Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

AutorAbrantes Geraldes
Páginas273-290

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 201/06.8TBFAL.E1.S1

Nº Convencional: 2a. SECÇÃO

Relator: ABRANTES GERALDES Descritores: AUTO-ESTRADA ANIMAL

RESPONSABILIDADE CIVIL PRESUNÇÃO DE INCUMPRIMENTO OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA

Data do Acórdão: 14-03-2013

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual:REVISTA

Decisão: NEGADA A REVISTA

Área Temática:

DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.

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DIREITO RODOVIÁRIO - AUTO-ESTRADAS CONCESSIONADAS. Doutrina:

- Américo Marcelino, Acidentes de Viação, 11a. ed., p. 152.

- Armando Triunfante, "Responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas", em Direito e Justiça, vol. XV, tomo I, pp. 97, 100.

- Carneiro da Frada, "Responsabilidade por acidentes em auto-estradas", na ROA, 65º, tomo II, p. 432.

- Menezes Cordeiro, ROA, ano 65º, págs. 134 e segs.,

- Rui Ataíde, Acidente em auto-estradas: natureza e regime jurídico da responsabilidade dos concessionários, em Estudos em Homenagem ao Prof. Carlos Ferreira de Almeida, vol. II, p. 157 e segs..

- Sinde Monteiro, na RLJ, 131º, p. 41 e segs.; na RLJ, 132º, p. 31 e segs.; e na 133º, p. 37 e segs..

- Urbano Dias, "Da Responsabilidade civil das concessionárias de auto-estradas em acidentes de viação", na Revista do CEJ, nº 6, p. 21 e segs..

Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 13º, Nº1, 487º, 493º, Nº1, 799º, Nº1. CÓDIGO DA ESTRADA: - ARTIGO 1º, AL. C).

CONTRATO DE CONCESSÃO, ANEXO AO DEC. LEI Nº 294/07, DE 24-10 (BASE XXII, BASE XXXVI, BASE XXXVII).

CONTRATOS APROVADOS PELO DL Nº 335-A/99, DE 28-9 (BASE XLIX, Nº 2), DL Nº 142-A/01, DE 20-4 (BASE LI, Nº 2), DL Nº 87-A/00, DE 13-5 (BASE LI, Nº 2) OU DL Nº 323-G/00, DE 19-12).

DL Nº 222/98, DE 17-1: - ARTIGOS 5º, AL. C).

LEI Nº 24/07, DE 18-7: - ARTIGO 12º. PORTARIA Nº 679/09, DE 25-6. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 21-3-12; DE 15-11-11; DE 8-2-11; DE 2-11-10; DE 4-5-10; DE 1-10-09; DE 9-9-08; DE 16-9-08; DE 13-11-07; DE 14-10-07; EXTRAÍDOS DE WWW.DGSI.PT E DA COL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

- DE 2-2-06 (CJSTJ, TOMO I, PÁG. 56); DE 22-6-04 (TAMBÉM EM CJSTJ, VOL. II, PÁG. 96); DE 25-3-04; DE 20-5-03.

- DE 2-11-08, CJSTJ, TOMO III, PÁG. 108; DE 1-10-09 E DE 13-11-07, EM WWW.DGSI.PT.

Sumário:

  1. Artigo 12 da Lei 24/2007 de 18 de Julho, ao deinir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.

  2. Provado que o despiste de um veículo automóvel foi determinado pelo facto de na faixa de rodagem se encontrar um pato de que o condutor se pretendeu desviar, a concessionária da auto-estrada é responsável pelos danos decorrentes do acidente, salvo se elidir a presunção de incumprimento de obrigações de segurança.

  3. Recaindo sobre a concessionária de auto-estrada uma obrigação reforçada de meios, a elisão da referida presunção, relativamente à entrada ou permanência de animais na faixa de rodagem, não se

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    basta com a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e de que não foi detectada ou comunicada a presença do animal.

    A.G.

    Decisão Texto Integral:

    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, menor, representada pela sua tutora, BB, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra

    CC - AUTO-ESTRADAS de PORTUGAL, S. A.

    e

    COMPANHIA de SEGUROS DD, S.A. formulando os seguintes pedidos:

    - Condenação da R. CC a pagar a quantia de € 1.188.951,40, a título de danos patrimoniais e morais, com juros legais desde a citação até pagamento, caso seja considerada culpada pelo acidente (ou solidariamente com a Companhia de Seguros que vier a ser chamada);

    - Condenação da R. DD, a pagar a quantia de € 584.638,47, a título de danos patrimoniais, morais e lucros cessantes, com juros legais desde a citação até pagamento, caso o segurado seja considerado culpado ou, caso assim não se entenda, a indemnizar a A. pela responsabilidade pelo risco ao abrigo do disposto no art. 508º do CC.

    Para o efeito alegou que no dia 9-8-03, cerca das 10.05 h, na AE-2, um veículo ligeiro circulava no sentido Sul/Norte, a uma velocidade de cerca de 90/100 km/h, conduzido pelo pai da A. e no qual ela própria, sua mãe e sua irmã seguiam como passageiras.

    O condutor do veículo foi surpreendido pela presença de um pato bravo de grande porte, vivo e ferido, na via do lado esquerdo, por onde circulava. Para evitar embater no animal, desviou-se para a direita, não conseguindo, porém, segurar a viatura, apesar de ter travado.

    Em consequência, o veículo saiu da sua faixa de rodagem, passou a vala central e foi embater num outro veículo pesado de mercadorias que seguia em sentido contrário, causando a morte de ambos os pais e da irmã da A.

    A responsabilidade da CC pelos danos decorrentes do acidente decorre de duas circunstâncias: não ter evitado, detectado e removido o animal que esteve na origem do acidente e não ter construído rails de protecção junto à vala central, o que possibilitou a saída do QN para a faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Norte/Sul.

    Na hipótese de se entender que a culpa pela produção do acidente não é da CC mas do condutor do QN, a R. DD é a responsável pelo ressarcimento dos danos causados, nos termos do contrato de seguro entre ambos celebrado.

    A R. CC contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, alegando que não teve conhecimento da existência de qualquer pato bravo na faixa de rodagem aquando do despiste do veículo. O acidente ocorreu devido a sonolência do condutor, não havendo qualquer nexo de causalidade entre a inexistência de rails no separador central da auto-estrada e os danos sofridos.

    Cumpriu os seus deveres de vigilância e de manutenção da auto-estrada decorrentes do contrato de concessão.

    A R. DD contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido concordando com a descrição do acidente feita pela A.

    O acidente foi consequência da existência de um pato bravo, vivo, na faixa de rodagem, e da inexistência de rails de protecção entre as duas faixas de rodagem, e não de negligência do condutor do QN.

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    Mais refere que as quantias exigidas pela A. a título de indemnização são excessivas. A R. CC deduziu o incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros EE, S.A., com quem celebrara um contrato de seguro, a qual veio contestar, pugnando pela absolvição do pedido.

    Foi realizada a audiência de julgamento e proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu:

    - Condenar a CC a pagar a quantia de € 377.305,90, com juros de mora, desde a citação até integral pagamento;

    - Condenar a EE a pagar a quantia de € 376.557,70, com juros de mora, desde a citação até integral pagamento, sendo a responsabilidade de ambas solidária até ao limite de € 376.557,70, a partir do qual apenas a 1a. R. é responsável;

    - Julgar totalmente improcedente o pedido deduzido contra a DD.

    Apelaram as RR. CC e EE, mas a sentença foi conirmada

    A R. EE interpôs recurso de revista em que concluiu:

    1. A segurada da recorrente não tinha qualquer hipótese de evitar a eventual presença de um pato vivo na via, nem estava obrigada a colocar rails de separação entre as faixas da auto-estrada;

    2. A culpa pertenceu ao condutor do ligeiro e a responsabilidade pelos danos deve ser imputada à co-Ré DD;

    3. A imputação da culpa na produção do acidente à co-Ré CC e a consequente responsabilização da sua seguradora resulta de um laborioso esforço do tribunal a quo;

    4. Consequentemente, a A. devia ser indemnizada pela co-Ré DD para quem se encontrava transferida a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente de viação;

    5. Entrar numa auto-estrada não é o mesmo que entrar no espaço sideral onde a hipótese de encontrar obstáculos é diminuta, ao contrário do que parece pensarem muitos condutores que as utilizam;

    6. Apesar de se circular numa auto-estrada, os condutores não estão desobrigados de cumprir regras de circulação estradal, nomeadamente a adequação da velocidade às circunstâncias de tempo, da via, do veículo e de si próprios;

    7. Quanto à inexistência de rails de separação, não estava a CC obrigada a colocá-los;

    8. A CC não pode ser responsabilizada porque o "Estado-Administração" não terá cumprido com as normas jurídicas a que está adstrito e por ter considerado que a auto-estrada cumpria as exigências legais pode ser o entendimento do tribunal a quo, não se podendo condenar a concessionária por culpa do concedente, sendo que o concedente não foi demandado;

    9. A decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 24º do CE, 483°, 503° e 570° do CC e art. 660°, n° 2, do CPC.

    A R. CC também recorreu, concluindo que:

    1. As obrigações de segurança e a circulação em boas condições de segurança não são a mesma coisa; aquelas, realizadas através da vigilância, são o meio de realização desta. É sempre admitida a prova do cumprimento das obrigações de segurança quando a circulação em boas condições de segurança não está assegurada. Em caso de força maior não há presunção de incumprimento.

    2. A CC está obrigada a assegurar permanentemente a circulação em boas condições de segurança, obrigação que realiza através do cumprimento das obrigações de

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      segurança que consistem em assegurar a vigilância das condições de segurança.

    3. A Lei n° 24/07 ou não pode alterar o contrato ou, se pode, alterou a Base XXXVI, n° 2, e hoje a CC, face à presença objectiva de uma animal ou obstáculo, não carece, para se isentar, de provar caso de força maior. Isentar-se-á se provar que cumpriu as obrigações de segurança.

    4. É fora de qualquer sentido dizerse que, uma vez que lá está o animal ou objecto, a CC, só por isso, não...

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