Dispensa de licitação por emergência

AutorProf. Antônio Carlos Cintra do Amaral
CargoAdvogado em São Paulo. Consultor e Parecerista em Direito Administrativo. Ex-Professor de Direito Econômico na Faculdade de Direito da PUC/SP.
Páginas1-10

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As contratações efetuadas pelo Poder Público devem, em regra, ser precedidas de licitação. Nesse sentido, dispõe o art. 2º da Lei 8.666/93.

Por isso é que, enquanto nas entidades privadas o procedimento seletivo, precedente à contratação, pode ser regulado ou não por normas escritas, as entidades do setor público estão vinculadas ao procedimento da licitação nos termos da legislação aplicável, que prescreve um procedimento formal.

Com muita argúcia, o jurista argentino HÉCTOR A. MAIRAL, em seu "Licitación Pública" (Buenos Aires, Depalma, 1975, pp. 14/15), aludindo aos objetivos da licitação, que são, com pequenas variações, aceitos pela doutrina jurídica de vários países, aduz:

"Además de estos fines, que la doctrina destaca uniformemente, ante la importancia que las contrataciones del Estado han tomado en la economía moderna, como se ha señalado anteriormente, es posible sostener que la licitación pública cumple también una función reguladora de la actividad Page 2 económica privada al canalizar el poder de compra del Estado hacia aquellas empresas que se desenpeñan con mayor eficiencia y por ende con menores costos. Desde este punto de vista, la licitación pública evita que se operen distorsiones al régimen de libre competencia que, de otra manera, serían posibles ante la existencia de un importantísimo comprador cuyo poder de decisión no estaría influído exclusivamente por las motivaciones económicas que rigen para los particulares".

JOSÉ AFONSO DA SILVA diz que são objetivos da licitação ("Licitações", in Revista de Direito Público nº 7, p. 53):

  1. evitar o arbítrio e o favoritismo na designação do contratante; e

  2. possibilitar contratos mais vantajosos para a Administração.

    Nesses objetivos, estariam configuradas as duas modalidades de interesse público a que se refere RENATO ALESSI ("Principi di Diritto Amministrativo", 3ª. ed., Milano, Giuffrè, vol. I, 1974, pp. 226 e ss.):

  3. o interesse coletivo primário, ou seja, o interesse da sociedade, protegido, no caso, em nível constitucional, pelo estabelecimento do princípio da isonomia; e

  4. o interesse público secundário, do aparelho estatal, enquanto pessoa pública.

    Embora tenha concordado, em trabalhos anteriores, com essa colocação de JOSÉ AFONSO DA SILVA, atualmente me permito efetuar ligeira alteração em meu entendimento a respeito do assunto. Buscarei expor esse entendimento.

    Penso que o objetivo da licitação é a adequada execução de um contrato vantajoso. Não me parece correto dizer-se, como o faz o art. 3º da Lei 8.666/93, que é "selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração".

    Isso, por dois motivos:

  5. ao selecionar a proposta mais vantajosa, a Administração ainda não atingiu o objetivo da licitação, na medida em que, enquanto não houver contratação, o procedimento licitatório pode ser extinto, mediante revogação ou anulação; e

  6. o objetivo da licitação não é o de obter vantagem maior para uma das partes e sim um ajuste que seja satisfatório para ambas.

    Contrato vantajoso significa, pois, um contrato que contemple satisfatoriamente os interesses das partes. É algo aparentemente óbvio, mas que, na prática, muitas vezes é ignorado, de boa ou de má-fé. Page 3

    Não se deve esquecer, porém, que a licitação - procedimento administrativo - faz parte de um processo mais amplo: o processo de contratação. A licitação não é um fim em si mesma, assim como também não o é o contrato.

    De acordo com essa concepção, parece-me que o objetivo do processo de contratação é:

    "A obtenção de um serviço, um bem ou uma obra (ou, ainda, uma locação ou alienação) de acordo com o planejado, com a mínima - e se possível nenhuma - distorção, fricção ou atrito, de tal modo que as partes contratantes satisfaçam seus interesses, dessemelhantes mas convergentes ".

    De nada adianta alcançar-se o objetivo da licitação se não se alcança o do processo de contratação. Obter-se um contrato vantajoso é condição necessária, mas não suficiente para o êxito da contratação.

    Por outro lado, não me parece correto considerar-se a isonomia e a probidade administrativa como objetivos da licitação. Não que sejam irrelevantes: muito pelo contrário. Penso, porém, que o princípio da isonomia (e seus princípios instrumentais ou subsidiários, como a publicidade, a vinculação ao instrumento convocatório, a objetividade dos critérios de habilitação e julgamento e a formalidade) é um parâmetro jurídico dentro do qual a licitação deve ser conduzida. E a probidade administrativa é a condição ética necessária para que a licitação seja um procedimento sério, um jogo com regras confiáveis e para valer.

    A garantia do tratamento isonômico é desafio que se coloca em cada caso. O administrador do setor público, mesmo honesto e bem intencionado, nem sempre consegue tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Muitas vezes, iguala situações desiguais, desiguala situações iguais ou desiguala desproporcionalmente (para mais ou para menos) situações desiguais.

    MAIRAL (ob. cit., p. 15) cita um autor francês, QUANCARD, que em seu "L'adjudication des Marchés Publics de Travaux et de Fournitures" considera que por intermédio da licitação os resultados financeiros alcançados são apenas medianos. A experiência brasileira demonstra exatamente isso e é comum ver-se a Administração Pública contratar em...

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