Da crítica da dogmática jurídica à hermenêutica constitucional: reflexões sobre a (in)eficácia das normas de proteção do meio ambiente saudável

AutorWilson Levy
CargoMestrando em Filosofi a e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Páginas341-370
Da crítica da dogmática jurídica à hermenêutica
constitucional: reflexões sobre a (in)eficácia das
normas de proteção do meio ambiente saudável
Wilson Levy1
Há letra que mata e letra que vivifica ou até ressuscita. O Direito
é, infelizmente, em muitos casos, simples letra morta, e a Justiça
ainda mais, quando não se volve mesmo em letra que mata. Pelo
rigorismo ou pelo laxismo, pela burocracia ou pela tortuosidade.
(A constituição viva: cidadania e direitos humanos,
Paulo Ferreira Cunha).
Resumo: O presente artigo pretende discutir
a questão da ineficácia da proteção do meio
ambiente saudável a partir da crítica da dogmática
jurídica e da hermenêutica constitucional.
Objetiva-se, com isso, verificar em que medida a
moderna hermenêutica constitucional pode, através
da consolidação de nova perspectiva e inserida
num novo protagonismo do Poder Judiciário,
contribuir para a superação do paradigma liberal-
individualista-normativista que impera na prática
jurídica brasileira e para contornar os problemas
decorrentes da crise da dogmática jurídica na
contemporaneidade.
Palavras-chave: Crítica da dogmática jurídica.
Hermenêutica. Constituição. Meio ambiente.
Direitos fundamentais.
Abstract: This article discusses the issue
of ineffectiveness of protecting the healthy
environment from the critique of dogmatic
legal and constitutional hermeneutics. The
objective is, thus, to determine the extent to
which modern constitutional hermeneutics
can, through the consolidation of new
perspective and inserted into a new role of
the judiciary, to help overcoming the liberal-
individualist normative-paradigm practice
that prevails in the Brazilian legal reality and
to circumvent problems arising from the crisis
in contemporary legal dogmatics.
Keywords: Criticism of dogmatic of law.
Hermeneutics. Constitution. Environment.
Fundamental rights.
1 Mestrando em Filosof‌i a e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP,
vinculado ao grupo de pesquisa Democracia, Justiça e Direitos Humanos – Estudos de
Teoria Crítica, e da Associação Nacional de Direitos Humanos. Assistente Jurídico do
Des. Renato Nalini, do TJ-SP. E-mail: wilsonlevy@gmail.com.
Da crítica da dogmática jurídica à hermenêutica constitucional: reflexões sobre a (in)eficácia das normas de proteção do meio
ambiente saudável
342 Seqüência, no 60, p. 341-370, jul. 2010.
Introdução
Discutir a problemática da eficácia das normas protetoras do
meio ambiente a partir de seu reconhecimento como componente
constitucionalmente garantido da dignidade humana e, por correlato, dos
Direitos Fundamentais, é de certa forma, lançar luz sobre um dos temas
mais emergentes do mundo globalizado contemporâneo. Emergente, pois,
ao não encontrar limites, a velocidade do contexto industrial pós-moderno,
potencializada por uma cultura individualista e consumista,2 toma de
assalto os recursos naturais e os dizima em período desproporcionalmente
menor do que o tempo levado para que a natureza os recomponha. Com
isso, não poupa nem mesmo aquele que é considerado um bem essencial
à existência saudável: o meio ambiente.
Em terrae brasilis, o cenário não é menos desanimador: O quarto
maior poluidor do mundo, se contabilizadas as emissões de gases
provocadas pelas queimadas, o país vê suas florestas, consideradas
as maiores reservas de biodiversidade do mundo, serem devastadas
em volume calculado em “campos de futebol”. Enquanto isso, padece
do mesmo mal dos países em desenvolvimento que crescem sem
planejamento, com a explosão de megalópoles industrializadas, carentes
de saneamento básico e contumazes devastadoras de rios e da atmosfera,
em que a poluição do ar representa, segundo estudos,3 cerca de dois anos
a menos na expectativa de vida das pessoas.
2 Importante ref‌l exão sobre o assunto, que não será aprofundado neste artigo, pode ser
encontrada na vasta produção do sociólogo francês Gilles Lipovetsky, da Universidade de
Grenoblè, da qual se extrai textos, como A Era do Vazio – Ensaios sobre o Individualismo
(publicado pela Editora Manole em 2006) e O Luxo Eterno (publicado pela Editora
Companhia das Letras em 2004). A obra de Eduardo C. B. Bittar, em especial sua tese
de livre-docência, O Direito na Pós-Modernidade (2. ed., revista, atualizada e ampliada,
publicada pela editora Forense Universitária em 2009) também é reveladora deste
momento histórico, que se convencionou chamar “pós-modernidade”, em especial nas
suas inter-relações com o Direito.
3 A notícia, de 2002, é antiga: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG50233-
6010,00-POLUICAO+DO+AR+PODE+TIRAR+ATE+DOIS+ANOS+DE+VIDA+DO
+PAULISTANO.html. Acesso em: 12.10.2009. O sucessivo incremento da quantidade de
poluentes lançados pelo país na atmosfera pode signif‌i car ainda menos anos de vida.

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