A distribuição dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho

AutorTales Ricardo Migliorini Tavares Pereira
CargoEspecialista em Direito e Processo do Trabalho pela Amatra da 12a Região e em Processo Civil pela Universidade Anhanguera. Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas152-178

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1. Introdução

O presente artigo tem como objeto a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova na esfera do Processo do Trabalho. Seu objetivo envolve traçar argumentos de ordem lógica e amparo normativo para capacitar a aplicação da técnica pelos magistrados trabalhistas.

Para tanto, divide-se em oito itens. No primeiro - 2.1 - aborda-se o conceito de prova no processo civil - característicos de demonstração e repercussões processuais.

No segundo - 2.2 - estuda-se a prova no processo do trabalho, traçando pontos de semelhança entre a normativa civil e trabalhista.

O item 3.1 contempla o ônus da prova, tecendo considerações acerca de suas aplicações no âmbito processual.

No item 3.2, expõe-se a Teoria da Distribuição Estática do Ônus da Prova; e no item 3.3, disserta-se a respeito de suas inconsistências prático-jurídicas, com enfoque primário na prova diabólica.

Na sequência, abordam-se alternativas para o modelo estático, como a inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor - item 4.1 - e no processo trabalhista - item 4.2.

Ao final, no item 4.3, apresenta-se a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, vinculando-a, conjuntamente, ao novo Código de Processo Civil e à esfera do processo do trabalho.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos da obra.

2. Prova
2.1. Conceito de prova no processo civil

2.1.1. Prova, meios de prova e conteúdo da prova

O resultado do processo está diretamente relacionado à produção de provas pelas partes. O terreno fático e sua comprovação nos autos, os meios adequados para o alicerce de uma evidência sólida, e as presunções decorrentes da não coni rmação daquilo que se alega, todos são aspectos derivados da teoria da prova e, por conseguinte, do próprio conceito de prova

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trabalhado nos diversos ramos do direito - do processo civil ao processo do trabalho.

Dito isso, faz-se necessário, primeiramente, a distinção do conceito de prova em dois principais eixos: meios de prova e conteúdo da prova. Cite-se a lição de Wambier:

Meios de prova são as diversas modalidades pelas quais a constatação sobre a ocorrência ou inocorrência dos fatos chega até o juiz. Podem ser diretos (inspeção judicial, fatos notórios) ou indiretos (documentos, testemunhas). Conteúdo da prova é o resultado que o meio produz, ou seja, o convencimento que o juiz passa a ter da ocorrência ou inocorrência dos fatos, porque a ele foram levados (e revelados) por determinado meio de prova.1

A distinção é também elucidada por h eodoro Jr., que reconhece a prova em sentido objetivo e subjetivo. O primeiro é o "instrumento ou o meio hábil para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia, etc.)". O segundo, por sua vez, corresponde à "certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como a convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado"2.

Para Didier Jr., existe uma terceira acepção do vocábulo prova. "Às vezes, é utilizado para designar o ato de provar, é dizer, a atividade probatória; é nesse sentido que se diz que àquele que alega um fato cabe fazer prova dele, isto é, cabe fornecer os meios que demonstrem a sua alegação."3

Isso posto, delimitadas as principais acepções do conceito de prova e examinados os alicerces de cada dei nição, possível extrair seis fatores que merecem especial atenção: a) a demonstração dos fatos; b) a alegação sobre fatos (objeto da prova); c) a existência de um processo judicial instaurado; d) a verdade real e a verdade formal; e) a atribuição de um ônus probatório a cada parte e; f) a procedência ou improcedência da ação.

2.1.2. Demonstração

Toda prova é, por evidente, uma demonstração. Seja extraída por meio de um documento, testemunho ou depoimento, a prova representa uma conexão, uma ponte, entre os acontecimentos do mundo real e a realidade construída pelo processo na coni guração do caso concreto. De acordo com o entendimento de Marinoni, a "dei nição de prova vem ligada à ideia de reconstrução (pesquisa) de um fato que é demonstrado ao magistrado, capacitando-o a ter ‘certeza’ sobre os eventos ocorridos e permitindo-lhe exercer sua função"4.

Didier Jr. acrescenta que "esta parece ser, efetivamente, a finalidade da prova: permitir a formação da convicção quanto à existência dos fatos da causa"5.

Trata-se, indubitavelmente, de um procedimento de simplificação, pelo qual são ceifados pequenos fatos do imenso universo de informações do mundo real e então solidii cados, dentro do processo, como verdades ou presunções de verdades. Em outras palavras, são "meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verii cação de um fato jurídico"6.

2.1.3. Alegações sobre fatos e objeto da prova

A primeira observação a ser feita neste tópico é excludente: o direito não adentra no

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âmbito probatório. Conforme explicado por Wambier, "Devem-se provar os fatos, não o direito. Pela máxima jura novit curia (‘o tribunal conhece os direitos’), tem-se que o direito alegado não é objeto da prova, mas apenas os fatos, ou seja, aquilo que ocorreu no mundo"7.

Todavia, não é de todo fato que se faz necessária a sua prova, mas apenas daqueles poucos previamente ai rmados como verdadeiros e dos quais poderão decorrer direitos e obrigações relevantes para as partes em litígio.

Para Bueno, por exemplo, "o objeto da prova recai sobre fatos cuja existência devidamente reconhecida pelo juiz darão ensejo ao acolhimento ou à rejeição do(s) pedidos(s) de tutela jurisdicional"8.

Mais especificamente, ainda, poderia se ai rmar que a prova não tem o propósito de provar fatos, mas as ai rmações sobre os fatos. Para Dinamarco, "O fato existe ou inexiste, aconteceu ou não aconteceu, sendo, portanto insuscetível dessas adjetivações ou qualii -cações. As alegações, sim, é que podem ser verazes ou mentirosas - e daí a pertinência de prová-las [...]"9.

Os objetos da prova - sejam fatos ou alegações de fatos - distinguem-se no processo, tornando-se úteis à cognição judicial, por se apresentarem como relevantes, determinados e controvertidos. Explique-se.

Conforme h eodoro Jr., apenas os "fatos relevantes para a solução da lide devem ser provados, não os impertinentes e inconsequentes. Assim, compete ao juiz fixar, em audiência, os fatos a serem provados [...]"10.

De acordo com Didier Jr., o fato também deve ser determinado. "O fato deve ser identificado no tempo e no espaço. Dessa regra resulta que o fato indeterminado, ou indei nido, é insuscetível de prova."11

Na expressão de Nery Jr., ainda, o fato probando se caracteriza por ser controvertido: aquele "fato ai rmado por uma parte e contestado especii camente pela outra, vale dizer, não apenas não admitido, mas também negado"12.

São esses os fatos que precisam ser demons-trados e que, estabelecidos com o aspecto de veracidade, tem o condão de constituir a mencionada ponte entre o mundo real e a descrição do caso concreto nos autos processuais.

Isso posto, verificados os fatores da demonstração e das alegações sobre fatos (objeto da prova), torna-se, agora, ao âmbito em que ambas as características se encontram: o processo judicial.

2.1.4. Instauração do processo judicial e destinatário da prova

O fator em destaque enfatiza, em primeiro lugar, a formalidade do procedimento. A produção de prova obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa, estará limitada em sua forma aos meios cabíveis e legalmente aplicáveis, e obedecerá à normativa no tocante à responsabilidade das partes, ônus processuais, prazos, e exceções legais.

Estando adstrita a um processo judicial, a produção de prova se submete ao instituto da preclusão, havendo momento próprio para a sua constituição. Integrando-se ao um sistema jurídico isonômico, os fatos controvertidos poderão ser rebatidos em contraditório. Sendo a prova um instituto jurídico, previsto em lei, não se admitirão provas ilícitas ou moralmente ilegítimas. A afronta a quaisquer desses preceitos compromete a formalidade

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do procedimento e, por consequência, pode incapacitar a produção de prova.

Em segundo lugar, ressalta-se que a existência de um processo judicial traz à tona o verdadeiro destinatário da prova: o magistrado.

De acordo com Gonçalves, a prova tem como primeira finalidade o convencimento do juiz sobre os fatos controvertidos: "Ele é o destinatário da prova. Por isso, sua participação na fase instrutória não deve ficar relegada a um segundo plano [...]: cumpre a ele decidir quais as necessárias ou úteis para esclarecer os fatos obscuros."13

Nesse sentido, serve a prova à formação do convencimento do juiz. Cite-se Bueno:

O tema, contudo, não se refere a provar qualquer fato, mas, apenas e tão somente, os fatos que, direta ou indiretamente, relacionem-se com aquilo que o juiz precisa estar convencido para julgar. Objeto de prova, portanto, são os fatos relevantes e os pertinentes para aquilo que deve ser enfrentado pelo juiz, seja no plano processual [...] ou no plano material [...].14

Por fim, há que se aludir aos destinatários indiretos da prova: as partes. "Embora o juiz seja o destinatário principal e direto, consideram-se as partes os destinatários indiretos, pois...

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