Dos Recursos no Processo Eleitoral

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas371-406

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1 Noções

É da natureza humana não se conformar com primeira decisão desfavorável; está no sentimento de cada pessoa a recusa à derrota, inclusive judicial, principalmente se advém do julgamento por órgão singular, assim considerado o juiz ou o membro de tribunal que age isoladamente, sem dividir o problema em análise com seus pares. Seria ideal, mas sonhador e impossível, que os juízes não errassem. Essa realidade não existe. Ausência de completa visão do problema provocada por deficiência de argumentações dos interessados, insuficiente preparo intelectual do juiz ou intenção de beneficiar ou prejudicar partes ou terceiros, tudo isso somado à existência de provas forjadas, erradas ou incompletas e a teses jurídicas equivocadas são alguns dos fatores capazes de conduzir a errôneo e injusto desfecho da causa.

Esses fatores e quaisquer outros que interferem no julgamento residem, efetivamente, na falibilidade dos sujeitos da relação jurídica processual – juiz, partes, servidores da justiça, representante do Ministério Público – e nem sempre são suscetíveis de percepção prévia em relação ao ato a praticar, por se exteriorizarem justamente ao final, com o veredito, embora não se desconheça a existência de decisões interlocutórias, muitas vezes de impacto até maior. A efetividade do processo, como instrumento da jurisdição, que por sua vez se compreende como o poder de dizer o direito diante da controvérsia entre dois interesses conflitantes, requer, também, instrumentos de autocontrole, no sentido de caber a ele próprio a instituição de mecanismos de enfrentamento das falhas dos seus atores. Entre esses mecanismos, destacam-se os recursos, mas não são os únicos, por conviverem com diversos outros, que podem ser chamados de equivalentes recursais pela possibilidade de conduzirem ao resultado, embora por vias transversas.

Enfim, diante da falibilidade do juiz, como ser humano e órgão estatal, assim como do fato de ninguém gostar de decisão desfavorável, o bom senso, primeiramente, seguido pela doutrina, recomenda, e o ordenamento jurídico acolhe, a instituição de um sistema com mais de um grau de jurisdição, cada qual completamente independente em relação ao outro, para permitir o reexame da causa sob diferentes perspectivas, sem prejuízo de admitir a impugnabilidade interna perante o mesmo órgão autor da decisão ou para outro, de igual hierarquia, embora formado por outras pessoas.

No processo eleitoral, assim como no processo comum, as decisões judiciais podem ser impugnadas no todo ou em parte por recursos ou outros meios, como a ação rescisória, o habeas corpus, o mandado de segurança e a reclamação. Neste capítulo serão analisados os recursos, deixando para o próximo os demais meios impugnativos, denominados de equivalentes recursais ou sucedâneos de recursos.

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2 Conceito de recurso

Considerando o processo como conjunto de atos coordenados, iniciado pelo autor, mas destinado a levar o juiz a proferir a decisão depois de obter a versão do réu, ou de pelo menos lhe oportunizar a oferecê-la, pode-se concluir que deveria seguir a rota, direção ou rumo traçado, ou, em uma palavra, o curso, do qual depende o resultado almejado. Sob a ótica das partes, o resultado diferente do esperado decorre do desvio de curso: se o juiz seguisse exatamente seus argumentos, logicamente, decidiria na forma do seu pedido – no caso do autor – ou defesa – no caso do réu.

Figurativamente, a petição inicial do autor e a contestação do réu, como principais atos das partes e entremeados e completados por diversos outros representam a estrada que, se trilhada corretamente, conduziria ao porto, representado pela sentença. O erro de curso em alguma bifurcação, entroncamento ou cruzamento pode impedir a chegada ao porto – a sentença. Recurso, então, pode ser visto como o meio posto à disposição das partes e até de terceiro eventualmente prejudicado para pedir à autoridade judiciária que, voltando ao ponto onde pode ter ocorrido o erro de curso, se o refaça e, assim, chegue ao resultado esperado.

Daí a origem da palavra “recurso”, do latim recursus, significando retrocesso, corrida para trás, caminho de volta, retorno ao curso, como se infere da lição de Sérgio Bermudes349, para quem o vocábulo “compõe-se de cursus (carreira, corrida; particípio passado de currere, correr) anteposto da partícula re, que indica movimento para trás, retrocesso (fluxo e refluxo da maré)”. Na sequência, arremata ensinando consistir a atividade recursal “exatamente, em voltar-se ao ponto de partida, para se refazer todo o raciocínio contido no julgamento impugnado, com o propósito de verificar-se o acerto, ou desacerto dessa decisão, por isso chamada decisão recorrida”.

Para Moacyr Amaral Santos350o recurso pode ser conceituado como “O poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou modificação”, mas esse conceito não está completo, incidindo no grave risco de sempre nessas empreitas, pelo menos por duplo defeito: a) embora alguns recursos possam ser interpostos para a mesma autoridade autora da decisão recorrida para lhe possibilitar-lhe retratar-se e modificar a solução dada, também não se pode afirmar que nos demais casos aquela para quem se recorre reside em grau superior; b) o outro defeito reside na finalidade apontada, por não se prestarem os recursos apenas para “obter a sua reforma ou modificação”, podendo conduzir à cassação a decisão e anulação de todos os atos praticados até então.

Os recursos para serem julgados pela mesma autoridade são exceções previstas expressamente em lei, como os embargos de declaração e o agravo retido e certas apelações que permitem juízo de retratação. Mas, há recursos que, embora manifestados perante outro órgão, continuam no mesmo grau de jurisdição, sem qualquer hierarquia, como os embargos infringentes e o agravo regimental. Os primeiros, geralmente, são julgados por fração do

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tribunal formada pelos membros da câmara responsável pelo julgamento do recurso que lhe deu ensejo e pelos membros de outra ou outras, daí recebendo a denominação de “câmaras reunidas”, “seção” ou “grupo de câmaras”. Outro exemplo de recurso julgado por órgão diverso, mas de mesmo grau, é o inominado no juizado especial, de competência da turma recursal formada por três juízes de primeiro grau.

Por último, merece crítica o ponto onde afirma ser o recurso meio de que o interessado se vale para obter a reforma ou modificação da decisão. Reforma ou modificação são sinônimos, significando que o recorrente espera do órgão competente novo julgamento de mérito que lhe assegure o resultado não conseguido perante o juízo recorrido. É possível o processo se apresentar com defeito por motivos variados, como incompetência absoluta do juízo, falta de citação de litisconsorte necessário ou cerceamento de defesa. Nesses casos, tecnicamente, o recorrente não busca a reforma ou modificação da decisão, senão a cassação com anulação desde o ponto viciado.

Portanto, pode-se conceituar recurso como o meio à disposição da parte ou terceiro interessado para provocar a manifestação de órgão judiciário competente, geralmente superior e colegiado, no mesmo processo, a fim de fim de obter o reexame da causa decidida a partir de certo ponto, e, consequentemente, novo julgamento que corrija o erro do anterior.

3 Equivalentes recursais

Recurso não é o único meio de que os interessados podem se valer para impugnar decisão judicial, existindo outros remédios que, embora não o sejam, também podem ser utilizados para postular o reexame...

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