Princípios dos recursos

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas221-248

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11.1. Noções gerais

O sistema jurídico recursal é dotado de princípios. Nem sempre há previsão legal expressa desses princípios. A maioria deles, inclusive, é obra de construção doutrinária.

11.2. Funções dos princípios

Os princípios dos recursos permitem a compreensão científica e são responsáveis pela realização prática do sistema recursal. Sinteticamente possuem as seguintes funções:

  1. informadora - na medida em que inspiram a criação de normas, atribuem fundamento e imprimem unidade orgânica ao sistema jurídico recursal;

  2. interpretativa - ao passo que fornecem critérios orientadores para a descoberta do significado e o alcance das normas jurídicas;

  3. normativa - uma vez que integram o direito nas lacunas da lei (sic).

11.3. Princípio da recursividade

O princípio da recursividade:

  1. não possui previsão legal expressa. Sua adoção decorre do sistema processual;

  2. enuncia o poder dos interessados de manifestar inconformidade com a decisão e pedir o seu reexame.

    Há quem confunda o princípio da recursividade com o do duplo grau de jurisdição. A diferença entre ambos, porém, é cristalina. Enquanto o princípio do duplo grau de jurisdição possui ligação direta com a atividade recursal (e somente com ela), o da recursividade, de cunho mais alargado, abrange qualquer forma de manifestação da inconformidade como, v. g., o pedido de reconsideração e o mandado de segurança contra ato jurisdicional.

    A particularidade de abarcar qualquer forma de manifestação da inconformi-dade conduz à assertiva de que a recursividade não integra os princípios recursais específicos, embora estes estejam nela inseridos.

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    11.3-A. Princípio da identidade física do juiz

    O princípio da identidade física do juiz:543

  3. possui previsão legal expressa (CPC, 132, caput), relaciona-se intimamente com o princípio da imediatidade e, juntos, têm por escopo garantir uma melhor qualidade de justiça;

  4. enuncia que o juiz (titular, substituto ou auxiliar) que concluir a audiência julgará a demanda, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado.

    Melhor julgador será, indubitavelmente, o de melhor conhecimento do caso concreto.544 E melhor conhece o caso concreto o juiz que esteve em contato pessoal e direto com as partes e testemunhas (princípio da imediatidade).

    Tão ou mais importante que a narrativa dos fatos pelas partes e testemunhas é o modo como esta é feita. As sensações545 e as percepções,546 por isso, são fundamentais para a formação do convencimento do juiz. A colheita da prova pelo juiz que irá julgar lhe dá a oportunidade de verificar, vis-a-vis, as reações psíquicas, que nem sempre podem ser documentadas. Aliás, não há dissenso na psicologia de que sempre que ocorrer "conflito entre a visão e os demais sentidos, predomina a percepção provocada pelo estímulo visual".547

11.4. Princípio do duplo grau de jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição:

  1. possui previsão legal expressa (Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, 8º, 2, h - Decreto n. 678/1992);

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  2. enuncia o poder dos interessados de, por meio de recurso dirigido a órgão hierarquicamente superior, provocar a revisão do pronunciamento judicial impugnado com o escopo de obter a reforma ou a declaração de inexistência ou invalidação de atos processuais ou da própria decisão, bem como o julgamento do mérito da causa negado pelo juiz de primeiro grau.

    No processo civil, a manifestação mais clara do princípio do duplo grau de jurisdição é a possibilidade de interpor apelação (CPC, 513); no processo do trabalho, é a possibilidade de interpor recurso ordinário (CLT, 895).

11.4.1. Duplo exame

Não se deve confundir duplo grau de jurisdição com o duplo exame.

Inserido no princípio da recursividade, o duplo exame exprime o reexame do pronunciamento judicial pelo mesmo órgão emissor, destituído, porém, de potencialidade para anular ou reformar a decisão, exceto acidentalmente.548 O duplo

grau de jurisdição, de sua parte, exprime o reexame do pronunciamento judicial por sobrejuízes, com potencialidade para reformar ou anular a decisão, ou para obtenção do julgamento do mérito da causa negado pelo juiz de primeiro grau.

11.4.2. Garantia ao duplo grau

Poder-se-ia sustentar que o duplo grau de jurisdição é princípio constitucional,549 uma vez que o art. 5º, LV, da CF o prevê expressamente ao dizer que aos litigantes em processo judicial são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes.550

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O vocábulo recursos, utilizado no dispositivo constitucional mencionado, não possui sentido técnico. Não significa, portanto, instrumento de impugnação de decisões judiciais, mas conjunto de medidas e meios indispensáveis para assegurar a ampla defesa e o contraditório.551

Além disso, a utilização do vocábulo recurso e da expressão meios recursais junto à garantia da ampla defesa e do contraditório não constitui inovação da CF vigente. Assim era, também, nas Constituições anteriores.552 A CF de 1988, portanto, apenas seguiu uma tradição histórica. Não introduziu o vocábulo recursos no art. 5º, LV, com o escopo de elevar o duplo grau de jurisdição a princípio constitucional.553

O Decreto n. 678/1992, que promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), entretanto, parece ser o diploma que autoriza a inserção do duplo grau de jurisdição entre os princípios de natureza constitucional. Referido decreto, que tem status de emenda constitucional (CF, 5º, § 3º), no art. 8º, 2, h, assegura a toda pessoa o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.554

Entender que o duplo grau de jurisdição é princípio de natureza constitucional,555 porém, não significa afirmar que há garantia absoluta

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ao recurso.556 Os direitos fundamentais não são imunes a restrições, ainda que não se encontrem sob reserva legal (simples ou qualificada). Além disso, o duplo grau não é inerente à ampla defesa e ao contraditório. A previsão de recursos, portanto, não deve ignorar as garantias, também constitucionais, da efetividade (CF, 5º, XXXV) e da razoável duração do processo (CF, 5º, LXXVIII), sendo viável a sua restrição.557

11.4.3. Fundamentos invocados para justificar o duplo grau

Há quem exalte e quem repugne o duplo grau de jurisdição. Os que pregam a extinção do duplo grau de jurisdição argumentam que ele ofende a garantia de acesso à Justiça; a decisão de segundo grau que confirma a primeira é inútil e afronta o princípio da economia processual; a reforma da sentença é sempre nociva, pois revela a existência de divergências de entendimentos e interpretações, o que produz a incerteza nas relações jurídicas; há desprestígio e inconfiabilidade no juízo de primeiro grau quando a sentença é reformada.

Os que exaltam o duplo grau de jurisdição argumentam que a garantia ao recurso é uma necessidade humana, pois ninguém se conforma com uma única decisão desfavorável; os recursos são em regra apreciados por órgão colegiado, dos quais fazem parte juízes mais experientes; com a possibilidade de recurso, o juiz se torna mais zeloso no seu ofício; o duplo grau de jurisdição possibilita o controle dos atos judiciais; nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles; o juiz de primeiro grau erra mais que o de segundo grau; o juízo recursal goza de maior independência.

Não me parecem consistentes os argumentos levantados pelos partidários de ambas as correntes. Vejamos:

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  1. ofensa à garantia de acesso à Justiça. Não se pode negar que uma das maiores preocupações do direito processual moderno é o acesso à justiça em termos quantitativos e qualitativos. O sistema, portanto, "deve ser igualmente acessível a todos" e "produzir resultados que sejam individual e socialmente justos";558

    A excessiva duração do processo (dano marginal na linguagem de Ítalo Andolina)559 é apontada como entrave ao acesso à Justiça, uma vez que provoca a elevação dos custos. Tal fator, em muitos casos, torna mais atraente a renúncia do que a luta pelo direito.560 Daí a preocupação mundial em assegurar a tempestividade processual.561 No Brasil, essa garantia já estava expressa no Decreto n. 678/1992, que incorporou ao ordenamento interno a Convenção Americana sobre Direitos Humanos...

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