Dominação e modernidade regressiva, call centers e trabalho em Portugal

AutorJoão Carlos Louçã
CargoDoutorando em Antropologia na Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Páginas148-169
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2015v22n33p148
DOMINAÇÃO E MODERNIDADE REGRESSIVA CALL
CENTERS E TRABALHO EM PORTUGAL
DOMINATION AND REGRESSIVE MODERNITY CALL
CENTERS AND WORK IN PORTUGAL
João Carlos Louçã*
Resumen: Este artigo aborda o setor dos call centers em Portugal, as suas
formas de organização de trabalho no quadro da precariedade como fenómeno
generalizado. A construção de consensos capazes de garantir processos de
funcionamento em que trabalhadores e trabalhadoras, progressivamente
adquirem estatuto de “colaboradores”, tornando mais frágil o seu vínculo formal
com as entidades empregadoras, é potenciado pela hegemonia do discurso do
mérito individual e da flexibilidade. Por outro lado, a globalização capitalista
assegura uma rede de relações em que a origem do capital se encontra desfocada
por uma realidade em que o trabalhador se encontra a trabalhar através de
empresas intermediárias e onde quem tem o poder real dentro de um call
center não é nunca o empregador. Clientes confundem-se com patrões numa
confusão de papéis que protege o capital e torna o trabalho mais dependente,
retirando-lhe capacidade de luta e transformando o conflito de classes num
jogo de sombras.
Palabras-clave: call center, trabalho, precariedade.
* Doutorando em Antropologia na Universidade Nova de Lisboa – Portugal. E-mail:
149
Revista Esboços, Florianópolis, v. 22, n. 33, p. 148-169, dez. 2015.
Abstract: This article approaches the sector of call centers in Portugal, its forms
of labor oganization in the context of precarity as a generalized phenomena.
The constrution of consensus capable of guaranteeing norms and functioning
processes in which workers progressively acquire statute of “collaborators” -
turning more fragile their formal bond with the employing entities - boosted
by the hegemony of the discurse of individual merit and flexibility. On the
other hand capitalist globalization ensures a network of relations in witch the
origin of capital stands unfocused by a reality in wich the workers are almost
always working through intermediary entities and in subcontrating and where
who detains the real power inside a call center is never the employer. Clients
get muddled with bosses in a confusion of roles that protects the capital and
turn the work more dependant, withdrawing struggle capacity from it and
transforming the classe conflit into a game of shadows.
Keywords: call center, work, precarity.
Sinto que não tenho relação laboral com ninguém. Sinto
que não ninguém a quem eu possa reclamar do meu
trabalho. Vou reclamar com quem? Com uma ETT que
apenas aluga o meu trabalho a outra empresa e depois diz
que a responsabilidade de pagar é da outra empresa? Os
trabalhadores ficam sem saber para onde se hão de virar.
Têm direitos mas não sabem a quem os vão reclamar.
Renato, operador, 32 anos
Garantido constitucionalmente, o direito a um trabalho digno, com
horários estabelecidos, férias pagas e descontos para a Segurança Social é
uma construção recente e que resultou de um processo fundamental para a
modernização de Portugal. A regulação do Estado sobre as leis do mercado,
estabelece um conjunto de direitos associados aos contratos de trabalho e os
procedimentos para a sua negociação entre parceiros sociais.
O mercado livre da compra e venda de mão-de-obra, da angariação da
força de trabalho necessária para a realização da acumulação de capital, conhece
os limites impostos pela sociedade a cada momento. Limites que podem ser
considerados fundamentais para a dignidade humana e para a valorização
do trabalho como elemento de desenvolvimento pessoal, potencialmente
emancipador e condição de partida para a realização da justiça social. A
deslocação destes limites em economias que competem globalmente, entre
países e regiões com histórias muito diferentes, ameaça direitos conquistados
e a própria realidade do trabalho enquanto fator de equilíbrio e coesão social.
O mercado volta a ganhar espaço, nos seus significados próximos de formas
de abstração, que tudo justificam e que tudo condicionam.
Exemplo emblemático dessas formas de trabalho que aproxima
Portugal dos países do Sul, onde a construção de direitos associados ao

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