A proteção dos acionistas e credores na incorporação

AutorTércio Túlio Nunes Marcato
Páginas205-222

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A partir da década de setenta, as operações de reorganização social ganharam destaque no mundo dos negócios, entendendo reorganização social como o conjunto de medidas tomadas pelas sociedades intencionando alterar sua condição empresarial, o que pode ocorrer por meio de fusões, cisões e incorporações. O momento histórico vivido à época, com destaque para a bipolarização mundial entre capitalismo e socialismo, fez com que surgissem vários e diversos negócios oriundos de sociedades já existentes que então se incorporaram ou fundiram-se uma às outras, bem como a partir de uma empresa surgia outra.

Essas operações de reorganização societária se intensificaram em razão da procura por uma maior eficiência empresarial, seja quanto a gestão dos negócios, seja quanto aos lucros advindos da ativida-de empresarial.

Vários são os motivos que levam uma sociedade a buscar operação de reorganização societária, como a incorporação, por exemplo. Empresas que têm diversas atua-ções buscam incorporar-se a outras para desenvolvê-las e ampliá-las. Da mesma forma, empresas que possuem conhecida e já consolidada marca no mercado, mas, no entanto não têm como desenvolver os produtos de forma a atender a toda demanda, incorporam-se a outras para melhor desenvolver sua atividade e não permitir ver sua marca cair no ostracismo por falta de produtos no mercado.

A gênese deste processo surgiu após a Revolução Industrial, que desencadeou um processo concentracionista dos meios de produção, processo este que evoluiu acentuadamente, culminando, após um grande processo de transformação, na reorganização societária acima mencionada. Waldirio Bulgarelli assim se manifestou sobre a questão da evolução dos processos de transformação societária:

"Durante a sua marcha histórica, variaram sensivelmente as formas adotadas, não só como decorrência das transformações da economia, sobretudo em relação aos processos de produção e circulação mas, também em grande parte, para subtrair-se às proibições estatais e às dificuldades de ordem fiscal.

"Dos cartéis defensivos, pools, cor-ners, rings, trusts, passou-se ao Kozen, aos consórcios, aos grupos, às holdings, às sociedades de investimento, às joint-ventu-res, sem, é claro, olvidar-se da forma mais radical e a ver de alguns a mais perfeita

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de todas elas, ou seja, a fusão e incorporação, que permaneceram ao lado das demais como uma constante" (Bulgarelli, 1975, p. 9).

Em razão disso, o Estado se posicionou perante esse fenômeno de forma a intervir assegurando tanto a sua lisura quanto a sua preservação para interesse de toda uma coletividade que inevitavelmente poderia se sentir atingida por essas transformações. No mesmo sentido, a intervenção estatal se operou para que o mercado não sofresse por elas ou minimizasse os efeitos advindos do surgimento de uma nova sociedade, mediante a incorporação de duas ou mais empresas.

Todavia, o processo de incorporação societária, quando de sua iniciação no sistema brasileiro, não era abarcado por uma legislação que assegurasse a efetividade de sua aplicação e a obtenção de resultados favoráveis. Em 1971, o Governo publicou o Decreto-lei n. 1.182 que facultou às empresas uma reavaliação dos ativos imobilizados que estivessem acima da cor-reção monetária. O teor do decreto concedeu estímulos às fusões, às incorporações e à abertura de capital de empresas. No entanto, esta política tinha como objetivo efetivar uma concentração monopolísti-ca visando ao desenvolvimento de seto-res prioritários da economia, com o fito de efetuar uma paulatina substituição das importações mediante parcerias entre capital privado, estatais e multinacionais. No setor petroquímico, tal política foi aplicada com certo resultado favorável. Sob este aspecto, Mário Henrique Simonsen expôs a idéia abaixo transcrita com vistas à ideologia econômica concentracionista.

"Nos últimos anos o governo vem procurando criar um novo modelo de grande empresa privada nacional incentivando as fusões e a formação de conglomerados, numa espécie de imitação do modelo japonês. Embora alguns resultados expressivos tenham sido obtidos, restam ainda dois grandes obstáculos: a) por falta de dispositivos protetores na lei de socieda-des anônimas, um bom número de capitalistas se recusa sistematicamente a aceitar as posições minoritárias das empresas. E é claro que pouco se pode esperar em matéria de fusões quando quase todos desejam ser majoritários; b) a maneira mais natural de reunir empresas em um conglomerado consiste em contratá-las através de um hol-ding: acontece que a legislação fiscal brasileira desincentiva claramente a formação de holdings; também, certos dispositivos da legislação bancária desestimulam a integração de instituições financeiras em conglomerados" (Simonsen, 1971, p. 205).

O resultado desta ideologia de concentração foi a publicação da Lei 6.404, em 1976, que regulamentou as sociedades anônimas e tudo que a elas diz respeito. Em obra que comentou a aludida Lei, Modesto Carvalhosa teceu o seguinte comentário:

"Como conseqüência dessa ideologia de concentração empresarial acelerada e induzida, por meio da criação de conglomerados, o governo, pelo Decreto Lei 1.338 de 1974, artigo 23 revogou a carga fiscal para as holdings, isentas que ficaram do desconto do Imposto sobre a Renda na Fonte.

"Com esse específico propósito de concentração, e de desenvolvimento de um mercado de capitais para participação minoritária fundado no investidor individual, o governo formulou em 1976 anteprojeto da Lei das S/A e a criação da Comissão de Valores Mobiliários, de que redundou, com algumas alterações substanciais feitas pelo Congresso Nacional, a Lei n. 6.404, de 1976" (Carvalhosa, 2002, p. 209).

Nos idos da década de noventa a economia global sofreu um vultoso impulso em decorrência da acirrada competição empresarial. Tal situação não foi diferente no plano nacional, o que levou as empresas a explorarem suas atividades de forma a adotar estratégias para se manterem atuantes e firmes diante do novo quadro econômico. Em um mercado extremamente globalizado, a atividade empresarial é

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mais eficaz quando empreendida por empresas de grande porte, daí surge a questão da necessidade de empresas se incorporarem umas às outras. Modesto Carvalhosa assim justifica a necessidade desta transformação:

"Isso se dá por razões tecnológicas e de mercado, tais como a necessidade de capitais elevados para exploração; a presença de significativas economias de escala na produção de bens e serviços essenciais ou de ponta; a indispensabilidade da integração vertical com vistas a assegurar o suprimento de matéria prima em condições vantajosas ou no mínimo razoáveis; a relevância da integração como meio de obter economias nos recursos de especialização entre linhas de produtos; a necessidade de diluir elevados e continuados dispêndios em tecnologia, entre outros fatores" (Carvalhosa, 2002, p. 212).

Dessa forma, facilmente se conclui que o fator determinante para o surgimento da incorporação, como meio de transformação societária, é meramente a conjuntura econômica. O já citado Modesto Carvalhosa, ao lecionar sobre o tema, manifestou o seguinte entendimento:

"A posição dominante advinda da concentração empresarial é fruto direto e imediato da imperfeição estrutural do mercado e do aproveitamento insuficiente da apropriação desse mesmo mercado por parte dos concorrentes. Em conseqüência, e como referido, as empresas concentradas, ao encontrarem-se em posição dominante de mercado, têm, mais do que em qualquer circunstância, uma capacidade decisória que transcende as leis econômicas concorrenciais" (Carvalhosa, 2002, p. 223).

Amador de Almeida Paes, citando Miranda Valverde, teceu o seguinte comentário sobre os motivos determinantes da incorporação.

"Várias são as causas determinantes da fusão ou incorporação. A concorrência entre empresas ou companhias que exploram o mesmo ramo de indústria ou de comercio; o objetivo de possibilitar o monopólio de fato na distribuição ou colocação de certos produtos; a necessidade de absorver as empresas ou companhias que exploram indústrias primárias ou complementares - tais são, entre muitas outras, as causas principais da incorporação ou da fusão de duas ou mais sociedades" (Paes, 2007, p. 68).

Considerando que a concentração empresarial advém muito mais de uma conjuntura econômica do que de outros fatores, surge o direito como meio para manter esta harmonia econômica, sendo que outros fatores que guardam relação com o direito daqueles que são sujeitos do processo de incorporação, ficaram um tanto quanto relevados a segundo plano. Ao tratar sobre o assunto, Modesto Carvalhosa assim le-cionou:

"O ordenamento, ao dispor de instrumentos legais que levam à concentração empresarial, tem como pressuposto não apenas sua legalidade, mas também sua legitimidade no âmbito finalístico de servir ao direito e, assim, aos interesses da sociedade e do homem.

"Essa legitimidade, no entanto, corre sempre o risco de desbordar para o abuso de direito decorrente da concentração de empresarial, como demonstra a existência, a partir dos fins do século XIX, de leis anti-trustes (Lei Shermann e Lei Clayton). Isso porque, inevitavelmente, o grau de concentração empresarial está intimamente ligado ao fenômeno da posição dominante. Não obstante, e como referido, tal concentração em si mesma não é considerada ilícita pela maioria das leis antimonopolistas que se sucederam nos diversos países por mais de um século. Apenas o abuso dessa posição dominante é sancionado, como se pode ver nos standards normativos contidos nos artigos 20 e 21 da Lei 8.884, de 1994. estes, com efeito, tem caráter objetiva (mera conduta) e formal, no sentido de, respectivamente, de configurar-se a antijuridicidade independentemente de culpa e mesmo que

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