Dissídio Coletivo

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2980-3000

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Seção I - Conceito

Os conflitos de interesses, derivantes das relações de trabalho, podem ser individuais ou coletivos.

O que define a natureza de um e de outro não é, necessariamente, a quantidade dos titulares desses interesses em conflito. Um litisconsórcio ativo, por exemplo, não deixa de estar compreendido na classe dos dissídios individuais, mesmo que os autores somem dezenas ou centenas.

Os dissídios individuais se caracterizam por dois aspectos: em primeiro lugar, os titulares dos direitos ou interesses são individualizáveis; em segundo, o conflito será solucionado mediante a aplicação, ao caso concreto da norma legal. Os conflitos ditos coletivos, por sua parte, se tipificam, primeiramente, por não haver uma individualização dos titulares dos interesses a serem defendidos em juízo, pois o sindicato, neste caso, atua em nome de toda a categoria por ele representada, sem que haja necessidade de serem identificados, no processo coletivo, esses titulares; segundamente, porque a atividade que o Tribunal do Trabalho desenvolverá não consistirá na aplicação da norma legal preexistente, e sim, na criação de normas materiais destinadas a reger as relações das categorias econômica e profissional, durante certo tempo.

É, portanto, em sede de dissídio coletivo que os Tribunais do Trabalho exercem a denominada jurisdição normativa.

Seção II - Classificação

A doutrina, tradicionalmente, vem classificando os dissídios coletivos em: a) econômicos; b) jurídicos. Dizem-se econômicos, porque as pretensões deduzidas em juízo, de modo geral, se vinculam a um bem ou a uma utilidade da vida. Essas pretensões dizem respeito a obrigações de dar (pagar quantia), fazer, não fazer ou emitir declaração de vontade. Os dissídios de natureza jurídica são assim designados por se destinarem a obter uma interpretação jurisdicional de lei, de ato normativo ou de cláusula de acordo ou de convenção coletiva de trabalho. Não se tem admitido, todavia, esse tipo de dissídio para efeito de conseguir interpretação de norma jurídica de caráter genérico (TST, SDC, OJ n. 7).

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Alguns autores costumam denominar os dissídios coletivos de natureza econômica como sendo “de interesses”. A expressão, entrementes, é inadequada. Em rigor, o que se tem chamado de “dissídio coletivo” - seja econômico ou jurídico - é, na verdade, ação coletiva, embora sui generis. Sendo assim, uma das condições para o regular exercício dessa ação é o interesse (CPC, art. 3.°). Conseguintemente, tanto no dissídio coletivo econômico quanto no jurídico o elemento comum é o interesse que a parte legitimada possui em invocar a tutela jurisdicional do Estado. Falar-se, pois, em dissídio coletivo de interesse é render absurda homenagem às construções pleonásticas, pois, ausente o interesse, nenhuma ação, mesmo coletiva, poderá prosperar. O processo será extinto, sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI).

Seção III - A matéria na Constituição Federal

Dispõe o art. 114 da Constituição Federal, naquilo que interessa a este Capítulo, competir à Justiça do Trabalho processar e julgar:

§ 2.º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3.º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

1. Introdução

O § 1.º desta norma da Constituição - inalterado pela EC n. 45/2004 - estabelece: “Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”. Foram extremamente raros, todavia, os casos em que as categorias profissional e econômica submeteram a solução dos conflitos coletivos à arbitragem (Lei n. 9.307/96). Por mais críticas que possa ter sofrido a Justiça do Trabalho, ao longo de sua existência, é nela em que as partes confiam. Por isso, a arbitragem não vingou no âmbito dos conflitos coletivos. No caso de negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa, havendo impasse, as partes também poderão valer-se da arbitragem (Lei n. 10.101, de 19-12-2000, art. 4.º, II, §§ 1.º a 4.º). O Ministério Público do Trabalho também pode funcionar como árbitro, em sede de dissídio coletivo, desde que haja provocação das partes interessadas (Lei Complementar n. 75/93, art. 83, XI).

Antes da arbitragem, pode haver mediação, seja privada ou pública. Quanto a esta última, dispõe o § 1º do art. 616 da CLT: “Verificando-se a recusa à negociação coletiva, cabe aos Sindicatos ou empresas interessadas dar ciência do fato, conforme o caso, ao Departamento Nacional do Trabalho (leia-se: Secretaria de Emprego e Salário) ou aos órgãos regionais do Ministério do Trabalho, para convocação compulsória dos Sindicatos ou empresas recalcitrantes”.

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2. Comum acordo (§ 2 º)

Ao dispor que as partes somente poderão ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica “de comum acordo”, o texto constitucional nos coloca diante de, quando menos, três situações algo surrealistas e de uma inconstitucionalidade. Demonstremos.

2.1. Surrealismos

Em primeiro lugar, a expressão “comum acordo” (assim como “acordo mútuo”) ainda que esteja no gosto geral, traduz injustificável pleonasmo vicioso, pois não se conhece acordo (comunhão de vontades) que não seja “comum”; acordo de um só, ou acordo contra a vontade da outra parte pode significar qualquer outra coisa, exceto convergência de manifestações volitivas, repositório de vontades comuns. Se o legislador houvesse referido, apenas, ao substantivo acordo, não só se teria feito entender, como prestado homenagem à acribologia (e não, à acirologia).

Em segundo lugar, o dissídio coletivo nada mais é do que o conflito de interesses que se estabelece entre as categorias econômica e profissional. Por isso, o dissídio sempre antecede ao ingresso em juízo, sendo equivocado supor que surja em juízo. Logo, o que se tem buscado significar com a correntia expressão “ajuizar dissídio coletivo” é, na verdade, o ato de uma das partes exercer o seu direito constitucional de ação, com o escopo, geralmente, de obter, por meio de pronunciamento jurisdicional: a) com eficácia normativa, a instituição de novas condições de trabalho para os integrantes da categoria (dissídio econômico) ou a preservação das já existentes; b) a interpretação de norma legal ou de cláusula convencional, ou, ainda, a declaração da abusividade de greve (dissídio jurídico).

Em terceiro lugar, o aspecto mais caracteristicamente surrealista da norma constitucional em exame reside no fato de condicionar o ajuizamento do denominado “dissídio coletivo” a acordo entre as partes. Ora, é razoável presumir que, na prática, essa convergência de vontades dificilmente ocorrerá, o que corresponde a afirmar que rarearão os casos em que um dissídio coletivo de natureza econômica será submetido à apreciação dos Tribunais do Trabalho. Se as partes não se avençaram com vistas à celebração de acordo ou de convenção coletiva, é razoável presumir que também não se avençarão para efeito de promover dissídio coletivo. Não cremos tenha sido essa a melhor forma de se estimular as partes à negociação, à solução consensual do conflito de interesses. Verifica-se, em face disso, que a despeito de o poder normativo da Justiça do Trabalho não haver sido anatematizado, banido (como muitos desejavam), acabou sendo reduzido de modo expressivo.

Uma das formas de evitar-se, em alguns casos, o surgimento do quadro que acabamos de descrever seria mediante a construção do entendimento de que o “comum acordo”, previsto no dispositivo constitucional em exame, não necessitaria ser: a) prévio; b) nem expresso. Desse modo, se, por exemplo, determinado sindicato de trabalhadores ingressasse

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com “dissídio coletivo” e a correspondente categoria econômica não alegasse, preliminarmente, a falta do requisito do “comum acordo”, poderia interpretar esse silêncio como uma anuência tácita (e posterior) ao ajuizamento dessa ação constitutiva. No caso de o sindicato representativo da categoria econômica arguir a ausência desse requisito, o tribunal poderia pronunciar, ex officio, a inconstitucionalidade da norma que o exige, como veremos no próximo item. Por outras palavras, desse modo o “comum acordo” deixaria de ser um pressuposto de constituição da relação processual, passando a sê-lo de desenvolvimento dessa mesma relação. Assim, o processo de dissídio coletivo seria legitimamente instaurado sem a anuência da parte contrária, embora dependesse desse consentimento (que poderia vir na resposta do réu ou “suscitado”) para que se desenvolvesse com regularidade. Seja como for, essa fórmula, conquanto engenhosa, não é perfeita, porquanto não resolveria o problema consistente na possibilidade de o “suscitado” não concordar com o ajuizamento do dissídio coletivo. Nesta hipótese, como dissemos, poderia o tribunal, ex officio ou por provocação do interessado, declarar, em caráter incidental, a inconstitucionalidade do § 2.º do art. 114 da Constituição Federal, no tocante à exigência de “comum acordo”.

Não se...

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