Efeitos dos recursos

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas193-220

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10.1. Noções gerais

A interposição e o julgamento dos recursos produzem múltiplos efeitos de repercussão prática para o processo. Daí a razão de a doutrina separar em capítulo próprio o estudo desses fenômenos.

Decorrem:

  1. da interposição dos recursos - os efeitos devolutivo, translativo, suspensivo e diferido;

  2. do julgamento dos recursos - os efeitos expansivo, substitutivo e de cassação.

10.2. Efeito devolutivo

O efeito devolutivo consiste na delimitação de conhecimento imposta pelo recorrente, por meio de recurso, ao órgão recursal.451

Como os recursos caracterizam-se, entre outros elementos, pela voluntariedade (infra, n. 11.12), e são a extensão do direito de ação (CPC, 2º), o recorrente tem o poder de delimitar o conhecimento do órgão recursal. E o faz segundo a matéria que impugnar (CPC, 515, caput). Assim, se o recorrente impugnar apenas um dos capítulos da sentença,452 o órgão recursal não poderá (conhecer) reexaminar os demais capítulos não impugnados. Estes, desde que sejam autônomos (não interdependentes), conforme o caso, transitam em julgado (infra, n. 33.2.4.2).453 A

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quantidade da devolução, por isso, está na medida do tanto que se impugnou,454 de acordo com a velha-atual regra tantum devolutum quantum appellatum.

O efeito devolutivo:

  1. tem essa denominação porque na Antiguidade o poder de decidir era do soberano que o delegava a juízes. Proferida a decisão, a parte poderia interpor recurso. Interposto esse, cabia ao soberano decidi-lo, devolvendo-se a ele, então, o poder antes delegado. Contemporaneamente o efeito devolutivo não diz mais respeito à devolução de competência delegada, mas à fragmentação da competência funcional vertical;455

  2. em regra dilata o tempo da duração do processo. O efeito devolutivo, como regra, impede o fim da discussão do direito litigioso. Mantém vivo, desse modo, o debate acerca da declaração do direito, prolongando o tempo do processo. No procedimento recursal, por força do efeito devolutivo, então, "prossegue a mesma relação processual que se desenvolvia na instância antecedente, sucedendo-se situações jurídicas ativas e passivas das partes, ditas recorrente e recorrido".456

    Daí, inclusive, dizer-se que a interposição do recurso mantém os efeitos da litispendência;

    Observe-se, entretanto, haver ressaltado que o efeito devolutivo dilata o tempo da duração do processo em regra. Esse destaque deve-se a situações excepcionais em que isso não se verifica. O agravo regimental interposto contra decisão do relator que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar, por exemplo, não dilata o tempo da duração do processo, que prossegue ainda que o recurso não seja interposto. No processo civil, isso ocorre, também (de regra), com o recurso de agravo de instrumento (CPC, 522).

  3. adia o acontecimento da coisa julgada.457 Esse adiamento, contrariamente ao que sustentam alguns juristas,458 não está ligado ao efeito suspensivo (infra, n.10.4), mas ao efeito devolutivo. Se "houver devolução, para reexame (...), esta não pode, antes disso, se tornar definitiva";459

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    Importante ressaltar, porém, que a parte pode impugnar a integralidade ou parte da decisão. Os arts. 505 e 515, caput, do CPC, expressos quanto a isso, consagram a moderna teoria dos capítulos de sentença (infra, n. 33.2). Decorre daí, então, que somente o capítulo da sentença expressamente impugnado é devolvido ao órgão recursal. Os demais, desde que autônomos, transitam em julgado. Se o órgão recursal "pudesse rever toda a matéria decidida com a simples interposição do recurso, seríamos forçados a aceitar que o trânsito em julgado, de toda a decisão, somente seria alcançado com o julgamento do recurso respectivo".460

  4. é inerente a todos os recursos. Não há recurso que não possua esse efeito.

10.2.1. Adiamento da coisa julgada (efeito obstativo)

A interposição do recurso (em regra) dilata o tempo da duração do processo e, por isso, retarda o acontecimento da coisa julgada. Há quem veja nisso um efeito específico461 que é destacado e denominado de efeito obstativo.462

Em meu sentir, porém, o adiamento da coisa julgada não passa de uma decorrência lógica do efeito devolutivo. Não é a interposição do recurso que retarda a ocorrência da coisa julgada.463 Esta possui laço íntimo com a extensão do efeito devolutivo.

10.2.2. Razão da limitação do conhecimento

O efeito devolutivo dos recursos é corolário do princípio da demanda (CPC, 2º).464 Segundo Ugo Rocco, a faculdade de recorrer "se enquadra no conceito

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de direito de ação".465 Se o juiz, então, somente pode prestar a tutela jurisdicional mediante provocação das partes (princípio da demanda - CPC, 2º) e nos limites do pedido (princípio da vinculação do juiz ao pedido - CPC, 460), o órgão recursal somente poderá conhecer da matéria que for objeto de impugnação específica nas razões recursais (CPC, 515, caput).

Daí por que não basta a simples interposição do recurso (appellatio generalis) para provocar nova e integral apreciação da demanda, como ocorria no direito romano.466 Para obter o reexame, cabe ao recorrente:

  1. identificar com precisão a matéria impugnada (CPC, 515, caput);

  2. fundamentar a insurgência (CPC, 514, II - supra, n. 8.3);

  3. formular pedido de nova decisão (CPC, 514, III).

10.2.3. Devolução gradual e imediata

Diz-se haver devolução:

  1. gradual - sempre que a investidura do poder de processar e julgar o recurso ao órgão recursal estiver na dependência da prática de certos atos no juízo recorrido (supra, n. 6.5). Como regra, o efeito devolutivo opera de modo gradual. No juízo recorrido se processa a primeira fase do procedimento recursal. Nele os recursos são interpostos, há emissão do primeiro juízo de admissibilidade (investe-se o órgão recursal do poder de processar e julgar o recurso) e colhe-se a resposta do recorrido;467

  2. imediata - sempre que houver pronta investidura do órgão recursal do poder de processar e julgar o recurso (supra, n. 6.5). É no próprio órgão recursal que o recurso é interposto, o recorrido é chamado a oferecer resposta e há emissão do juízo de admissibilidade (único) e julgamento do mérito. Essa modalidade de devolução ocorre com os seguintes recursos: embargos de declaração (CLT, 879-A; CPC, 535); agravo interno (CPC, 557, § 1º) e agravo regimental. No processo civil, ainda, o recurso de agravo de instrumento (CPC, 522) interposto contra ato de juiz de Vara cível. Em todos esses casos, logo que interposto o recurso, o órgão recursal já se reputa investido do poder de processá-lo e julgá-lo.

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10.2.4. Devolução própria e imprópria (efeito regressivo)

Diz-se haver efeito devolutivo:

  1. próprio - quando a matéria for remetida (devolvida) ao conhecimento de órgão jurisdicional hierarquicamente superior ao que tiver prolatado a decisão impugnada (duplo grau - infra, n. 11.4);

  2. impróprio - quando a matéria for remetida (devolvida) ao conhecimento do mesmo órgão jurisdicional que tiver prolatado a decisão impugnada (duplo exame - infra, n. 11.4.1).468

Alguns juristas, seguindo a sugestão de Alcides de Mendonça Lima,469 destacam o exame do efeito devolutivo impróprio para estudá-lo separadamente

e com a denominação de efeito regressivo.470

O efeito devolutivo impróprio (ou efeito regressivo) é encontrado em todos os recursos que oportunizam ao juízo prolator da decisão impugnada reformá-la ou alterá-la. Isso ocorre com os recursos:

- ordinário e agravo de petição (CLT, 895 e 897, a) interpostos contra decisões que liminarmente indeferem a petição inicial (CPC, 295 e 296) ou desde logo indeferem o pedido com base em precedente do juízo (CPC, 285-A, § 1º);

- embargos de declaração (CPC, 537) que tenham por escopo sanar vícios471 ou infringir o julgado (CLT, 897-A);

- agravo de instrumento (CLT, 897, b; TST-IN n. 16/1999, IV);

- embargos infringentes (CLT, 894, I; Lei n. 7.701/1988, 2º, II, c).

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Se bem pensarmos, a impugnação com regresso dos autos para o mesmo órgão prolator da decisão não traduz efeito decorrente da interposição do recurso. Trata-se, apenas, de regra de competência definida segundo opção de política legislativa.

10.2.5. Extensão (horizontalidade)

A extensão (perspectiva horizontal) do efeito devolutivo dos recursos corresponde à identificação do que pode ser objeto do recurso (da quantidade da matéria que pode ser impugnada).472 Sob essa perspectiva, os recursos possuem devolutividade:

  1. plena - quando todas as matérias levadas a debate originariamente puderem ser objeto de reexame pelo órgão recursal.473 Vale dizer: a devolução cobre área igual à submetida ao juízo recorrido. Devolutividade plena não significa devolutividade ilimitada, pois o recurso não é apto "a proporcionar ao apelante um benefício maior que aquele indicado no petitum".474 Trata-se de uma regra projetiva dos arts. 128 e 460 do CPC;

  2. limitada - quando nem todas as matérias levadas a debate originariamente puderem ser objeto de reexame pelo órgão recursal. Vale dizer: a devolução cobre área...

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