Editorial

AutorBerenice Rojas Couto
CargoProfessora da Faculdade de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FSS/PUCRS)
Páginas9-10
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 09-10, jan./jun. 2015
Assistência Social em relevo: um movimento
necessário
Indicar a contradição inerente à política social no capitalismo ganha maior destaque quando tentamos
desvendar o campo abrangente da política de assistência social. O caráter contraditório aponta a mistificação
da carga atribuída à assistência social na atual fase capitalista, criando uma cultura de que é possível responder
as grandes demandas da classe que vive do trabalho por uma única política social e contribuindo sobremaneira
para dificultar sua inserção no campo dos direitos. Ao mesmo tempo, pode contribuir com pré-conceitos sobre
sua necessária inscrição no campo da proteção social na sociedade capitalista.
Ao reconhecermos que a condição de país periférico no desenvolvimento do capitalismo, comum aos
países latino-americanos, como nos aponta a análise criteriosa de Ruy Mauro Marini, em América Latina:
dependência e integração, publicado em 1992, pela Editora Brasil Urgente, resultou em uma realidade onde
a superexploração é característica inerente à conformação dessas sociedades, torna-se fundamental ter como
patamar de lutas a configuração da assistência social como política social pública – não contributiva, direito de
todos e dever do Estado – a ser requerida como direito social. O direito de viver com dignidade, tendo as
necessidades sociais atendidas, somente será possível se for extraído da luta pelo acesso à parcela da riqueza
socialmente produzida. A concentração da riqueza na mão de poucos, característica constitutiva da sociedade
capitalista e exacerbada na latitude latino-americana, é matriz da sociedade capitalista que convive natural-
mente com a escravidão de muitos e a preservação do interesse de poucos. É a partir das lutas das classes
trabalhadoras que se torna possível identificar a constituição de mecanismos de garantia de proteção social,
sejam eles vinculados ao exercício de trabalho assalariado, ou instrumentos de enfrentamento à precarização
desse trabalho. É nesse solo histórico de retração de direitos e de ajustes fiscais que o debate sobre assistência
social ganha visibilidade.
No Brasil, a assistência social comparece no debate pré-constituinte ao ser incorporada ao conceito de
Seguridade Social junto às políticas de Saúde e Previdência Social. Reconhecer que a questão social demanda
a necessidade de proteção ao trabalhador e que essa proteção deve ser construída a partir do atendimento das
necessidades sociais, convocou a sua explicitação. Assim, além de compor o conceito de Seguridade Social na
Constituição Federal de 1988, foi promulgada, em 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), após
um longo período de disputa em que concepções restritivas da política concorreram com a capacidade de
atender aos interesses da população quanto à necessidade de considerar a assistência social como direito
social. A lei, como não poderia deixar de ser, condensa essas lutas em seu texto. Por exemplo, entre suas
diretrizes, foi aprovado que “as necessidades sociais teriam supremacia sobre a rentabilidade econômica”,
porém, no mesmo texto, artigo 20, o Benefício de Prestação Continuada – único benefício assistencial consti-
tucional, com valor de um salário mínimo, dirigido aos extremamente pobres – foi definido a partir de critérios
excludentes. Desde então o campo político da assistência social tem contabilizado conquistas e retrocessos,
explicitados em debates acadêmicos sobre sua centralidade na política social brasileira nos últimos anos.
O direito à assistência social “a quem dela necessitar” tem sido o motor das reflexões críticas às
possibilidades que são gestadas em um terreno movediço, onde comparecem, com muita insistência, as
características da sociedade brasileira e seu conservadorismo quanto às demandas da classe que vive do
trabalho. Tem comparecido, com muita frequência, a ideia de que a meritocracia é fundamental no trato
com a população pobre que, além de ser responsabilizada individualmente pelas mazelas impostas pelo
capital, ainda deve demonstrar mérito para receber a atenção de um estado privatizado pelos interesses
desse mesmo capital. A crise atual reverbera o conservadorismo quanto ao direito social e à possibilidade
de universalizar o acesso aos recursos necessários para a diminuição da perversa e persistente desigual-
dade social brasileira e latino-americana.
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