Economia, Marketing e Indivíduos de Baixa Renda: o interesse após uma história de indiferença

AutorMarcus Wilcox Hemais, Fernanda Chagas Borelli, Leticia Moreira Casotti, Pedro Ivo Rogedo Dias
Páginas49-64
Artigo recebido em: 19/06/2012
Aceito em: 31/07/2013
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
ECONOMIA, MARKETING E INDIVÍDUOS DE BAIXA RENDA: O
INTERESSE APÓS UMA HISTÓRIA DE INDIFERENÇA
Economics, Marketing and Low Income Individuals: interest
after a history of indifference
Marcus Wilcox Hemais
Professor do Programa de Pós-Graduação de Administração da PUC-Rio. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. E-mail: mhemais@gmail.com
Fernanda Chagas Borelli
Doutora em Administração pelo Instituto Coppead/ UFRJ. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. E-mail: fernanda.borelli@coppead.ufrj.br
Leticia Moreira Casotti
Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração do Instituto Coppead/UFRJ. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. E-mail: leticia@
coppead.ufrj.br
Pedro Ivo Rogedo Costa Dias
Doutor em Administração. Gerente de BI do Movimento Comunicação. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. E-mail: tannervoldken@gmail.com
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p49
Resumo
Durante a construção da área de marketing, estudiosos
utilizaram conceitos e teorias econômicas como base
para o desenvolvimento de seus próprios conceitos e
teorias. Essa similaridade é percebida no tratamento
que marketing deu aos indivíduos de baixa renda e sua
relação com o consumo em seus primeiros estudos. Assim
como os economistas, os pesquisadores em marketing
descreviam esses indivíduos como dependentes da
sociedade e dos governos para melhorarem suas vidas.
Essa visão muda quando Prahalad defende uma nova
perspectiva, na qual indivíduos de baixa renda são
vistos como consumidores, com desejos de consumir
produtos de diversas naturezas. O objetivo do presente
artigo, portanto, é analisar os caminhos percorridos na
economia e em dois momentos em marketing sobre
o indivíduo de baixa renda. Discute, inicialmente, o
pensamento econômico sobre esses indivíduos, para,
em seguida, apresentar duas perspectivas de marketing
sobre o segmento.
Palavras-chave: Base da Pirâmide. Indivíduos de
Baixa Renda. Economia; Marketing.
Abstract
During the early years of marketing, researchers used
theories and concepts from economics as base for the
development of their own theories and concepts. This
similarity can be seen in the way marketing viewed
the low income individual and his relationship with
consumption, in the first studies of the subject. Like the
economists, researchers in marketing described these
individuals as dependents of society and governments
to better their lives. This view changes when Prahalad
defends a new perspective, through which individuals
in this context are seen as consumers, with desires to
consume products of diverse nature. The objective of
this article, therefore, is to analyze the paths trailed by
economics and two moments in marketing about the
low income individual. Initially, the view economics
has on low income individuals is discussed, so that,
afterwards, two perspectives of marketing about this
segment can be presented.
Keywords: Base of the Pyramid. Low Income
Individuals. Economics. Marketing.
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1 INTRODUÇÃO
Marketing como um campo acadêmico surgiu no
início do século XX, embora atividades relacionadas
à área já existissem muito antes (BARTELS, 1976).
Diversos conceitos associados a marketing, tais como
mercados, análise marginal, valor, produção, homens
como entidades sociais e econômicas, competição, e o
papel do governo, já haviam sido amplamente debati-
dos, especialmente por importantes economistas dos
anos de 1700 e 1800 (WILKIE; MOORE, 2003). Dessa
forma, quando surge, a área de marketing possui forte
presença do pensamento econômico.
No início do processo de formação enquanto
área, estudiosos de marketing utilizavam conceitos e
teorias econômicas como base para o desenvolvimento
de seus próprios conceitos e teorias. A relação próxima
que marketing possuía com a economia, mais até do
que com outras áreas, devia-se a esta ser a única, na
época, que tratava de fenômenos de mercado (BAR-
TELS, 1976).
As primeiras escolas de pensamento de marketing
focavam, quase que exclusivamente, no produtor,
retratado como a parte ativa da transação de vendas,
cujas ações impactavam no comportamento de seus
consumidores (SHETH; GARDNER; GARRET, 1988).
As teorias advindas dessas escolas continham uma forte
perspectiva econômica, sendo suas principais preocu-
pações estudar a eficiência da produção e da distri-
buição, preços e níveis de demanda do consumidor
(LAGROSEN; SVENSSON, 2006). Embora tenham
sido as primeiras escolas de marketing a surgir, ainda
hoje possuem grande relevância para a área.
Era de se esperar que tamanha proximidade
com o pensamento econômico se estendesse à forma
como o marketing olharia para o consumidor (MASON,
1995). Essa aproximação é notável no tratamento que
marketing deu a indivíduos de baixa renda, durante
décadas.
O olhar econômico tende a colocar os indivíduos
de baixa renda como dependentes da sociedade e dos
governos para melhorarem suas condições de vida e de
emprego. Segundo essa visão, dificilmente são capazes
de alterar seu status por iniciativas próprias (RAUHUT;
HATTI; OLSSON, 2005). Em linha com esta ótica,
os teóricos de marketing também os marginalizavam
devido às suas restrições financeiras, além de julgá-los
como irracionais quanto a seus gastos (ANDREASEN,
1975; BARNHILL, 1972; HAMILTON; CATTERALL,
2005; HILL, 2002, 2008; RATNER, 1968; RICHARDS,
1968; STURDIVANT; WILHELM, 1969). A área de
marketing parece ter preterido esse segmento e priori-
zado o entendimento do comportamento de indivíduos
de classes econômicas médias e altas com condições
financeiras para consumir mais do que somente pro-
dutos essenciais. (BARROS, 2006a)
No início dos anos 2000, surge na área de
administração de empresas, principalmente a partir
dos trabalhos de C.K. Prahalad (PRAHALAD; HART,
2002; PRAHALAD; HAMMOND, 2002), uma nova
perspectiva sobre os indivíduos no segmento inferior
da pirâmide social – apelidados pelo autor de “base
da pirâmide”. Essa visão, que foi adotada pela área
de marketing, defende que indivíduos neste contexto
também devem ser vistos como consumidores, com
desejos de consumir produtos e serviços de diversas
naturezas, e não apenas os essenciais. Sob essa ótica,
empresas, e não governos, se tornam responsáveis
por ajudá-los a melhorarem suas vidas, conseguindo
tal feito por meio de sua inclusão na sociedade de
consumo. (PRAHALAD, 2006)
A recente estabilidade econômica de países me-
nos desenvolvidos contribuiu para fomentar o interesse
acadêmico e empresarial sobre a base da pirâmide.
Mercados mais estáveis, com índices de inflação mais
controlados, fizeram o consumo neste segmento cres-
cer. Dados apresentados por Guesalaga e Marshall
(2008) apontam que mais de 50% do poder de compra
no mundo está nas mãos de indivíduos de baixa renda.
No Brasil, o advento do Plano Real, em 1994, é
considerado um marco para o aumento do consumo
da camada de renda mais baixa da população, im-
pulsionado pelo poder de compra que a nova moeda
lhe proporcionou (BARROS; ROCHA, 2009). Outros
fatores também contribuíram para impulsionar o con-
sumo da população de baixa renda no país, como a
facilidade de acesso ao crédito (BARONE; SADER,
2008), o aumento do emprego formal (TAFNER,
2006), o aumento real do salário mínimo (ROCHA,
2006) e os programas assistencialistas governamentais.
(FREITAS, 2007)
A essa mudança de conjuntura econômica se
junta ao fortalecimento do capitalismo, cujo motor é
o crescimento econômico contínuo, alimentado pela

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