A distribuição de riscos em concessões florestais: uma análise econômico-jurídica dos riscos decorrentes do inventário florestal amostral

AutorPedro Henrique dos Reis Silva
Páginas201-252
RESUMO
A Lei 11.284/2006 é um importante marco legal da atividade de gestão orestal
do Brasil. O manejo orestal sustentável de orestas públicas, até então exerci-
do exclusivamente pelo Estado, passou a ser passível de concessão com o ad-
vento dessa Lei. A chamada “concessão orestal” se insere, portanto, na nova
orientação político-econômica brasileira de “desestatização”, privilegiando o
princípio da eciência. Como resultado, a atividade de exploração sustentável
de produtos orestais passa a ser transferida pelo Estado, por intermédio do
Serviço Florestal Brasileiro, à iniciativa privada.
Para o sucesso de uma concessão orestal, os licitantes interessados pre-
cisam de uma estimativa da capacidade produtiva da “Unidade de Manejo Flo-
restal”. O estudo disponibilizado pelo Serviço Florestal Brasileiro para fazer
essa estimativa é o inventário orestal que, resumidamente, tem a importante
missão de antecipar às características vegetais de área que será objeto da con-
cessão. E os resultados desse estudo são a principal fonte de informação para
que o licitante calcule o valor que irá ofertar ao Poder Concedente.
Ocorre que, por questões técnico-metodológicas que fogem ao conhe-
cimento jurídico, os estudos de inventário orestal estão sujeitos a erros de
grande escala, retratando, de maneira ilusória, a realidade da vegetação que
compõe área que será concedida. Isto é um risco intrínseco à atividade de
exploração sustentável de produtos orestais. Diante desse contexto, cabe-
ria ao Serviço Florestal Brasileiro administrar o risco do inventário orestal da
maneira mais eciente possível. Entretanto, não é isso que vem ocorrendo nos
contratos de concessão orestal.
Sobre a distribuição de riscos em contratos de concessão, a doutrina es-
pecializada no tema oferece critérios que, quando seguidos, possibilitam uma
alocação dos riscos peculiares a cada atividade à parte que melhor tem condi-
ções de geri-los. Esses critérios aumentam a eciência da concessão. Contudo,
os contratos de concessão orestal até hoje celebrados não vêm consideran-
do esses importantes critérios para uma eciente distribuição de riscos. Como
A DISTRIBUIÇÃO DE RISCOS EM CONCESSÕES FLORESTAIS :
UMA ANÁLISE ECONÔMICO-JURÍDICA DOS RISCOS
DECORRENTES DO INVENTÁRIO FLORESTAL AMOSTRAL
Pedro henrique dos reis silva
202 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2015
consequência, o risco do inventário orestal é, igualmente a outros inúmeros
riscos, negligenciado por esses contratos, aumentando-se a ineciência dos
contratos de concessão.
Diante desse panorama, os licitantes interessados na concessão adotam
duas posturas distintas, ambas igualmente rejeitáveis: a postura do Licitante
Conservador e a postura do Licitante Irresponsável. Esses pers de licitantes
geram, respectivamente, ineciência à concessão e, eventualmente, inviabilida-
de da concessão. Como resposta a isso — que é exatamente o “problema” que
pretendo resolver —, proponho uma solução para melhor administrar o risco do
inventário orestal.
Essa solução, inspirada em uma ideia utilizada na minuta do contrato de
concessão da Linha 4 do Metrô de São Paulo, e baseando-se nos critérios ofe-
recidos pela doutrina para uma distribuição eciente dos riscos, propõe algo
novo: a m de tornar a os contratos de concessão orestal mais ecientes,
sugere-se que o risco do inventário orestal deve ser alocado na Administração
Pública, e, caso o evento indesejável efetivamente ocorra (erro do inventário
orestal), deve-se, por meio do reequilíbrio econômico-nanceiro do contrato,
ajustar o valor a ser pago pelo concessionário ao Poder Concedente. Como
consequência dessa previsão contratual, as propostas dos licitantes serão mais
ecientes, permitindo-se alcançar o objetivo primordial da Lei 11.284/2006: au-
mento da eciência da exploração orestal sustentável e preservação do meio
ambiente e dos recursos orestais.
Palavras-chave
Concessão orestal. Distribuição de riscos. Risco do inventário orestal. Servi-
ço Florestal Brasileiro. Má administração dos riscos. Licitante Conservador. Li-
citante Irresponsável. Critérios para alocação de riscos. Aumento de eciência.
Compartilhamento do risco do inventário.
I. Introdução
A partir dos anos 90 o Estado Brasileiro iniciou um processo que deu novos
rumos à economia nacional. Como resposta à crise econômica vivida no país na
década de 80 adotou-se como diretriz para o Estado Brasileiro a implementa-
ção de uma política de desestatização. A partir de então, o objetivo primordial
do governo era a redução do papel do Estado na economia.
Com essa nova orientação política, agentes privados passariam a desem-
penhar atividades que antes eram exercidas eminentemente pelo Estado, como
os serviços públicos. Esperava-se, com isso, um enxugamento dos gastos esta-
tais — muitas vezes vistos como desnecessários — e o aumento da eciência na
prestação de determinados serviços, agora prestados pela iniciativa privada. E,
A DISTRIBUIÇÃO DE RISCOS EM CONCESSÕES FLORESTAIS 203
no caso dos serviços públicos, o instrumento jurídico responsável pela trans-
ferência da prestação de uma atividade de titularidade do Estado à iniciativa
privada é a concessão, instituída e regulada pela Lei 8.9871995.
O objetivo da concessão simples pode ser visto sob dois
aspectos — um mediato e um imediato. Mediatamente signica
a vontade administrativa de gerir, de forma descentralizada, de-
terminado serviço público, calcada na necessidade de agilizar a
atividade, de conferir maior celeridade na execução e de melhor
atender os indivíduos que a solicitam.103 (grifou-se)
O trecho acima transmite a clara noção de eciência, que a partir de 1998104
passou a nortear a atuação da Administração Pública. Sobre esse princípio,
Carvalho Filho entende que “[o] núcleo do princípio é a procura de produtivi-
dade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os
desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públi-
cos com presteza, perfeição e rendimento funcional”105.
Diante desse novo paradigma político, o ordenamento jurídico brasileiro pre-
senciou inúmeras inovações pautadas, via de regra, no estreitamento da relação
entre Estado e iniciativa privada. E, nesse embalo, foi editada a Lei 11.284/2006,
que, conforme seu preâmbulo, “dispõe sobre a gestão de orestas públicas para
a produção sustentável”. E, como um dos instrumentos para essa gestão, a re-
ferida lei prevê a “concessão orestal”, que nada mais é do que a transferência,
pelo Estado, à iniciativa privada, da do direito de realizar gestão orestal106.
Entendido o panorama histórico acima retratado, me dedicarei, no presen-
te trabalho, a analisar um aspecto pontual dos contratos de concessão orestal
que vêm sendo celebrados pelo Estado, por intermédio do Serviço Florestal
Brasileiro (“SFB”). Esse aspecto diz respeito a um risco especíco da atividade
de gestão orestal que, conforme demonstrarei, não vem sendo administrado
103 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 26ª edição, revista,
ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 371.
104A Emenda Constitucional nº 19, de4-6-98, inseriu o princípio da eciência entre os prin-
cípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.”. DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª edição, São Paulo: Atlas, 2014, p. 84.
105 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo, Jus Podviemi, 2005, p.41 apud FILHO, José
dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 26ª edição, revista, ampliada e
atualizada. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 30.
106 Art. 3º. Para os ns do disposto nesta Lei, consideram-se:
(...)
VII - concessão orestal: delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de
praticar manejo orestal sustentável para exploração de produtos e serviços numa unidade
de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exi-
gências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho,
por sua conta e risco e por prazo determinado;

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