Dos contratos

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1. 1 Fontes das obrigações

"A alegação de que a figura do cheque pós-datado inexiste não exime a responsabilidade do portador que apresentou a cártula fora do prazo estipulado em reparar o dano moral causado por sua conduta, que culminou na devolução do título por insuficiência de fundos, porquanto o costume estabeleceu, de forma inexorável, que o cheque, em certas e determinadas condições de negócio, é contrato, restando desfigurado sua característica de ordem de pagamento à vista, concluindo-se portanto, que o cheque é considerado passado no dia marcado para apresentação ao banco sacado, não podendo o saque ser operado antes do termo estabelecido" (in RT 788/388)1.

Fonte é o lugar de onde provém algo. Com relação a ementa destacada, vê-se claramente que a fonte ou a causa da obrigação assumida de pagar o cheque é o contrato. Serviu-se, portanto, as partes, do contrato, não do cheque, instrumento hábil que representa um acordo de vontades ligando as pessoas às coisas. Tem-se, por conseguinte, que o contrato é o elemento da manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos. Sem dúvida, prepondera, então, o elemento vontade, elemento fundamental da definição de contrato, consoante veremos mais adiante.

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As obrigações são relações entre pessoas. Uma delas, sendo o devedor, assume o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa em favor do credor. Para que existam essas obrigações, são imprescindíveis as causas originárias, pois elas derivam de certos atos. A essas causas dá-se o nome de fontes das obrigações. Se alguém, por exemplo, assume a obrigação contratual de alugar um prédio, assume a obrigação de pagar o aluguel. O contrato, portanto, é o antecedente, o elemento que dá nascimento à obrigação. Vale dizer, a obrigação assumida pelo locatário tem como fonte o contrato. Por conseguinte, a vontade humana, oriunda do querer do agente, pela qual uma ou mais pessoas se obrigam a dar, fazer ou não fazer alguma coisa em favor de outrem, é tida como uma das fontes das obrigações.

Existem outras fontes como, por exemplo, a declaração unilateral da vontade, como é o caso da promessa de recompensa. A propósito, diz o art. 854 do CC, in verbis: "Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido". Essa declaração feita publicamente é um elemento que dá nascimento à obrigação.

Um ato ilícito, aquele que provém de uma ação ou omissão culposa ou dolosa do agente, e que causa dano à vítima, também constitui fonte de obrigações.

Por isso, para Maria Helena Diniz, a fonte das obrigações "é o fato jurídico, uma vez que o fato jurídico lato sensu é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, dentre eles os obrigacionais, impulsionando a criação da relação jurídica e concretizando as normas de direito".2

A fonte das obrigações, portanto, é o comportamento humano e aí encontramos especialmente os contratos, as declarações unilaterais da vontade e os atos ilícitos. Portanto, três são as fontes das obrigações: contratos, declarações unilaterais da vontade e atos ilícitos.

Não devemos esquecer que a lei é a fonte básica da obrigação. Sem ela não há obrigação. Sem ela ninguém está obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa. Analise o princípio do art. 5º, II, da CF, in verbis:

"Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Significa que a responsabilidade deve ser imposta por lei. Sem lei não há obrigação. A lei é, pois, a fonte primária ou remota da obrigação.

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1. 2 Do fato jurídico ao contrato

Suponhamos a seguinte situação: Um barco de pesca, em alto mar, sofre naufrágio e ocorre a morte dos ocupantes. Há, aí um acontecimento motivado pela natureza e que tem repercussão no mundo jurídico. Se o acontecimento não tivesse produzido nenhuma consequência, isto é, ninguém tivesse morrido, seria apenas um fato natural.

Nesse quadro, cumpre distinguir os fatos simples, dos fatos jurídicos (fenômenos que produzem efeitos jurídicos). Fatos jurídicos, portanto, são acontecimentos que produzem consequências na esfera jurídica. A morte, por exemplo, é um fato jurídico, porque dá origem, principalmente, ao direito à sucessão dos bens do de cujus.

Consoante esclarece o ilustre Prof. Inocêncio Galvão Telles, a expressão "fato jurídico" possui significado duplo, visto que, empregada em sentido amplo, designa o gênero, ao passo que em sentido restrito apenas abrange uma espécie desse gênero",3conforme mostra o esquema seguinte:

Um fato jurídico pode ser encarado como espécie do gênero fato jurídico, gerador de uma relação jurídica não dependente da vontade humana, como por exemplo, o término de um contrato de trabalho motivado pela morte do empregado, fato que faz cessar o contrato, evidentemente, não motivado pela vontade das partes. Se o acontecimento for dependente da vontade humana, será considerado uma outra espécie do gênero, chamada fato jurídico voluntário. Os atos voluntários podem ser lícitos ou ilícitos. Os lícitos são denominados negócitos jurídicos, de acordo com a lei; os ilícitos são aqueles de natureza contrária à lei.

Em face do exposto, o acontecimento de natureza lícita e dependente da vontade humana ou do querer do agente, chama-se ato ou negócio jurídico, e se subdivide em bilateral (contratos em geral) e unilateral (declaração unilateral da vontade).

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1. 3 Conceito de contrato

"Os contratos devem ser cumpridos no modo e forma como convencionados, atendidos os requisitos objetivos e subjetivos para a sua validade, sob pena de mitigação do princípio do pacta sunt servanda"4 (in RT 775/322).

O Código Civil brasileiro não possui disposição expressa do que considera contrato. Este é uma espécie de ato ou negócio jurídico, de natureza bilateral, pois sua formação depende do encontro da vontade das partes contratantes. Sem manifestação da vontade, ainda que tácita, não há contrato. É o que escreve Clóvis Beviláqua: "O contrato é, sempre, um ato bilateral, porque pressupõe acordo de vontade". É ainda, um ato ou negócio jurídico por excelência, segundo o qual "os homens combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou solvendo algum vínculo jurídico".5A sua principal característica reside no princípio do acordo de vontade e, por tal motivo, segundo classifica a doutrina, o contrato é sempre justo, porque nasce do desejo das partes, sendo resultado da livre apreciação dos interesses dos contratantes.

O contrato faz surgir entre as partes uma determinada relação jurídica, baseada nos efeitos do ato ou negócio jurídico, vale dizer, o contrato visa produzir, modificar ou extinguir obrigações. Portanto, o contrato não só abrange todos os casos produtivos de obrigações, mas também as convenções modificativas ou extintivas de obrigações preexistentes.

Em contrapartida, o conceito de contrato não alcança todas as convenções do Direito Privado, como é o caso das obrigações relativas aos direitos de família e aos direitos sucessórios. No casamento, por exemplo, as partes apenas se limitam à criação do ato, mas não podem estabelecer as condições e efeitos, que são regulados por lei.

A conclusão a que chega a doutrina é a de que o contrato não é aplicável aos negócios jurídicos de natureza não-patrimonial. Baseados nessa particulari-dade, aderimos ao conceito de contrato idealizado pelo Prof. Darcy Bessone: "O contrato é o acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular, ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial".6O contrato ou a relação contratual entre as partes, faz surgir, concomitantemente, obrigações entre elas, pois uma obrigação nada mais é do que uma "relação

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jurídica, de caráter patrimonial, mediante a qual a pessoa que assume a qualidade de devedor, é vinculada a uma prestação para com outra pessoa, o credor".7Quer dizer, através dos atos conjuntos de vontade, geradores de obrigações contratuais, as pessoas assumem o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em favor de outro ou de outros. Desse modo, um contrato supõe, pelo menos, duas partes: a que assume o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, e aquela em favor da qual tal dever será realizado. Esses dois sujeitos, por conseguinte, em geral, estão em posição antagônica, e suas declarações se opõem, ou seja, os interesses das partes são divergentes e opostos. Um, o beneficiário (sujeito ativo); o outro, com o dever de realizar a prestação (sujeito passivo). Dissemos "em geral" porque nem sempre assim acontece. Há situações, como no contrato de sociedade empresarial, em que os interesses dos sócios contratantes acham-se em posições paralelas, ao combinarem seus esforços para obter um fim comum. "Celebram contrato de sociedade - diz o art. 981 do CC - as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com seus bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados".

1. 4 Condições de validade dos contratos

Quando uma pessoa estabelece um acordo com outra constituindo uma ou várias obrigações, faz surgir um contrato. Essa expressão de vontade equivale a um negócio jurídico. O Código Civil, por sua vez, não define o negócio jurídico. Apenas estabelece as regras que são as mesmas para o contrato. Eis o que diz o artigo 104 do CC, in verbis: "A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei".

1) agente capaz - Já é do nosso conhecimento que o contrato emerge do acordo entre as partes. O acordo é o elemento primordial do contrato; sem ele não há...

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