O elogio aos primitivos do tempo: historiadores e clérigos medievais nos paradoxos da modernidade

AutorLeandro Duarte Rust
CargoDoutorando em História Medieval (UFF) Mestre em História Comparada (UFRJ) Pesquisador Colaborador do Programa de Estudos Medievais (PEM/UFRJ) Graduado em História (UFJF)
Páginas1-31
O ELOGIO AOS PRIMITIVOS DO TEMPO: historiadores e clérigos medievais nos
paradoxos da modernidade
THE COMPLIMENT TO THE PRIMITIVES OF THE TIME: historians and medieval
clergymen in the paradoxes of modernity
EL ELOGIO A LOS PRIMITIVOS DEL TIEMPO: historiadores y clérigos medievales
en las paradojas de la modernidad
Leandro Duarte Rust
Resumo: Este artigo foi concebido como um ensaio sobre as relações entre historiadores
e a modernidade. Porém, seguimos um fio condutor específico que consiste em
apresentar algumas reflexões sobre a perspectiva de estudos veiculada pela “Escola dos
Annales” acerca das representações eclesiásticas de tempo na Idade Média. Contudo
mais do que um exame da historiografia, o que pretendemos analisar é como a vivência
de tempo que este círculo de historiadores, um dos mais influentes da atualidade, atribui
aos clérigos medievais possui estreitas relações com a forma de inserção dos autores na
modernidade.
Palavras-chave: Historiografia, Escola dos Annales, representações de tempo,
modernidade.
Abstract: This article was conceived as an essay on the relations between historians and
modernity. However, we follow a specific conducting wire that consists of presenting some
reflections about the perspective of studies propagated by the "School of the Annales"
concerning the ecclesiastical representations of time in the Middle Ages. However more
than an examination of the historiography, what we intend to analyze is as the time
experience that this circle of historians, one of most influential of the present time,
designed to the medieval clergymen contains close relations with the form of insertion of
the authors in modernity.
Keywords: Historiography, School of the Annales, representations of time, modernity.
Resumen: Este artículo fue concebido como análisis de las relaciones entre los
historiadores y la modernidad. Sin embargo, nostro esfozo consiste específicamente en el
presentar de algunas reflexiones sobre la perspectiva de los estudios propagados por la
"Escuela de Annales" referente a las representaciones eclesiásticas del tiempo en la Edad
Media. No obstante más que una examinación de la historiografía, qué nos preponemos
analizar es como la experiencia del tiempo que este círculo de historiadores, uno de los
Doutorando em História Medieval (UFF) Mestre em História Comparada (UFRJ) Pesquisador
Colaborador do Programa de Estudos Medievais (PEM/UFRJ) Graduado em História (UFJF)
E-mail: leandrorust@yahoo.com.br
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más influyentes de la actualidad, diseñó a los clérigos medievales contiene relaciones
cercanas con la forma de inserción de los autores en modernidad.
Palabras-claves: Historiografía, Escuela de Annales, representaciones del tiempo,
modernidad.
Como compreenderão os nossos vindouros
a carga de história que lhes teremos legado
ao fim de alguns séculos? Sem dúvida que
apreciarão a dos tempos antigos apenas do
ponto de vista que lhes interessa...
Immanuel Kant, 1784.
Introdução
Não é de hoje que o influente círculo de historiadores conhecido por “Escola dos
Annales” reivindica para si, na figura de Jacques Le Goff, o pioneirismo de ter assentado
o estudo das atitudes humanas diante do tempo como um empreendimento que extravasa
as dimensões de uma questão filosófica, psicológica ou técnica: “o mérito pela colocação
nova e profunda do problema do tempo como problema sócio-cultural pertence antes de
tudo a Jacques Le Goff” (GUREVITCH, 2003, p. 181), ou ainda “foi ao que se aplicaram,
no caso da sociedade medieval, as pesquisas pioneiras de Jacques Le Goff sobre as
representações de tempo” (BURGUIÈRE, 1993, p. 83).
Contudo, na década de 1960, momento em que os herdeiros de Marc Bloch e
Lucien Febvre passavam a se debruçar sistematicamente sobre este tema, todo um rol de
autores parecia tomar para si o mesmo propóstio, se empenhando para explorar a trama
das vivências humanas do devir. Não que tal período deva ser visto como um “marco
zero” ou um “divisor de águas” nos estudos das temporalidades, mas é forçosa a
percepção de que toda uma safra de historiadores e cientistas sociais indagava, quase ao
mesmo tempo, sobre o que mais existia nas tessituras das relações entre homens,
relógios e calendários. Eis algumas referências: em 1959, Edward Hall lançou “A
Linguagem Silenciosa”; o ano seguinte trouxe consigo duas publicações que logo
alcançaram grande longevidade historiográfica, trata-se de “Na Idade Média: tempo da
igreja e tempo do mercador”, de Jacques Le Goff, e “Política, Linguagem e Tempo”, de
John Pocock; em 1961 George Whitrow trouxe à luz do dia “A Filosofia Natural do
Tempo”; Sebatian de Grazia, em 1962, publicou “Sobre Tempo, Trabalho e Lazer”; o
conhecido “As Atitudes do Camponês Argelino diante do Tempo”, de Pierre Bourdieu,
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surgiu em 1963; dois anos depois é a vez de “A Descoberta do Tempo”, de Stephen
Toulmin e June Goodfield; em 1966, enquanto Arnaldo Momigliano publicava “Tempo na
Historiografia Antiga”, Julius Thomas Fraser despontava na organização do interdisciplinar
As Vozes do Tempo” e fundava a “Sociedade Internacional para o Estudo do Tempo”;
com 1967 entraram em cena outros dois textos logo aureolados como clássicos, trata-se
de “Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial” e “Relógios e Culturas”,
respectivamente de Edward P. Thompson e Carlo Cipolla.
Tal concentração de estudos especificamente dedicados às relações entre os
homens e o tempo, na década de 1960, nada tem de fortuita ou incidental. Pelo contrário,
ela pode ser compreendida, em parte, como repercussão das transformações decisivas
que neste mesmo contexto se consolidaram no interior da modernidade ocidental. E isso
inclui os Annales, que neste momento muito contribuíram para a consolidação do estudo
das temporalidades como um campo de pesquisas do medievalista. Vejamos.
I. O “Tempo da Igreja Medieval”
Passemos, em primeiro lugar, a um breve exame da caracterização geral oferecida
pelos annalistes e seus colaboradores para as representações eclesiásticas de tempo na
Idade Média.
Ainda que estes historiadores enfatizem que as experiências dos membros da
Igreja medieval acerca do tempo variavam, oscilando entre ambivalências e áreas de
transições, ainda assim, o essencial fica retido nestes termos: para os clérigos e religiosos
medievais o decurso temporal só atingia contornos tangíveis se emoldurado pelo sagrado
e transcendente.
Das páginas produzidas por Aaron Gurevitch, Jacques Le Goff ou Philippe Ariès
transborda uma imagem arrebatadora destas representações de tempo: ao contrário do
homem moderno, os homini religiosi medievais não estavam habituados a tratar o devir
como duração, ou seja, como algo exterior à existência humana e fechado em si mesmo,
geométrico e cujo escoamento estaria suscetível a controles e ajustes. Desta forma, os
Annales terminam por nos sugerir que a mais apropriada maneira de um historiador expor
as experiências dos clérigos medievais acerca do tempo é escrevendo à maneira de um
Plotino: o tempo era tido como “apenas um momento da eternidade”, o “trata-se de um

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