É (des)necessário o exame de culpa conjugal nas ações de separação e de divórcio

AutorJosé Pizetta
CargoAluno especial do Curso de Doutorado em Ciência Jurídica da UNIVALI; mestre em Educação nas Ciências, concentração em Direito, pela UNIJUI
Páginas170-180

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"Conta Vítor Reina [na obra Culpabilidad Conjugal u Separatión, Divórcio o Nulidad] que o exame da culpa conjugal encontra sua origem no direito canônico, de um tempo de prevalência do direito cogente que dominava toda matéria matrimonial, sendo desígnio legislativo de que nada ficava à livre vontade das partes. [...] e assim também acontecia no Brasil ao tempo do desquite regulado pelo Código Civil, que as soluções de casamentos rotos permaneciam entorpecidas, dado que os cônjuges estavam obrigados a esta vida em comum, e se esta obrigação não se regula exclusivamente por um direito privado correlativo, porque seu principal fundamento era a moralidade e a ordem pública, não podiam os cônjuges, por sua exclusiva vontade, se divorciar ou se separar. A sociedade e seus mais caros interesses quedariam entregues às paixões ou ao capricho dos cônjuges desavindos ou cansados do cumprimento de seus deveres. Foi a Igreja Cristã que trouxe ao mundo romano a concepção do casamento indissolúvel, por Cristo que veio restaurar a ordem sobrenatural transtornada pelo pecado de Adão e Eva, revelando, também, a vontade de Deus acerca da integração do homem e da mulher numa união inquebrantável das núpcias." (apud MADALENO, 1999, p. 173).

O anterior Código Civil (1916) tratava da separação judicial (desquite) nos artigos 315 a 324. E o desquite litigioso, promovido por um dos cônjuges, só teria lugar por adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal durante dois anos contínuos (artigo 317), mediante exame da culpa. Ao lado havia o desquite consensual (artigo 318). (cf. ALVES, 1917, p. 257-262).

Depois, com a Lei do Divórcio (1977), foram revogados expressamente os artigos do Código Civil antes mencionados (cf. Lei 6515/1977, art. 54) e o artigo 5.º previu a possibilidade de separação judicial litigiosa, quando um dos cônjuges imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. Sem exame de culpa veio a separação consensual, havendo rupturaPage 171 da vida em comum há mais de cinco anos consecutivos (artigo 5.º, § 1.º) e o divórcio indireto, por conversão da separação judicial (artigo 25).

Posteriormente a Constituição Federal de 1988 autorizou o divórcio indireto, por conversão de ação de separação, após um ano da separação e autorizou também o divórcio direto quando comprovada separação de fato por mais de dois anos (artigo 226, § 6.º).

E neste início de ano (2003), entrou em vigor o novo Código Civil, Lei 10406, de 10.01.2002, que trata da separação e do divórcio nos artigos 1571-1582. E permanece a idéia de exame da culpa conjugal na separação litigiosa, estabelecendo o artigo 1572 que qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. No artigo 1573 o novo Código enumera motivos que podem caraterizar a impossibilidade da comunhão de vida, entre os quais (I) adultério, (II) tentativa de morte, (III) sevícia ou injúria grave, (IV) abandono voluntário do lar conjugal durante um ano, (V) condenação por crime infamante e (VI) conduta desonrosa. Ainda no parágrafo único estabelece que o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum. Como se nota, consolida-se dispositivos do Código Civil de 1916, da Lei do Divórcio de 1977, acrescentando-se a condenação por crime infamante, conduta ainda não tipificada no Direito Penal, expressão tomada de empréstimo do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Brasil, Estatuto da Advocacia, Lei 8906/1994, art. 34, XXVIII). Sem a idéia de exame de culpa consolida-se a separação consensual, desde que haja ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo (artigo 1574) e o divórcio indireto, por conversão da separação judicial (artigo 1580) e o divórcio direto consensual por separação de fato há mais de dois anos (artigo 1580, § 2º).

Pela legislação vigente, numa interpretação positivista, só escapam ao exame da culpa as ações de separação consensual, de divórcio direto consensual e de divórcio indireto, por conversão de ação de separação judicial anterior.

Porém a tendência atual é de que se diminua ao máximo a busca da culpa nas ações de separação e de divórcio. Assim o Estado, pelo Judiciário, não precisa se imiscuir na intimidade das relações familiares. Ainda mais quando se sabe que os verdadeiros motivosPage 172 dos litígios judiciais não são aqueles elencados nos autos dos processos judiciais. Pelo olhar da Psicanálise, os verdadeiros motivos são outros. É possível perceber, em situações de litígio conjugal, que as bases do litígio são estruturadas fora do campo jurídico. É de ordem subjetiva. (BARROS, 1997, p. 827).

Essa tendência se torna cada vez mais concreta, graças aos estudos cruzados de Direito e de Psicanálise, especialmente neste século, no espaço das discussões jurídicas, como forma de repensar o direito, pois a racionalidade jurídica, segundo François Ost, produtora de um discurso coerente e completo, sustenta-se não na lógica da qual deriva sua eficácia técnica, mas na sua inscrição em um mundo mítico que apela à crença do desejo dos sujeitos (PHILIPPI, 1998, p. 30).

Fazendo uma abordagem psicanalítica, Rodrigo da Cunha Pereira, falando da busca das causas da separação, que se aparece uma terceira pessoa na relação conjugal, isto pode não ser a verdadeira causa da separação, mas a conseqüência de um relacionamento que já deixara espaço para isto e que apresentava sinais de deterioração (1995, p. 12). Sendo assim, como saber quem é o verdadeiro culpado? Será que existe um culpado?

Logo, se o casamento fracassou, não há motivo para se apurar quem é o culpado. Se morreu o casamento, façam-se os funerais e reorganize-se a vida de cada ex-cônjuge. Não falemos de culpa ... não existe culpado uma vez que a escolha é sempre inconsciente e os atos deflagrados durante o exercício da conjugalidade, muitas vezes, são sobredeterminados pelo romance familiar registrado inconscientemente (BARROS, 1997, p. 828).

Segundo Rolf MADALENO, na Alemanha ...

"há muito, foi...

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