquele Ministério Público deveria permitir o crescimento e o aprofundamento das funções mais próximas à finalidade desejada ao órgão pelo ordenamento jurídico mais moderno, Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), Constituição de 1988, Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/93). Esse complexo normativo forneceu ao MPT os instrumentos jurídicos necessários para a tutela judicial e extrajudicial dos direitos e interesses transindividuais - individuais homogêneos, coletivos e difusos.

No entanto, incorporar os meios de ação delegados juridicamente às práticas de cada Procurador do Trabalho não era algo suficiente em si. Tanto quanto efetivar a missão institucional do MPT, era preciso pensar a instituição e coordenar a sua atuação. A necessidade de especialização temática como forma de incrementar a ação na atividade-fim era algo crescente dentro da instituição.

Em 2001, foi instituída a "Comissão Temática destinada a estabelecer estratégias para a ação do Ministério Público do Trabalho nas áreas de saúde e segurança do trabalhador".6

A Comissão Temática de Saúde e Segurança do Trabalhador representou um marco na trajetória do Ministério Público do Trabalho que, na virada do século, reclamava a substituição da atividade fragmentada para um modelo organizado nacionalmente. Foi também com a Comissão que a articulação com demais órgãos e instituições voltados para a proteção do meio ambiente do trabalho passou a ser uma política institucional, e não apenas resultado de contatos ocasionais.

Um dos exemplos inspiradores dessa ideia de articulação institucional foi o Fórum Pernambucano de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos na Saúde do Trabalhador, no Meio Ambiente e na Sociedade, instalado no Recife em julho de 2000 e ainda hoje atuante. O Fórum é

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resultado da comunhão de esforços de um conjunto de órgãos de Estado e entidades privadas cujo objetivo geral é "proporcionar o debate das questões relativas aos efeitos nocivos dos agrotóxicos no meio ambiente, na saúde do trabalhador e do cidadão em geral, a fim de que a sociedade se conscientize da necessidade do controle efetivo na utilização desses produtos, observado o cumprimento da legislação específica".7

A Comissão Temática incentivou e logrou êxito na instalação de diversos fóruns estaduais e na promoção de oficinas regionais, cujos objetivos consistiam em aproximar a sociedade civil do Ministério Público do Trabalho. Assim, Fóruns Estaduais de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho foram criados em vários Estados, tais como Ceará, Espirito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia e Santa Catarina, como instâncias privilegiadas de debates e recebimento e encaminhamento de denúncias e providências para casos de desrespeito aos direitos dos trabalhadores quanto à saúde e segurança.

Agregar novos parceiros que permitisse o debate de temas afins e o planejamento de ações conjuntas mostrou, com o tempo, que a opção pela criação da Comissão não foi equivocada, fortalecendo e tornando mais efetiva a proteção do meio ambiente do trabalho.

A Comissão também integrou o Grupo de Trabalho - GT para avaliação das atividades de operadores de caixa de supermercados (checkouts), do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, com o objetivo de "sugerir as medidas cabíveis para eliminação ou atenuação das impropriedades, através do reconhecimento, análise e discussão técnica dos possíveis riscos à saúde e à segurança neste tipo de atividade".8 Anos depois, o trabalho desenvolvido pelo GT resultou em mais uma bandeira importante na legislação prevencionista e na melhoria das condições de trabalho para os operadores de caixa de supermercado, o anexo I da NR-17.9

A participação do Ministério Público no GT inaugurou oficialmente a presença de membros do MPT nas diversas Comissões e Grupos de Trabalho que precederam a edição ou atualização de várias Normas Regulamentadoras do MTE.

A experiência exitosa da Comissão Temática no estabelecimento de parcerias e no aprofundamento das relações institucionais com outros órgãos, aliado ao crescimento das demandas relativas à saúde e à segurança do...

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