Efetividade: Conceito e Evolução

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas343-366

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Sentenças, decisões, comandos ou remédios ditos heroicos concedidos pelos magistrados e tribunais, todos, seriam meras palavras ao vento, não trouxessem um resultado prático na vida das pessoas e nas suas relações umas com as outras. Mister, para aferir a qualidade das decisões, analisar o efeito que elas causam na realidade da vida, é dizer, a respectiva utilidade1213 do decisum.

A efetividade do processo é a busca pela efetiva preservação dos direitos do homem em via judicial.

A demanda pela efetividade da Justiça é recorrente desde a história antiga1214. Todos querem que a justiça reconhecida aconteça no mundo dos fatos1215. Mesmo nos grupos sociais primitivos, nos quais as funções de direção social não eram definidas, se fazia presente a demanda por efetividade, logicamente atendida na forma também primeva de jurisdição da época em que se vislumbrava um ambiente de justiça privada. Com o absolutismo e a concentração de poderes no monarca, a justiça feita pelas próprias mãos cede lugar à incumbência do Estado em dizer o direito, fase em que já reconhecida a chamada justiça pública. A seguir, com a crise do Estado absolutista e com a ascensão do liberalismo, a prestação jurisdicional passa a ser adaptada ao novo formato de tripartição de poderes.

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O fato é que, desde sempre, o jurisdicionado repudia a velha pecha do “ganha mas não leva”1216. Dificilmente aquele que procura o Judiciário quer obter apenas uma declaração a ser emoldurada. É preciso se chegar ao fim, ver aquele que deve pagar e o credor receber, enxergar a alteração do meio por conta da definição jurisdicional. A falta de efetividade das decisões jurisdicionais gera angústias, sensação de impunidade, desesperança no Judiciário, vontade de realizar justiça pelas próprias mãos, enfim, gera desordem e infelicidade.

Se na dita fase conceitual ou autonomista do processo a preocupação voltava-se para a teorização da ciência processual, atualmente o caminho é inverso. Os juristas, cada vez mais, pretendem ressaltar os liames entre processo e direito material, conscientes da instrumentalidade do primeiro para fazer valer o segundo, com maior efetividade possível e embalados pelo princípio chiovendiano de que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”1217. Essa orientação a principal bandeira da moderna processualística.

Sobre o tema, o professor José Carlos Barbosa Moreira, em trabalho de singular mérito, elencou o que chamou de ações para um programa básico em prol da efetividade. São elas: (i) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer se possam inferir do sistema; (ii) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável, o círculo dos eventuais sujeitos; (iii) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; (iv) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e, finalmente, (v) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energia”1218.

No Brasil, nosso ordenamento jurídico vem sendo constantemente alterado, com vistas a garantir efetividade na prestação jurisdicional. Este o escopo da criação das tutelas cautelares, e depois, da antecipação de tutela (Lei n. 8.952/1994). Mais recentemente, das reformas que alteraram o processo de execução (Leis ns. 11.232/2005 e 11.382/2006), cujo modelo sincrético se baseou na CLT, sem falar nos institutos em expectativa pelo Código vindouro. Em todas as iniciativas, a luta contra os inimigos da efetividade é travada sem piedade. Tais inimigos podem ser exemplificados pela limitação técnica do aparelho judiciário; escassez de servidores e de magistrados; legislação processual ultraformalista; mentalidade defensiva dos juízes, alguns pouco corajosos e temerosos em determinações mais fatídicas como penhoras porta adentro, penhoras de conta etc.; perda de credibilidade no sistema, que leva à desmotivação dos jurisdicionados, que acabam deixando de lado demandas em fase de execução1219; má-fé processual das partes que desvirtuam ou fraudam execuções; manejo deficiente da oralidade; excessiva litigiosidade atual; postura de alguns escritórios que advogam para litigantes habituais e recebem fixo por ações em curso, daí a opção por mantê-las vivas, ainda que “respirando por aparelhos”; burocratização da tutela jurisdicional, dentre outros tantos males1220.

Efetivo é o processo em que o vencedor da demanda, em um prazo razoável1221, obtém com a tutela jurisdicional

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exatamente aquilo que obteria caso a obrigação tivesse sido adimplida voluntariamente1222.

O professor Cândido Dinamarco, estudioso e propagador da teoria da instrumentalidade, assevera que ela é o caminho para o “aprimoramento do sistema processual e premissa indispensável nos estudos e propostas pela efetividade do processo”1223.

Por sua vez, o Ministro Teori Zavascki define que “O direito fundamental à efetividade do processo — que se denomina também genericamente, de acesso à justiça, o direito à ordem jurídica justa — compreende em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos”1224.

1.1. Possibilidades de otimização da efetividade processual: causas e efeitos

Se a efetividade é a preocupação mais genuína com a realização dos escopos do processo, quais os mecanismos, institutos ou simplesmente tendências que mais diretamente se comprometem com a garantia da efetividade da jurisdição? Após reflexão, selecionamos os temas pertinentes à última das garantias reveladoras de um processo verdadeiramente justo.

1.2. As tutelas de urgência

O processo deve prever hipóteses em que, em nome da efetividade da tutela jurisdicional, a segurança jurídica representada no processo pela atividade cognitiva exauriente do magistrado possa ser flexibilizada. Isso porque a atividade de conhecimento plena, por sua natural delonga, em determinados casos, não logra tutelar satisfatoriamente as novas demandas levadas ao Poder Judiciário, as quais exigem, para a preservação da própria eficácia da decisão final ou do direito material em si mesmo, a profissão de provimento antes do desfecho do processo, isto é, antes de consolidado o juízo de certeza.

A urgência em se tutelarem determinadas situações submetidas à apreciação do juiz contrapõe-se à ordinarização do procedimento, que reservava para o final do processo a emissão do provimento capaz de provocar alterações no plano fático, momento em que a tutela proporcionada pelo Estado-juiz, por vezes, se mostra já incapaz de proteger o próprio processo ou o bem da vida ameaçado.

1.2.1. Tutelas diferenciadas no direito comparado

Apenas a título ilustrativo, passemos a um breve elenco, abstrato, de tutelas de urgência, ritos sumários, tutelas de evidência, dentre outros mecanismos que visam implementar as garantias de efetividade, bem como de obediência a um prazo razoável de duração do processo, retratados na tendência mun-dial, em contínua e franca ascensão.

Segundo pesquisa implementada pela professora Ada Pellegrini Grinover, a forma mais difundida de tutela satisfativa antecipada no direito comparado consistiria em processos de estrutura monitória1225. Nas palavras da professora:

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o processo monitório responde à exigência de tutelar prontamente o direito do credor, desprovido de título executivo, acelerando sua formação, sem necessidade de processo de conhecimento. Chamado de procedimento ingiuntivo na Itália, de mahneverfahen na Alemanha e na Áustria, de injonction de payer na França e na Bélgica, o processo monitório é exclusivamente...

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