Dos Crimes de Responsabilidade

Autorde Araujo Lima Filho, Altamiro
Páginas41-289

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PREFEITOS E VEREADORES - CRIMES E INFRAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

mandato exercido. Igualmente fornece o trâmite processual a ser seguido para tanto, por ocasião do artigo seguinte, o 5º.

O artigo 6º e incisos cuida das hipóteses de extinção do mandato do Alcaide, a independer de deliberação por parte do plenário da Casa Legislativa, e cuja declaração dar-se-á por ato exclusivo do seu Presidente ou quem o estiver a substituir no momento.

A seguir (no artigo 7º), cuidando especificamente do Vereador, estabelece três hipóteses em que a Câmara poderá proceder à cassação do mandato dos seus próprios membros, remetendo o processo apuratório e punitivo ao estabelecido anteriormente no 5º artigo.22Tal qual o mandato de Prefeito, o de Vereador é declarado extinto pelo Presidente da Câmara, nas quatro hipóteses elencadas no artigo 8º, vedando-se a omissão de tal ato à autoridade citada e sob as penas no estatuído no § 2º.

DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores:

Muito se tem polemizado, entre nós, acerca da expressão crime de responsabilidade, em virtude da sua ambígua e funesta utilização escoimada da devida observância dos rigores doutrinários. Assim é que nossos textos legais a empregaram indevidamente para designar meras infrações de natureza ético-político-administrativa por décadas a fio, malgrado as

22. O parágrafo 2º, do artigo 7º, previa o afastamento provisório do Edil acusado, desde que a denúncia tivesse sido acatada pela maioria absoluta dos seus pares. Na primeira edição deste nosso trabalho colocávamo-nos contra tal procedimento, porquanto o entendíamos inteiramente contrário às garantias oferecidas pela Constituição Federal. Tal preceito foi, finalmente, revogado por força do artigo 107, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

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severas e objetivas críticas de juristas consagrados, como Tobias Barreto, saudoso Mestre da Faculdade de Direito do Recife, Nelson Hungria, Paulo Lúcio Nogueira e Damásio de Jesus, apenas para citar uns poucos.23Através da lavra do insigne Hely Lopes Meirelles colhemos a informação precisa de que tivemos o uso correto dos conceitos de crime de responsabilidade e de infração político-administrativa quando da feitura do projeto do Decreto-Lei ora analisado. Dúvidas inexistem, naquele Diploma, de que os chamados crimes de responsabilidade, constituem-se em delicta in officio, lesivos à Administração Pública, de natureza tipicamente criminal, especial (por antinomia aos crimes funcionais comuns, elencados no Código Penal), cometidos exclusivamente por pessoa a ocupar determinada função eletiva — no caso em foco, por Prefeito Municipal — e em razão do seu desempenho (caso de crime próprio), aos quais se cominam penas de reclusão ou de detenção, nada obstaculando o concur-so (hipótese de crime impróprio).

Em que pese nossa profunda discordância no que se refere à forma como nos foi imposto o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, julgamos imperativa a sua atual necessidade prática, notadamente quando vemos, à cada dia, o surgimento de não poucos casos de escândalos a envolver depositários da vontade popular pelo País afora,24onde necessariamente se incluem os municipais. Afinal, “Quando o administrador, o

23. Vide nota anterior (nº 13) sobre o uso da expressão crimes de responsabilidade.
24. A disposição da coisa pública como própria, no Brasil, que tem suas raízes históricas já mapeadas, parece vir arraigando-se a cada dia. À época da primeira edição do nosso trabalho (1997) falávamos de mais um escândalo, então envolvendo instituição bancária de âmbito nacional, e da observação feita por certa publicação onde alertava que “a ciranda de impunidade chegou ao nível do folclore” em nosso País (Veja, edição 1.460, 4/set/96,
p. 78). Interessante é que os escândalos apresentam-se a nós como uma constante crescente. Lembremos, aqui, dos episódios dos anos recentes (2005 a 2007) envolvendo figuras até então respeitáveis e admiradas pertencentes aos quadros da direção do Estado, a exemplo de José Genuíno, José Dirceu e Renan Calheiros. Isto para citar apenas uns poucos casos.

Bastante veemente é o pronunciamento do mestre Paulo Lúcio Nogueira, reconhecendo, com muita propriedade, “que a corrupção na alta esfera prolifera com muito mais poder e torna-se impotente qualquer tentativa de combatê-la, já que a repressão penal só alcança os pequenos funcionários, pois os graduados estão quase sempre longe de qualquer punição. Ainda que a imprensa denuncie certos fatos gravíssimos que se passam na administração pública de cúpula, não tem havido condições de reprimi-la, já que o direito

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Chefe do Poder Executivo de um município, desvia-se e distrai-se de suas atribuições e do mister para o qual foi eleito, bandeando-se para a prática delituosa e insultando e traindo a confiança daqueles que lhe outorgaram o mandato, ofende e fere profundamente cada membro daquela comunidade e trai o voto que obteve na urna”, como assenta o ilustrado Rui Stoco. Adiantando, ainda, que “É direito de cada qual vê-lo processar de perto e, se culpado, vê-lo condenado (...) Serve para dar uma satisfação não só à sociedade como um todo, mas e principalmente, à própria comunidade ofendida. E mais, há de servir de exemplo e desestímulo àqueles que, na mesma comunidade, buscam se eleger para fins escusos. A reprimenda não terá apenas caráter retributivo e preventivo mas, também, profilático e educativo (...) O uso da máquina administrativa para fins pessoais, a apropriação ou o desvio de verbas públicas em proveito próprio, o peculato, e

penal não alcança os poderosos, mas tão somente os humildes (...) Na verdade, a desconfiança se apossa de todos, que não mais acreditam nas promessas dos seus governantes ou políticos, que se utilizam do poder para consecução dos seus próprios interesses. E como o mau exemplo vem de cima, os subalternos também não encontram qualquer estímulo para agirem corretamente. Portanto, não se pode, dentro de um sistema comprometido, em que os superiores são os primeiros a obterem vantagens indevidas, que os pequenos tenham condutas corretas. O bom exemplo deve vir de cima, para que seja imitado por aqueles que se encontram no plano inferior. Mas não é o que acontece nos dias atuais, em que a corrupção mais campeia nas altas esferas, servindo de mau exemplo para o povo, que não acredita nos seus homens públicos (...) A criminalidade violenta não está apenas nos assaltos que se praticam contra o patrimônio particular, em plena luz do dia, mas está também na ação de certos poderosos, que continuam enriquecendo-se ilicitamente em detrimento da coletividade. Várias são as causas da criminalidade violenta, como: a subversão do regime democrático pelo regime da força, com atos de violência contra os direitos e garantias individuais; a concentração de rendas nas mãos de uma minoria privilegiada que faz, conseqüentemente, preponderar a miséria da maioria insatisfeita e espezinhada; o abandono em que se encontra o menor, sempre tido como problema prioritário, mas que nunca merece a devida atenção dos governantes; a corrupção de cúpula, que pode ser considerada uma forma de criminalidade pacífica porque não molestada ou punida em contraposição ao que se convencionou chamar de criminalidade violenta porque armada e reprimida, como se houvesse distinção entre elas; a falência do regime punitivo, que não reeduca ninguém, mas concorre para a reincidência criminosa; os principais meios de comunicação ou diversões, como a imprensa, o cinema e, sobretudo, a televisão a transmitir abertamente cenas de violência e erotismo numa sociedade permissiva e degradada, onde os valores humanos não têm nenhum valor porque reina a mediocridade e a tolerância de nossas leis, que, em certos aspectos, vem tratando o criminoso com benignidade injustificável, concedendo-lhe mais direitos e regalias do que ao próprio homem livre e trabalhador.” (Paulo Lúcio Nogueira, Questões Penais Controvertidas, São Paulo, LEUD, 1994, pp. 230-233).

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outras práticas ilícitas de natureza funcional constituem os mais graves crimes que um administrador pode cometer.”25Anote-se o fato de que mesmo para aqueles que vêem, no ordenamento em questão, um excesso de rigor defendem-lhe a aplicação, como assim o faz douto José Nilo de Castro, anotando que “Os escândalos nas administrações públicas se multiplicam; a impunidade passou a reinar; a reação da comunidade, contra tais atos e fatos passou a ser uma constante; o cidadão deixou de ser espectador e tornou-se ator, exigente. De conseqüência, para os administradores municipais inescrupulosos leis severas não podem ser proscritas simplesmente e tampouco esquecidas. Haja vista hoje a Lei nº 8.429, de 2/9/92, que regulamentou o § 4º do art. 37 da Constituição da República. Os vícios, portanto, do Decreto-Lei nº 201/67, como de todos os atos do entulho autoritário posteriores a 1964, são de sua época, não de sua gênese.”26O ponto fulcral remanescente do presente Diploma é o combate à corrupção por acaso cometida pelo ocupante do cargo máximo do Poder Executivo municipal contra a coisa pública. O Legislador, como veremos, acoima os atos corruptos e ímprobos como crimes de responsabilidade, os quais, no dizer abalizado de quem elaborou o projeto, o professor Hely Lopes Meirelles, implicam no delineamento dos atos mais ruinosos à administração, procurando-se distinguir claramente as infrações penais daquelas outras de cunho político-administrativo e “atribuindo o processo e julgamento daquelas exclusivamente ao Poder Judiciário, e os destas à Câmara de Vereadores. Assim, a Justiça comum decide sobre os crimes de responsabilidade do...

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