Tendências atuais do Direito do Trabalho: flexibilização e desregulamentação

AutorEduardo Eugenio Scremin
CargoAdvogado trabalhista, pós-graduando em Direito do Trabalho UNIVALI/AMATRA. E-mail: eduardoscremin@aol.com
Páginas412-426

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1. Fundamentos e Formação Histórica do Direito do Trabalho

Antes de analisar as tendências atuais do Direito do Trabalho, se faz necessário uma breve incursão histórica pelos fundamentos e pela formação deste ramo do direito.

Segundo os autores Granizo e Rothvoss1, a fase da formação estende-se de 1802 a 1848, tendo seu momento inicial no Peel's Act, do início do século XIX na Inglaterra, que trata basicamente de normas protetivas de menores. A segunda fase (da intensificação) situa-se entre 1848 e 1890, tendo como marcos iniciais o Manifesto Comunista de 1848 e, na França, os resultados da RevoluçãoPage 413 de 1848, com a instauração da liberdade de associação e a criação do Ministério do Trabalho. A terceira fase (da consolidação) estendeu-se de 1890 a 1919. Seus marcos iniciais são a Conferência de Berlim (1890), que reconheceu uma série de direitos trabalhistas, e a Encíclica Católica Rerum Novarum (1891), que também fez referência à necessidade de uma nova postura das classes dirigentes perante a chamada "questão social". A quarta e última fase da autonomia do Direito do Trabalho tem início em 1919, estendendose às décadas posteriores do século XX. Suas fronteiras iniciais estariam marcadas pelas Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919). WOLKMER2 , além dos fatos mencionados acima, acrescenta outros importantes "Pactos Políticos" - consolidadores do constitucionalismo do tipo social, como a Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), decorrente do impacto ideológico da Revolução Russa (1917); a criação da Organização Internacional do Trabalho, ao final da Primeira Guerra Mundial (1919), consagrando os direitos fundamentais dos trabalhadores e criando uma legislação internacional do trabalho; por fim, o Texto Político Espanhol (1931) que, como forma de equilíbrio, ora intenta o poder, ora prefigura a edificação de uma "República dos Trabalhadores de todas as classes".

Após décadas de lutas e conquistas das classes operárias, como numa espécie de reação dos detentores do capital, passou-se a discursar sobre a globalização e o neoliberalismo.

2. Globalização e o Neoliberalismo

A globalização não é um conceito único ou possui uma definição exata. Este fenômeno é muito antigo, se entendermos como tendência dos homens a ultrapassar seus domínios territoriais, estabelecendo novos canais de interlocução humana. Nesse sentido preciso, o homem global coincide exatamente com o nascimento do cosmopolita, pois segundo Pinaud3 "o termo cosmopolita é um termo cunhado na Grécia Antiga (séc. IV a.C.) para homenagear as transformações que Alexandre Magno impunha com suas conquistas [...]. Fato é que a palavra 'cosmopolita' (cidadão do mundo) significou a superação do 'Polites', homem da Cidade-Estado".

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A busca pela mundialização da economia ganha aliados sem precedentes através da tecnologia e dos satélites que não conhecem fronteiras. O mercado comum torna-se cada vez mais competitivo, levando a fusão de grandes corporações que se dirigem aos locais onde haja a mínima interferência do Estado e o custo da produção seja o mais baixo possível, imperando o neoliberalismo.

Essa realidade do mercado leva a conseqüências inevitáveis para o campo social dos países periféricos que, segundo CAMPANA4, ... provoca crise de regulação estatal em dois sentidos: primeiro, na incapacidade do Estado em garantir a segurança dos cidadãos e a integridade territorial e, segundo, na submissão desse mesmo Estado ao poder de forças econômicas supranacionais.

O neoliberalismo, para BIAVASCHI5 , é uma forma de expressão adotada pelo capitalismo visando à afirmação de seu domínio num mundo que se globaliza. Teve como marco, sempre lembrado pelos doutrinadores, a obra de Friedrich Hayek, O caminho da servidão, escrita em 1944, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, dando origem a seguir à Sociedade de Mont Pélerin na Suíça. Os membros dessa sociedade reuniam-se a cada dois anos, traçando estratégias para eliminar o Estado e o déficit público, preparando as bases para um novo tipo de capitalismo mais flexível.

A crise do petróleo e do mercado econômico do pós-guerra, a partir de 1970, levou o mundo capitalista à profunda recessão, associada a taxas inflacionárias altíssimas. Os neoliberais atribuíam esta crise ao poder excessivo dos sindicatos e, de forma geral, ao movimento operário que deteriorava as bases de acumulação capitalista em face das pressões por salários, com um Estado consumidor que, cada vez mais, aumentava seus custos sociais.

Nesse contexto, os países subdesenvolvidos, obrigados a buscarem recursos internacionais, foram compelidos a aderirem aos receituários do Banco Mundial, FMI e o BID, dando origem posteriormente ao Consenso de Washington (1989). O Consenso trabalha com as seguintes metas: redução drástica do Estado; corrosão do conceito de Nação; máximo de abertura às importações; e entrada de capital de risco. Com esse intuito, e com base no argumento da eficiência, dissemina a idéia da necessidade de um Estado Mínimo e, conseqüentemente, da flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho.

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3. Flexibilização X Desregulamentação

Entre os principais dicionários da Língua Portuguesa temos HOUAISS6, que define a desregulamentação S.f. 1. ato ou efeito de desregulamentar 1.1. eliminação das regras, das normas (esp. governamentais) para qualquer instituição ou corpo coletivo 1.2. eliminação das disposições governamentais que normatizam a execução de uma lei, decreto etc. 1.3. ECON redução da participação direta ou indireta, do Estado na economia e nos mercados; desregulação [Essa tendência, que surgiu nos países industrializados a partir de 1970, preconiza que as empresas, preços e alocação de recursos são mais eficazmente controlados e administrados pelas forças de mercado do que por regulamentos governamentais.] ETIM desregulamentar + ção. e flexibilizar no sentido de tornar (se) menos rígido. (grifo nosso).

FERREIRA7 conceitua desregulamentação como [De desregulamentar + ção] S.f. Ato ou efeito de desregulamentar e o verbete desregulamentar como [De des + regulamentar] V.t.d. eliminar regras ou normas (esp. governamentais) de. foi proposto projeto de lei para desregulamentar o transporte aéreo. Já a flexibilização como [De flexibilização + cão] S. f. 1. Ato ou efeito de flexibilizar. 2. Afrouxamento ou eliminação de leis ou normas. esp. as que afetam relações econômicas: "O presidente da Argentina... prometeu 'avançar nas medidas de flexibilização trabalhista'. [Isso] significa reduzir ainda mais os encargos sociais e tirar dos sindicatos a intermediação dos serviços médicos previdenciários." Gazeta Mercantil (27.8.1996). (grifo nosso).

A definição dos verbetes contém pequenas variações e para esse último autor a flexibilização pode significar até mesmo a eliminação de leis ou normas.

Entre os juristas, vários são os sentidos adotados. CAMPANA8 cita os seguintes autores: Amauri Mascaro do Nascimento, segundo o qual o vocábulo flexibilizar refere-se ao direito individual do trabalho, enquanto desregulamentação diz respeito ao direito coletivo; para José Francisco Siqueira Neto, a desregulamentação, na verdade, é um tipo de flexibilização promovida pela legislação. Entretanto, há também o entendimento no qual a flexibilização é espécie do gênero desregulamentação. SÜSSEKIND9 entende quePage 416 a desregulamentação não se confunde com a flexibilização das normas de proteção ao trabalhador, porque defende a inexistência da maioria dessas normas.

Na doutrina estrangeira também não há uma definição uniforme dos dois institutos. O autor peruano COSMÓPOLIS10 traz a seguinte definição:

[...] desregular es, a su vez, un neologismo que viene a significar privar de normatividad, suprimir o eliminar los mandatos legales que regulaban un determinado instituto o situación. Al igual que la flexibilización, presupone la existencia de una regulación a la flexibilización atenúa en tanto que la desregulación elimina.

Flexibilizar implica, por tanto, mantener un derecho o beneficio laboral, pero reduciendo su alcance, profundidad o contenido, para adaptarlo a las necesidades empresariales; mientras que desregular implica suprimirlo, descartarlo totalmente.

Conclui o autor peruano: "En tal sentido, podríamos ilegar a afirmar que la desregulación es el grado máximo e insuperable de la flexibilización, la toda ausencia, la virtual claudicación del derecho laboral."

Entendendo que a desregulamentação é a retirada total da norma, esta não seria possível no nosso ordenamento jurídico. A flexibilização, como abrandamento da norma, em determinadas situações peculiares é admissível e será objeto do presente estudo a análise da sua extensão e limitação na esfera dos direitos e garantias sociais dos trabalhadores no Brasil.

O principal discurso dos neoliberais para flexibilizar as normas trabalhistas é a manutenção e criação de novos postos de trabalho diante da crise econômica que assola a nação e a competitividade da economia globalizada.

Ocorre que o discurso neoliberal é apenas econômico e capitalista, não se preocupa com a democracia e com as infindáveis lutas ao longo da história para as conquistas dos direitos sociais. Comete os mesmos erros apontados por MORAES FILHO e FLORES de MORAES sobre os vícios da liberdade econômica e do liberalismo jurídico, segundo os quais a implantação da livre concorrência, aumentava cada vez mais o número de miseráveis, de empobrecidos, de pessoas sem posses,Page 417 enquanto crescia, por igual, a fortuna na mão de poucos proprietários. Após 1789, desmentida a otimista filosofia revolucionária de que homens, livres, logo seriam ricos e prósperos. Le Chapelier, por exemplo, ao...

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