Doutrina do método jurídico e pragmática judicial

AutorWinfried Hassemer
CargoVice-presidente do Tribunal Constitucional Federal alemão; Professor de Teoria e Sociologia do Direito, Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Johann Wolfgang Goethe, Frankfurt am Main, Alemanha; Doutor honoris causa pela Universidade Tesalônica (Grécia) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)
Páginas80-97

Tradução José Pedro Luchi

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No nosso tempo ocorre um debate, o qual não é fácil de compreender quanto à ocasião, conteúdo e objetivo. Trata-se, além de casos jurídicos concretos, da vinculação do juiz à Lei e das conseqüências de uma flexibilização. A artilharia posta em movimento pertence a um tipo pesado. No fim se coloca a censura a juízes, que eles falham em relação a Mandamentos fundamentais da Constituição.

1. Conflito: Método e Constituição

Se eu vejo corretamente, Bernd Ruethers deu início ao debate e em duas publicações1 e continuou suas pesquisas anteriores, que abriram novas perspectivas, sobre o significado de método jurídico e direito dos juízes para a respectiva situação de Estado e Sociedade2, derrubou a idéia da “interpretação objetiva”3 e com isso encaminhou a compreensão do método de altos juízes na República Federal.4

Ruethers torna forte a doutrina do método jurídico; ele vê nele nada menos que a garantia para a divisão de poder e para o Estado de Direito.5 Ele registra e golpeia numerosas ePage 81 diversas infrações, deformações e situações embaraçosas: a existência sombria da doutrina do método jurídico na formação dos juristas, um selvagem direito dos juízes, um disfarce e mudança de significado da mudança de sistema e de ideologias do sistema, uma compreensão ingênua e histórica do método jurídico na literatura jurídico-científica, sobretudo na jurisdição6 e finalmente a marcha vitoriosa do “método objetivo”7. Ruethers caracteriza esse método como “grosseiramente errático”; ele permitiria aos aplicadores do direitos desvios arbitrários e disfarçados dos objetivos cognoscíveis das regulamentações e finalidades das normas da legislação; e se chocaria contra os princípios constitucionais da democracia parlamentar e da separação de poderes no Estado de direito8.

Guenther Hirsch tomou a palavra9 com uma curta Consideração, sem se referir a um doutrinador vivo do método jurídico; ele insistiu no fato que tanto o juiz como a lei deveriam ser interpretados de acordo com o tempo e produtivamente10, abriu uma via ao direito suprapositivo11 e, para esclarecer, elaborou uma imagem que não ficou clara para todos os leitores12.

Imagens são questão de boa escolha e o apelo a um direito suprapositivo é, hoje, mesmo entre parênteses (distanciantes ?) pelo menos um convite a equívocos. Assim o especialista em direito público de Goettinger Christoph Moellers não se fez esperar muito tempo e – talvez não por acaso em Feuilleton – fez algumas bem colocadas observações polêmicas a Hirsch13. Ele traduz assim a imagem antes ingênua de Hirsch: “Em alemão: nós não somos mais servidores, somos artistas, criativos e irresponsáveis”. Essa é, para dizer o mínimo, uma agudização artificial, que não corresponde à mensagem de Hirsch. Isso proporcionou a Moellers algumas dores de cabeça partir de cartas de leitores14, o que de novo estimulou Ruethers15, a apresentar de novo suas preocupações em torno de um Estado de juízes contrário à Constituição e a colocar o marco de início de uma discussão16.

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Eu sustento, pelo contrário17, que Ruethers supervaloriza fortemente tanto a vinculabilidade como a força de realização da doutrina do método jurídico. Essa doutrina é inútil como critério único de elaboração do direito no Estado de direito em um sistema jurídico codificado; também outros meios estão disponíveis para esse objetivo. E aos juízes simpáticos à primazia da decisão deve ser dito: Não se deve agir como se o juiz inventasse sua decisão sem consideração do comando da lei ou de outras regras, e não se devem simplificar as coisas; a elaboração judicial da lei é um processo complexo, em ampla medida teoreticamente ainda não esclarecido, que merece, do ponto de vista científico, não apenas nossa atenção mas também nossa reserva. As simplificações deformam e envenenam as confrontações e atraem para onde a Música toca.

2. Vinculo através de Dedução
2.1. Vinculação à lei e método

O sonho de um método jurídico rigidamente regulamentado, que transporta confiavelmete indicações da lei para as decisões judiciais e com isso efetiva a vinculação do juiz com a lei é tão antigo como a própria lei e não é muito original18; esse sonho tem uma ocasião forçosa: Um sistema jurídico como o nosso, que se organiza através de codificações, então que coloca por escrito as instruções conteudísticas para decisões judiciais, em vez de deixa-las de desenvolver caso a caso por aqueles que são competentes para decisão – um tal sistema jurídico se decidiu, com sua decisão pela codificação, ao mesmo tempo e inevitavelmente pela vinculação do juiz a essa codificação. Pois para que serviria a lei se ela não se prolongasse na decisão para qual ela deve valer? Tudo que fosse diverso disso teria o odor de engano e de um jogo frívolo: num sistema codificatório com diferenciação entre legislação e jurisdição a vinculação do juiz à codificação não tem alternativa. Legislação gera vinculação à lei.

Quem quer leis deve também querer a vinculação do juiz às leis. Como, porém, tal vinculação pode se apresentar, como ela deve ser efetivada, é outra página. A primeira página se chama constituição, Estado de direito e divisão de poderes, a segunda página se chama doutrina do método jurídico e práxis de interpretação judicial. Ambas as páginas não são idênticas uma com a outra, são, porém, entrelaçadas: a vinculação à lei tem êxito tanto mais rápido quanto mais depressa o método jurídico funcionar e ela permanece então uma promessa vazia se não se encontrar um método que possa colocar em obra e assegurar confiavelmente a vinculação. Nessa medida, porém somente nessa medida, um método jurídico tem referência à Constituição, e cada método específico na medida em que ele é método: sem regras da interpretação da lei e da observância de normas através dasPage 83 instituições que interpretam leis não se produzirá vinculação à lei. Pelo contrário, a Constituição não ordena a submissão sob um método determinado de interpretação da lei e ela não ordena de modo nenhum que tal método precise ser encontrado – como seria isso possível?

2.2. Estado da Lei

Então a questão soa: Como precisa ser constituído um método, que corresponda do melhor modo ao postulado da vinculação, que então realize o mais fielmente possível o comando constitucional da vinculação à lei e passe para a práxis judicial? Essa pergunta pelo como da vinculação à lei, então pelas possibilidades de um método jurídico, não é trivial. Sua pergunta não pode ser: quanto mais rígido o método, mais satisfatória a Constituição. Não se pode tornar isso tão simples.

Tais respostas simplistas estão baseadas tradicionalmente numa determinada teoria do Estado: o Estado da lei. Nesse Estado a lei e somente a lei decide sobre casos do Direito. O pressuposto é que a lei seja capaz de dar base para decisões, de modo completo e claro. Então e somente então ela pode confiavelmente excluir contribuições judiciais conteudísticas para a elaboração do direito.

Representações do ponto de vista do Estado da lei desenham, como também especularmente suas parentas do ponto de vista do Estado dos juízes, uma imagem unilateral da interpretação da lei por parte dos juízes, de suas tarefas e possibilidades. Enquanto Conceitos do ponto de vista do estado dos juízes como Jurisprudência de interesses ou doutrina dos direitos livres valorizam pouco regulamentações jurídicas e prometem a si mesmas Justiça somente por parte de um judiciário ativo e circunspecto, Conceitos do ponto de vista do estado da lei como Jurisprudência de conceitos ou positivismo da lei consideram o Judiciário como um neutro, que tem essencialmente tarefas de transporte e de concretização e se mantém distante de todo assunto conteudístico da realização do direito.

No teatro do Estado da lei os juízes comparecem como autômatos de subsunção19, os quais têm que ler a lei e transportar suas indicações uma a uma para a respectiva realidade vital. Aí eles precisam abster-se estritamente de todo acréscimo conteudístico a essas instruções. Se eles despertassem a impressão que, através de sua atividade interpretativa, acrescentam algo à lei, cairiam imediatamente sob suspeita, diante do controlador do Estado da lei, de manipulação contrária à Constituição. Os juízes são figuras pálidas e fiéis, eles não são mais que a boca da lei, eles são meras dobradiças. A lei decide, não o juiz; ela decide através dos juízes, passando através deles.

Essas representações da perspectiva do estado da lei sobre a interpretação judicial da lei não dignas de todo respeito. Elas não são apenas testemunhas de uma séria e instruídaPage 84 radicalidade da busca por um apoio seguro para compreendê-lo e interpretar as leis; elas carreiam também as melhores tradições do sonho de um Judiciário da perspectiva do Estado dos juízes. Elas marcam os pontos de ângulo e de guinada de nossa história constitucional, nos quais se decidiu que a jurisdição é uma instituição democrática, que trabalha na publicidade e não na mesa do gabinete; que aquilo que ela produz não é determinado através de círculos secretos de nobres e funcionários, porém através de legisladores eleitos, uma instituição que se expressa de forma que se possa entendê-la, de tal modo que todos possam avaliá-la, se ela observou ou não a lei. A jurisprudência do conceito do positivismo jurídico lógico, as representações de construção das ordens jurídicas por níveis e de conceitos que podem gerar outros conceitos...

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