Práticas discursivas de trabalhadores terceirizados e construções sociais da identidade de exclusão

AutorValéria da Glória Pereira Brito - Adriana Ventola Marra - Alexandre de Pádua Carrieri
CargoDoutoranda do Programa de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais ? Belo Horizonte ? MG, Brasil - Doutoranda da Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais ? Belo Horizonte ? MG, Brasil - Professor do Programa de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, ...
Páginas77-91
Artigo recebido em: 24/09/2010.
Aceito em: 08/09/2011.
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
77
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
PRÁTICAS DISCURSIVAS DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS E
CONSTRUÇÕES SOCIAIS DA IDENTIDADE DE EXCLUSÃO
Discursive Practices of Outsourced Workers and Social
Construction of Exclusion Identity
Valéria da Glória Pereira Brito
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte –
MG, Brasil. E-mail: vgpbrito@gmail.com.
Adriana Ventola Marra
Doutoranda da Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – MG, Brasil.
E-mail: aventola@ufv.br.
Alexandre de Pádua Carrieri
Professor do Programa de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte –
MG, Brasil. E-mail: alexandre@cepead.face.ufmg.br.
FQK
Resumo
Este artigo tem por objetivo investigar a construção da
identidade dos trabalhadores terceirizados que prestam
serviços em ambientes produtivos diversificados.
Parte-se do pressuposto de que a identidade do
sujeito individual ou coletivo é socialmente construída
em dado contexto sócio-histórico, estando sujeita
a contínuas transformações oriundas da relação
dialética entre objetividade e subjetividade. Adota-
se uma postura teórico-metodológica interpretativa
buscando compreenderpor meio de treze entrevistas
semiestruturadas, à luz da Análise do Discurso, como
os trabalhadores de uma empresa prestadora de
serviços de controle de qualidade de Belo Horizonte
constroem sua identidade. Percebe-se no discurso
um forte desejo dos trabalhadores de fazer parte
do quadro de trabalhadores efetivos da empresa
contratante e a presença de várias representações
negativas sobre o trabalho terceirizado, já que eles se
sentem discriminados e excluídos pelos trabalhadores
efetivos. A relação dos trabalhadores terceirizados
com os trabalhadores efetivos pode ser vista como um
campo de forças em que cada sujeito busca exercer o
poder e demarcar politicamente o seu espaço.
Palavras-chave: Identidade. Identidade Coletiva.
Discurso. Terceirização. Construção Social.
Abstract
This article aims to investigate the identity
construction of outsourced workers who provide
services in diverse production environments. We
assume that the individual or collective identity is
socially constructed in a socio-historical context
and it is subject to continuous transformations
derived from the dialectical relationship between
objectivity and subjectivity. We adopt an interpretative
theoretical and methodological approach attempts to
understand, through discourse analysis of thirteen
semi-structured interviews, employees of a company
providing services of quality control at Belo Horizonte
construct their identity. We noticed several negative
representations of the outsourced work and the
presence of a strong desire to be part of the worker’s
actual hiring company.They feel discriminated against
and excluded by workers effective. Their relationship
with these workers can be seen as effectivea force field
in which each individual seeks to exercise political
power and demarcate their space.
Key words: Identity. Collective Identity. Discourse.
Outsourcing. Social Construction.
78 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
1 INTRODUÇÃO
As transformações no mundo do trabalho, espe-
cialmente durante as duas últimas décadas, trouxeram,
indubitavelmente, consequências para os trabalhado-
res. Diante deste novo cenário, pesquisas diversas sobre
tais consequências foram realizadas, como as de Caste
(1998), Bihr (1999), Druck (1999) e Antunes (2000),
nas quais percebeu-se que as novas formas de se orga-
nizar e gerir o trabalho dentro do conhecido fenômeno
de flexibilização acarretaram perdas trabalhistas e
desafios a serem enfrentados. Nesse contexto, destaca-
-se entre as novas formas de organização e gestão a
terceirização, devido à qual acabou se desenvolvendo
uma categoria de trabalhadores que se situa na periferia
do sistema produtivo. Entre as principais justificativas
para a adoção da terceirização estão a redução de
custos operacionais e a especialização das empresas
que passam a focar no negócio fim, tornando-se mais
enxutas, flexíveis e dinâmicas. Apesar disso, existem
inúmeras críticas à terceirização, como por exemplo,
o tratamento distinto dado a empregados da con-
tratante e aos terceirizados, além da dificuldade de
relacionamento entre esses dois tipos de empregados,
a diferença salarial e a qualificação inferior.
A terceirização e o sistema de produção enxu-
ta foram temas amplamente discutidos nas últimas
décadas. Contudo, as suas consequências para os
trabalhadores vêm se ampliando no ritmo das trans-
formações tecnológicas, políticas, sociais, culturais e
econômicas. Por esse motivo, resolveu-se revisitar a
terceirização sob a ótica dos trabalhadores e da cons-
trução de sua identidade. Nesse sentido, pode-se dizer
que o trabalho terceirizado assume relevância como
categoria de análise para a investigação da identidade
social. Na conjugação trabalho e identidade, Arendt
(2000) propõe que o trabalho deve ser visto como
elemento central na construção da autoimagem e da
imagem social (identidade para si e identidade para
o(s) outro(s)) dos sujeitos trabalhadores. Dito de outra
forma, o trabalho tem um papel social relevante na
constituição do sujeito trabalhador e na construção do
seu reconhecimento social.
A fim de contribuir para a discussão deste tema,
tem-se por objetivo com este trabalho investigar as
relações entre a terceirização, o mundo do trabalho e
a construção identitária de trabalhadores terceirizados
em indústrias de autopeças da Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Temos como pressuposto teórico que a
terceirização cria distinções no ambiente de trabalho e,
consequentemente, gera diferenciações na construção
social da identidade dos trabalhadores terceirizados
(DRUCK, 1999, 2007).
Para compreender os processos e as dinâmicas
com as quais se deparam os trabalhadores no contexto
da terceirização, propôs-se abordar o tema partindo do
sentido que esses sujeitos dão a esse fenômeno sob a
perspectiva da identidade. Para tanto, considerou-se o
método de análise das práticas discursivas dos sujeitos
o mais adequado. A análise do discurso (AD) parte do
princípio de que a linguagem, materializada em diver-
sos gêneros discursivos, é marcada por diferentes vozes
e conteúdos ou repertórios interpretativos, que são
definidos como estruturas de referência empregadas
pelas pessoas na construção dos sentidos da realida-
de (SPINK, 2004). Assim sendo, a compreensão dos
sentidos requer que a linguagem seja tomada como
uma prática social, portanto, produto e produtora das
ações das pessoas.
Para a análise dos dados adotou-se a Análise
Crítica do Discurso (ACD), de Fairclough (2003), para
quem o discurso é um elemento das práticas sociais,
tido como uma forma de ação sobre o mundo e so-
bre os outros. Por essa razão, os entrevistados foram
considerados sujeitos que são constituídos do ponto
de vista cultural, social e histórico.
Este trabalho está dividido em oito partes, in-
cluindo esta introdução. Inicialmente apresentam-se
os fundamentos teórico-analíticos da construção da
identidade e os processos identitários. Em seguida,
tem-se uma revisão teórica da lógica da produção
enxuta e do processo de terceirização em si. O per-
curso metodológico adotado priorizou a pesquisa
qualitativa e a Análise do Discurso como método e
postura epistemológica. Dessa forma, foi possível ana-
lisar o significado do trabalhador e do trabalho para
os terceirizados, assim como as relações sociais nos
locais de trabalho. Nas considerações finais, resgatam-
-se as principais reflexões feitas ao longo do artigo e
acrescentam-se outras mais que ajudam a compreender
melhor a complexidade da configuração identitária dos
trabalhadores terceirizados.
79
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E OS
PROCESSOS IDENTITÁRIOS
A identidade tem sido objeto de estudo de
diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros da
área de administração, como os de Carrieri, Paula e
Davel (2008), Nkomo e Cox Jr. (1999), Ybema et al.
(2009), Simpson e Carrol (2008), Machado (2003)
e Bauer e Mesquita (2008). Reconhece-se a partir
desses trabalhos que a identidade constitui-se a partir
da experiência vivida pelos sujeitos em sociedade e
nas organizações. Esse conceito assumiu um caráter
transdisciplinar na medida em que o debate tem se
localizado na fronteira entre diferentes disciplinas,
como psicologia social, sociologia e ciência política.
Na área de administração, pode-se considerar que
esse conceito serve de referência para a construção da
transdisciplinaridade entre a teoria das organizações e
as referidas disciplinas.
Não se questiona a relevância do conceito
de identidade para a compreensão do processo de
constituição do sujeito no contexto organizacional.
No entanto, o esforço de pesquisa realizado pelos
estudos organizacionais tem produzido uma multi-
plicidade conceitual, cuja principal marca tem sido
o reconhecimento do seu poder explicativo e da sua
localização epistemológica na zona de fronteira entre
disciplinas. Como consequência, essas especificidades
contribuíram para a desconstrução de perspectivas de
análise que tomavam a identidade como um fenômeno
unívoco e imutável. Com isso, deu-se origem a uma
visão transdisciplinar que reconheceu a natureza sócio-
-histórica e a mutabilidade da identidade dos sujeitos
(CARRIERI; PAULA; DAVEL, 2008), reconhecendo-
-se o caráter dinâmico do processo de construção da
identidade do sujeito individual e coletivo. Em outros
termos, a identidade do sujeito individual ou coletivo
não é fixa e única; ao contrário, ela deve ser vista como
algo socialmente construído em dado contexto sócio-
-histórico, estando sujeita a contínuas transformações
(BRITO et al., 2008). Portanto, a identidade permanece
num movimento de “[...] desestruturação/reestrutura-
ção e às vezes assume a aparência de uma crise das
identidades.” (DUBAR, 2005 p. 330).
Essa linha de reflexão sofreu forte influência de
Berger e Luckmann (2002), que concebem a identi-
dade a partir da localização do sujeito no seu contex-
to sócio-histórico. A construção da identidade seria
produto da socialização, marcada por um movimento
duplo e simultâneo de transformação social que eles
denominaram de externalização – que diz respeito à
forma pela qual o sujeito revela-se para o mundo – e
interiorização – que se refere ao processo por meio
do qual o sujeito aprende novas formas de ação ou se
socializa. Esse movimento humano, por sua vez, dá
origem ao processo de institucionalização, ou seja, a
uma padronização de ações habituais pelos vários tipos
de sujeitos. Essas ações tipificadas são partilhadas,
passando a servir de referência para ação individual
e coletiva de todos os indivíduos. Para Berger e Luck-
mann (2002), o processo de institucionalização deve
ser apreendido como marcado pela interpretação e
capacidade reflexiva dos sujeitos que têm um papel
ativo na sua construção.
Partindo da ação instrumental e da ação comuni-
cativa, Habermas (1987) reconhece a dinâmica social
associada ao processo de construção da identidade dos
sujeitos. Para o autor, a identidade seria uma espécie
de propriedade complexa adquirida pelas pessoas ao
longo da sua história que lhes permite ser autodeter-
minadas (capacidade de manter a independência em
relação ao outro) e promoverem a autorrealização (ca-
pacidade reflexiva de identificar-se). Nessa abordagem,
a identidade seria o produto de uma relação dialética
entre indivíduo e sociedade; entre suas identificações
e suas identidades reconhecidas pelos outros; entre
distinção e semelhança; e entre distinção/ruptura e
continuidade.
A construção do eu ou da identidade deve ser
considerada como uma consequência da relação
dialética entre a objetividade e a subjetividade da re-
alidade sócio-histórica em que o sujeito está inserido.
Nessa perspectiva, Dubar (2005, p.136) define identi-
dade como o “[...] resultado a um só tempo estável e
provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo,
biográfico e estrutural, dos diversos processos de socia-
lização que, conjuntamente, constroem os indivíduos
e definem as instituições”.
Contribuindo para a compreensão conceitual
sobre a identidade, a análise feita por Bewer e Gardner
(2004) sintetiza a noção de identidade em três prismas,
a saber: pessoal, relacional e coletiva. Nessa primeira
ótica, a identidade pessoal tem sido abordada como o
conceito que o sujeito tem de si mesmo em relação aos
80 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
outros sujeitos. Sob a segunda perspectiva, a identida-
de como fenômeno relacional diz respeito aos papéis
que o sujeito desempenha perante o outro segundo os
padrões sociais preestabelecidos. Na terceira, os auto-
res enfocam a identidade coletiva como um produto
da visão compartilhada por um determinado grupo
social, ou seja, trata-se da visão que o sujeito tem de
si em relação ao coletivo.
Para efeito deste estudo, enfoca-se a identidade
coletiva, ou seja, a visão que o trabalhador tercei-
rizado tem de si perante a coletividade socialmente
organizada. Destaca-se que o trabalho terceirizado
apresenta determinadas especificidades que permitem
uma análise mais qualificada da articulação teórico-
-empírica entre a identidade e o trabalho. Para Brito
(2008), as relações de trabalho, nas quais os indivíduos
participam de atividades coletivas, no âmbito da or-
ganização, intervêm de uma ou outra forma nos jogos
entre atores, cuja dinâmica influencia a subjetividade e
a identidade dos trabalhadores. Para a construção da
identidade profissional, os sujeitos devem se inserir em
relações de trabalho participando de atividades cole-
tivas e intervindo, de certa forma, em representações
(DUBAR, 2005; SAINSAULIEU, 1997). Entende-se
por relações de trabalho aquelas que ocorrem entre
empregadores e empregados em uma organização,
sendo mediadas pelas relações de poder na e para a
realização do trabalho (MELO, 1991). Sendo assim,
Sainsaulieu (1997) afirma que as várias formas por
que os indivíduos e grupos se identificam entre si no
ambiente de trabalho fundam a identidade profissional,
a partir de representações coletivas distintas. Para o
autor, são nas relações de trabalho que se enfrentam
conflitos e desejos de reconhecimento em um ambiente
desigual e complexo de poder.
Ao tratar especificamente da identidade pro-
fissional, Dubar (2005) defende quatro processos
identitários típicos que conjugam a identidade para
si – por meio da transação subjetiva– que pode se
estabelecer com base na ruptura ou na continuidade
com a identidade atribuída pela instituição ou forjada
pelo individuo, bem como com a identidade para o
outro – via transação objetiva – podendo levar a um
reconhecimento social ou a um não reconhecimento.
A partir da combinação dessas dimensões, o autor
estabelece que a identidade profissional pode ser:
1. Identidade de empresa: quando ocorre o
encontro da continuidade com o reconheci-
mento, em que o indivíduo define-se a partir
da própria empresa que oferece possibilidade
de promoção e carreira.
2. Identidade de rede: existe um reconhecimento,
mas ocorre a ruptura na dimensão subjetiva.
O indivíduo foca-se na sua recapacitação
profissional externa e na sua rede de relações.
3. Identidade de ofício: existe uma continuidade
por parte do trabalhador, mas, também, um
não reconhecimento. Normalmente profissio-
nais de qualificação técnica desenvolvem um
bloqueio interno em função desta combinação.
4. Identidade de fora do trabalho: ocorre quando
ruptura e não reconhecimento se encontram
e se desenvolve uma relação de exclusão do
mercado de trabalho.
Tendo em vista a compreensão conceitual da
construção social da identidade para si e para os
outros, e dos processos identitários que as conjugam,
analisa-se a terceirização e a lógica da organização do
trabalho frente à reestruturação produtiva.
3 A LÓGICA DA PRODUÇÃO ENXUTA E
A FABRICAÇÃO DE TRABALHADORES
TERCEIRIZADOS
Em uma análise crítica da terceirização, Antunes
(2000) a identifica como um fenômeno que desman-
tela a segurança da classe trabalhadora em relação
ao emprego e solapa os direitos trabalhistas, tendo
como agravante a destruição da identidade coletiva. A
terceirização, dessa maneira, ocasiona uma maior vul-
nerabilidade na condição de vida desses trabalhadores.
Além da situação salarial e de insegurança, a sociedade
assiste à destruição dos princípios que regulavam e
fundavam a coesão do sistema de vida social. É nesse
cenário que despontam como padrões de moderni-
dade o trabalho flexível e a fábrica enxuta, ícones
do toyotismo. Nesse novo ambiente industrial, para
que uma fábrica seja sinônimo de eficiência, ela deve
ser mínima em custos e funcionários. Dessa forma, o
toyotismo inverteu a lógica fordista: nesta tinha-se o
trabalho parcelado e aos trabalhadores operacionais
81
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
não era recomendável refletir sobre o processo de
trabalho; agora são requeridos trabalhadores reflexivos
sobre seu “processo de trabalho” e sugerindo melhorias
que reduzam custos para a empresa. (CORIAT, 1994;
CASTEL, 1998; SENNETT, 1999; ANTUNES, 2000)
No atual sistema das técnicas japonesas de ges-
tão, o trabalhador deve ser mais qualificado, participar
mais e lhe é dada mais autonomia e responsabilidades.
Com isso, tem-se um incremento na intensificação do
trabalho que assume nova roupagem e novas técnicas
de exploração. Estabelece-se, assim, somando-se à
exploração da força física taylorista-fordista, a apro-
priação do saber operário e de sua força cognitiva e
criativa. Por outro lado, é inquestionável que cada vez
mais homens e mulheres no mundo todo se deparam
com a dificuldade de encontrar trabalho, podendo-se
atestar o desemprego estrutural em escala global. Esse
tipo de quadro retrata uma cena nada agradável para
a categoria de trabalhadores, que, para se manter
trabalhando, submete-se cada vez mais à aceitação de
“acordos” desfavoráveis a sua condição de trabalhador.
(DRUCK, 1999)
Aprofundando esse tema, Castel (1998) afirma
que o desemprego estrutural é apenas o lado visível das
transformações ocorridas no emprego propriamente
dito e que o lado mais perverso deste sistema é a preca-
rização do trabalho, que tem como fatores principais: a
desestabilização dos trabalhadores estáveis em função
da redução dos contratos por tempo indeterminado; o
estabelecimento da precariedade, em decorrência do
indivíduo ser permanentemente interino; e a falta de
posições a serem ocupadas que possuam certo status
e reconhecimento público.
Ao olhar o período que antecede a reestruturação
produtiva (até o início da década de 1980), parece que
apesar das constantes diferenças e não homogeneidade
da classe trabalhadora havia certa tendência à uniformi-
dade em função da tentativa de integração dos trabalha-
dores. Já no início dos anos de 1980 pode-se perceber
uma crescente fragmentação da classe trabalhadora
ocidental, que, segundo Bihr (1999), é resultado de três
novas configurações no mundo do trabalho: aqueles
trabalhadores estáveis e com garantias, um resquício
do período taylorista-fordista; os trabalhadores excluí-
dos do trabalho, que foram demitidos e dependem da
seguridade social; e um grande exército de trabalhadores
flutuantes (não estáveis). Dentro desse último grupo,
estão incluídos os trabalhadores em tempo parcial, os
temporários, os informais e os terceirizados. Essas várias
configurações, segundo Reimann (2002) e Bihr (1999),
dificultam uma construção social de uma identidade
coletiva desses trabalhadores.
O processo de flexibilização das relações de
trabalho tem sido responsável pela produção de uma
intersubjetividade que abarca o medo da perda do em-
prego, sentimento de insegurança e fragmentação dos
vínculos indivíduo-organização. O trabalho terceirizado
insere-se neste contexto sócio-histórico, podendo ser
considerado uma categoria de análise relevante para a
compreensão da identidade social, que difere daquela
construída pelos trabalhadores no bojo das organiza-
ções contratantes. Portanto, parte-se desse pressuposto
para explicar como se dá a constituição da identidade
social de um grupo de trabalhadores que tem experi-
mentado essa forma de organização do processo de
trabalho em que o vínculo indivíduo-organização tem
sido tênue e vulnerável.
Para Druck (1999) e Drucke Franco (2007), em
um ambiente com trabalhadores terceirizados, sub-
siste uma significativa situação de discriminação: os
trabalhadores efetivos identificam-se com a empresa,
diferenciam-se e são diferenciados pelos gestores em
relação aos terceirizados, até mesmo pela cor dos
uniformes, uso dos espaços nos restaurantes, do trans-
porte da empresa, das festas, além de terem sindicatos
distintos, entre outros. Os temporários são tidos como
menos qualificados e preparados do que os efetivos,
pois não tiveram “competência” para serem contrata-
dos pela própria empresa. Estabelece-se, assim, uma
divisão entre eles, como se existissem trabalhadores de
primeira e de segunda categoria, dificultando a con-
vivência social e a identidade de classe entre o grupo,
desestruturando o coletivo no trabalho (ANTUNES,
2000;DRUCK, FRANCO, 2007). Essas diferenças nem
sempre se restringem ao imediatamente observável;
existem relações invisíveis que vão estabelecer campos
de força entre estes trabalhadores.
Acredita-se que as reflexões anteriormente
apresentadas, quando conjugadas com a trilha me-
todológica que se segue, nos permitirão a construção
de um quadro de referência para a compreensão do
processo de construção e reconstrução da identidade
do trabalhador terceirizado.
82 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
4 A TRILHA METODOLÓGICA: OPÇÃO PELA
ANÁLISE DO DISCURSO
Este estudo caracteriza-se como qualitativo, uma
vez que se ocupa da compreensão do fenômeno social
levando-se em consideração o seu contexto sócio-
-histórico. Busca-se, portanto, a compreensão do agir
das pessoas, na tentativa de identificar ações e suas
interpretações acerca do fenômeno socialmente cons-
truído. A possibilidade de alcançar este objetivo se dá
somente quando os sujeitos são ouvidos, respeitando-
-se as suas exposições de motivos e lógica. (MERRIAM,
2002;GODOI, BALSINI, 2006)
Toma-se como realidade empírica a experiência
de uma empresa de terceirização de mão de obra situ-
ada em Belo Horizonte, Minas Gerais. Trata-se de uma
empresa familiar fundada em 1998, que, para efeitos
deste estudo, será denominada de ZX. O foco de seu
negócio é o controle de qualidade de peças automo-
tivas, em que os trabalhos são realizados na empresa
contratante, caracterizando-se como mão de obra
terceirizada. Em junho de 2009, período da pesquisa,
a ZX possuía 80 trabalhadores operacionais, dos quais
60 % eram mulheres, além de oito assistentes adminis-
trativos, três supervisores e dois sócios-gerentes. Foram
realizadas 13 entrevistas semiestruturadas, sendo 12
com trabalhadores operacionais e uma com o geren-
te. Os trabalhadores operacionais realizam atividades
básicas que exigem pouca ou nenhuma qualificação,
sendo de fácil substituição, e recebem baixos salários
(10% acima do salário mínimo vigente). A entrevista
com o gerente foi utilizada apenas para compreender
o processo de trabalho na ZX. Os entrevistados foram
selecionados pelos supervisores, seguindo determina-
ção da empresa. As entrevistas foram realizadas em
três diferentes locais de trabalho, durante o intervalo
de almoço.
O grupo de trabalhadores terceirizados entrevis-
tado era composto de cinco homens e sete mulheres,
sendo que metade trabalhava na empresa há menos
de um ano. A ZX possui elevada rotatividade de seu
quadro funcional, com tempo médio de permanência
inferior a dois anos. No caso dos entrevistados, apenas
um trabalhador possuía mais de seis anos na ZX. O
tempo em que cada trabalhador permanece prestando
serviço na empresa contratante oscila em função do
tipo de trabalho realizado, podendo variar de poucos
dias a meses ou anos. Segundo o gerente, existem
situações de trabalhadores serem contratados espe-
cificamente para atender um único cliente, reduzindo
sua mobilidade no grupo.
Vale destacar que o discurso obtido foi conse-
quência da interação face a face entre entrevistador
e entrevistado, que induziu as respostas por meio de
entrevistas semiestruturadas. Depois de transcritas, as
entrevistas deram origem ao corpus permitindo que
se realizasse a análise de discurso fundamentada na
Análise Crítica do Discurso (ACD) ligada à corrente
inglesa, assumindo a linguagem como inerente à vida
social e a ela ligada dialeticamente (FAIRCLOUGH,
2003). Também incorpora-se na análise alguns funda-
mentos da AD francesa, ao considerar a relação entre
os temas explícitos, implícitos e silenciados, possibili-
tando a verificação da formação ideológica do locutor
(FIORIN, 2003). Como conteúdo implícito, entende-se
que o enunciador comunica ao destinatário de forma
sutil e interativa uma ideia que, por qualquer motivo,
não foi explicitada e, no silenciamento, o enunciador
omite sentidos possíveis, considerados indesejáveis e
incongruentes com a linha de discurso adotada (FARIA;
LINHARES, 1993). Essa opção permitiu que realizasse
a análise das dimensões textual, linguística e social
do texto. Nesse caso, Fairclough (2003) afirma que,
quando um texto é analisado, duas coisas são feitas de
forma interligada: o texto é visto em termos de sentido
e o evento concreto é ligado a práticas sociais abstratas.
O discurso, entendido como elemento das práti-
cas sociais, também é marcado por diferentes vozes,
adquirindo um sentido dialógico. (BAKHTIN, 1992)
O enunciado é construído sempre a partir das vozes
dos outros (polifonia ou dialogismo polifônico) que,
marcadamente, influenciam ou influenciaram na
constituição de determinado gênero discursivo. Essas
diferentes vozes manifestam pontos de vista sociais
diversos sobre um determinado tema. Assim,
[...] a polifonia se define pela convivência e
pela interação, em um mesmo espaço [...] uma
multiplicidade de vozes e consciências inde-
pendentes e imiscíveis, vozes plenivalentes e
consciências equipolentes, todas representantes
de um determinado universo e marcadas pelas
peculiaridades desse universo. (BEZERRA,
2007, p. 194)
83
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
Dessa forma, para a compreensão do discurso
dos sujeitos entrevistados, tomou-se como categorias
de análise: a relação entre os explícitos, os implícitos,
os silenciados destes discursos, o gênero discursivo, o
contexto de produção, a seleção lexical – escolha das
palavras podendo revelar a intenção argumentativa
do enunciador – e as contradições marcadas pelas
relações semânticas.
Definidas as categorias e realizada a caracteri-
zação inicial, parte-se para a análise das entrevistas
em que foram identificados três principais percursos
recorrentes nos discursos: o significado do trabalho
para os terceirizados, o sonhode fazer parte do grupo
de trabalhadores fixos da empresa e as relações sociais
no local de trabalho. Esses percursos trazem temas que
se desenvolvem no contexto social do trabalho envol-
vendo as estruturas, as práticas sociais e os agentes
sociais. A discussão a seguir mostra os extratos das
entrevistas que revelam a percepção dos entrevistados
nestas condições.
5 O TRABALHO COMO GÊNERO SITUADO
DA ENTREVISTA
A primeira fase da análise foi identificar o gênero
discursivo. No caso desta pesquisa, o gênero é situa-
do, pois se trata de entrevistas que têm por objetivo
estudar a identidade e o trabalho terceirizado. Ao
construir sua fala, os sujeitos entrevistados revelaram
simultaneamente seus modos de agir, suas formas de
representar o mundo e seus modos de identificação.
(FAIRCLOUGH, 2003)
Assim, a primeira pergunta feita aos entrevista-
dos procurou desvelar o significado do trabalho para
o grupo. As respostas permitiram traçar o significado
mais genérico do trabalho e inferir o contexto sócio-
-histórico no qual o grupo pesquisado se insere. Para
tanto, empregou-se a análise das relações semânticas
entre períodos e orações, sendo que as principais são
identificadas por meio de recursos lexicais (palavras) e
gramaticais, como as conjunções – que podem indicar
similitude ou coordenação–, as proposições, a subor-
dinação e as inserções – nas quais um trecho funciona
como elemento de outro. Dessa forma, as principais re-
lações semânticas entre períodos e orações podem ser
causais, condicionais, temporais, aditivas, elaborativas
e de contraste e concessões. (FAIRCLOUGH, 2003)
O primeiro tema a ser destacado em relação ao
significado do trabalho é o econômico. Frequentemen-
te, os entrevistados evocaram associações relativas ao
trabalho como um instrumento que permite a aquisição
de um salário. Destaca-se a predominância da voz do
discurso capitalista, ressaltando a premência da socie-
dade de consumo que “aumenta” a necessidade de
trabalhar para consumir. A seleção lexical feita pelos
entrevistados E02 e E05 é marcada por este argumento:
dinheiro, despesas, independência financeira, econô-
mico, comprar, pagar.
Ganhar meu dinheiro, ajudar o meu marido,
comprar as coisas para meus filhos. (E02)
Eu preciso do trabalho para comprar as mi-
nhas coisas e pagar minhas contas. Tudo é
muito caro, então se não trabalho, não posso
comprar. E tem umas coisinhas que eu quero
muito ter... aí fico esperando para quando eu
for chefe ou quem sabe arranjar um marido
rico. (E05)
Para Dubar (2005), os trabalhadores que configu-
ram a identidade de fora do trabalho, como os tercei-
rizados pesquisados, canalizam sua motivação para o
lado financeiro, em função da ruptura com a identidade
que lhes é atribuída e pelo não reconhecimento social.
Outro tema ligado ao percurso do significado
do trabalho é o do trabalho como responsável pela
identidade social dos sujeitos. Pela própria construção
da fala do entrevistado E07, observa-se que este tema
está intimamente ligado ao anterior, servindo-lhe de
justificativa marcada pela oração elaborativa.
Bom, além de ser do trabalho que tiro meu
sustento e o da minha família... eu acho
que não sei viver sem trabalhar, não. Já
fiquei um tempo desempregado, é péssimo. A
gente fica sem lugar. Não sabia o que fazer ... De
vez em quando eu faço uma fezinha na Mega
sena, e fico pensando o que eu faria se ficasse
rico. E sabe o que eu descobri? Eu ia continuar
trabalhando, é lógico que num negócio meu,
administrando os meus bens, essas coisas. Mas
tenho certeza que não ia ficar parado, não. (E07)
Como a maioria dos entrevistados é constituída
de mulheres, destaca-se o tema da independência femi-
nina. É possível também identificar a associação entre
não trabalho à inutilidade. O sentimento de utilidade
ligado ao trabalho traz implicitamente a ligação do
desemprego com a inutilidade evidenciado no trecho
84 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
de fala da entrevistada E08, ou seja, ser desempregado
é ser considerado inútil do ponto de vista social.
Dinheiro. Comprar as minhas coisas. Pretendo
casar no ano que vem e estou comprando as
coisas da casa. Eu gosto de trabalhar também.
Acho importante a mulher trabalhar fora
e ter seu próprio dinheiro. Esse negócio de
ficar dependendo de marido é muito ruim. (E08)
Pelo exposto, define-se o contexto sócio-histórico
de uma prática social do trabalho terceirizado que
reproduz o discurso capitalista, utilitário, provedor,
masculino relacionando-se dialeticamente com o
discurso da independência feminina, ao prazer e às
relações pessoais. Ao buscar apoio em Fairclough
(2003), identifica-se a presença da lógica descritiva
nos textos por meio das afirmações de fato e como
forma semântica dominante, a aditiva. Como forma
gramatical, a conjunção se sobressai, seja por meio da
comparação de iguais ou de opostos.
Verifica-se, dessa forma, a existência da articu-
lação entre trabalho e identidade, como evidenciada
por Arendt (2000). Os relatos anteriores mostram como
a centralidade do trabalho na vida desdes indivíduos
interfere na construção da autoimagem e da identidade
social. Ao afirmar que se sente útil, o trabalhador dá
pistas da construção de seu reconhecimento social e
da sua constituição como sujeito trabalhador.A partir
desse “pano de fundo” é que se pretende analisar o que
significa ser um trabalhador terceirizado para este grupo.
6 O SONHO DE PERTENCER: SIGNIFICADO
DO TRABALHADOR TERCEIRIZADO NA
PERCEPÇÃO DOS SUJEITOS
O que significa ser um trabalhador terceirizado? É
a partir dessa questão que se tem um primeiro mapea-
mento da construção da identidade desses indivíduos,
pois trata-se de como eles se veem, ou seja, qual a
imagem que eles têm de si próprios. Nesse sentido,
significa tratar da identidade para o próprio sujeito.
Um dos termos utilizados pelos entrevistados
refere-se ao fato de que ser terceirizado é simplesmente
não estar desempregado, vendendo sua força de tra-
balho como qualquer outro trabalhador, ressaltando
também o sentimento de utilidade para um objetivo
maior do que é a nação. Foucault (1979) aponta que,
no século XIX, o trabalho era o grande dispositivo de
poder (assim como a sexualidade), ou seja, trabalhar
para fortalecer o país e reproduzir para aumentar
quantitativamente a mão de obra. O enunciado do
entrevistado E01 confirma as reflexões de Foucault.
É não estar desempregado. É a permanência
no mercado de trabalho. Desta forma, estar
contribuindo para, de alguma forma, engran-
decer o nosso país. Mas o mais importante
para mim é não estar desempregado, fiquei
muito tempo parado antes de arranjar este
trabalho. (E01)
Essa situação retoma a discussão da utilida-
de social do trabalho e sua centralidade. Além da
racionalização que leva à aparente naturalização,
implicitamente, essa fala nos remete à discussão do
desemprego estrutural, resultado das transformações
ocorridas no emprego propriamente dito nos últimos
anos. Parte dos entrevistados estava desempregada,
sendo este o lado visível do problema (CASTEL, 1998).
O lado silenciado está na precarização do trabalho e
na consequente redução dos direitos trabalhistas. Esse
temaaparece explícito no enunciado da entrevistada
E12, ao enfatizar que ser terceirizada é fazer o mesmo
trabalho, só que com menos direitos.
Ser trabalhadora terceirizada é ter que traba-
lhar igual ou até mais que os outros e ter
menos direitos do que todo mundo. É assim
que me sinto. Nosso trabalho não é reconhecido
e é considerado inferior. (E12)
A contradição e a elaboração estão marcadas
nos discursos dos entrevistados E01, E05 e E02,
pois, ao mesmo tempo em que esses trabalhadores
reconhecem que ser terceirizado é melhor do que
estar desempregado,eles evidenciam o lado negro da
terceirização, que vai além das questões relacionadas
aos direitos trabalhistas. De forma geral, o tema do
isolamento associado à ideia de exclusão está presente
nos relatos dos entrevistados E05 e E02, que recorrem
ao tema de maneira explícita por vocábulos como
isolados, sozinha, excluídos.
É ser uma trabalhadora igual aos outros,
que a gente trabalha em vários lugares diferen-
tes e só vê o patrão na hora do pagamento ou
85
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
quando tem problema. Às vezes ficamos meio
isolados. Eu por exemplo só fui ao escritório
para fazer a entrevista de seleção, depois nun-
ca mais voltei. Então às vezes me sinto meio
sozinha. (E05)
Ser terceirizado ...não é muito bom não, mas
também tem suas vantagens. Não é bom, pois
a gente fica meio excluído, não tem horário
fixo. (E02)
O tema do isolamento também é marcado pelas
orações que apresentam as contradições e as compa-
rações deixando implícita a falta de identificação com
os grupos sociais que representam a ZX e a empresa
contratante. Ao elaborarem suas próprias justificativas,
os sujeitos recorrem ao contexto do trabalho terceiriza-
do evocando os horários flexíveis, os vários locais de
trabalho e a distância física entre eles e seus emprega-
dores, a ZX. Esses fatos corroboram a dificuldade da
criação de vínculos entre o trabalhador e seu trabalho
e poderiam ser amenizados com a realização, por parte
da empresa, de atividades que proporcionassem a in-
tegração e desenvolvessem o senso de pertencimento.
A partir da articulação entre o sentido do isola-
mento e o da exclusão, evidencia-se o tema da infe-
rioridade. Parte dos entrevistados percebe-se como
trabalhadores de uma categoria inferior. O entrevistado
E04 argumenta que seu trabalho é o mesmo dos outros
trabalhadores, contudo, ele se sente inferior fazendo
uma atividade que os membros efetivos da empresa
contratante não “querem” fazer. Pela terminologia de
Dubar (2005), o processo identitário é o de exclusão,
pois não possuem uma formação profissional e sua
identidade de trabalhador ou trabalhadora é molda-
da em saberes práticos, que ainda nem chegaram a
adquirir.
Estou neste trabalho há pouco tempo, mas acho
que ser terceirizado é fazer um trabalho que os
outros empregados da empresa não querem
fazer. Aí chamam um terceirizado. Fica esquisito,
né? Parece que somos trabalhadores de uma
categoria inferior. (E04)
A redução de direitos, o isolamento, a exclusão e
a inferioridade retratam uma face da configuração do
mundo do trabalho dos terceirizados, em que a cons-
trução social de uma identidade coletiva é dificultada, o
que leva à deterioração de sua própria imagem (BIHR,
1999). Essas percepções negativas de seu trabalho são
objetivadas na forma como o sujeito é definido e reco-
nhecido socialmente por sua profissão e tratam-se de
suas apresentações sociais (ARENDT, 2000). Bourdieu
(1989) complementa que o reconhecimento dos outros
é importante na percepção que o sujeito tem de sua
identidade. Além disso, o espaço de reconhecimento
destes trabalhadores localiza-se no interior da relação
concreta do trabalho e não da empresa a que perten-
cem. (DUBAR, 2005)
Uma das decorrências claras desta representa-
ção social negativa dos trabalhadores terceirizados
é evidenciada no sonho de pertencer ao quadro dos
empregados efetivos das empresas contratantes. Os
entrevistados E06 e E09 deixaram claro que estão
trabalhando na ZX apenas para aguardar uma melhor
oportunidade de trabalho. Mas para que esse sonho
se realize, eles têm a clara consciência de que estão
sendo observados e avaliados e ficam aguardando se-
rem vistos/escolhidos, tal qual a metáfora utilizada por
um deles, bonecos em uma vitrine. Ao significar a sua
percepção por meio de uma metáfora e não de outra,
o sujeito constrói sua realidade de modo a sugerir sua
identificação com determinados aspectos do mundo
(FAIRCLOUGH, 2003). Essa identificação com uma
postura reativa é revelada na seleção lexical feita por
E06 e E09 dos termos vitrine, oportunidade, sonho,
enxergarem, observada e também marcada pelo uso
dos verbos mostrar, surgir, acontecer, esperar, todos
no infinitivo trazendo consigo a questão da impes-
soalidade. Os motivos silenciados estão associados
à necessidade da inclusão como sujeito trabalhador
reconhecido por seus méritos e atitudes.
É ser como um boneco em uma vitrine,
podendo mostrar nosso potencial e quem sabe
surgir através disso uma nova oportuni-
dade... ser contratado por uma empresa que já
trabalhei. Este é meu sonho. Já vi isto acon-
tecer com outras pessoas. Estou esperando me
enxergarem. (E06)
Quando a gente é terceirizada a sensação é
que está sendo observada o tempo todo.
Essa observação é boa, pois quem sabe a gente
tenha a oportunidade de trabalhar em uma
das empresas do grupo FFFF. Então ser
terceirizada é esperar uma oportunidade de
deixar de ser terceirizada. (E09)
O sonho de ser contratado pela empresa con-
tratante é a idealização de ascensão profissional. Os
86 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
depoimentos dos entrevistados E07 e E10 são marca-
dos pela comparação e pela contradição. Ao se com-
pararem com os demais trabalhadores, os entrevistados
ressaltam que é um trabalho como outro qualquer, e ao
elaborarem sua justificativa, contradizem-se deixando
implícito que para melhorar de vida é preciso deixar
de ser terceirizado.
É um trabalho como outro qualquer. A
gente sempre acha que poderia melhorar, mas
trabalhando direitinho, fazendo hora extra
quando pedem, não faltando ...é até, como
vou dizer... é até possível não ser mais
terceirizado e trabalhar numa empresa
maior. Tipo essa aqui, entende? (E07)
Eu acho que ser um trabalhador terceirizado é
quando a gente trabalha em um lugar diferente
daquele ...prestamos um serviço a uma outra
empresa. No nosso caso, a empresa para
onde a gente presta serviço é sempre
maior que a que paga o nosso salário. É
um trabalho como outro qualquer, só que tem
menos chances. Como assim? É que ...acho
que não são chances... tipo assim eles têm
um convênio muito bom, a cesta básica é
enorme, o ônibus da empresa leva e busca
em casa... A gente não. Nossa cesta é pequena,
não tem convênio, e temos que vir de busão,
entende? (E10)
Para que o imaginário de pertencerem a uma
grande empresa e de deixarem de serem terceirizados
se realize, os entrevistados manifestam o desejo de es-
tudarem e se aperfeiçoarem. Eles entendem que esse é
o único caminho para que sejam os “escolhidos”, uma
vez que a maioria não enxerga seu futuro vinculado à
ZX. Essa noção traz implícita a hierarquização de pro-
fissões e sujeitos na qual uns são melhores e/ou maiores
do que outros. Percebe-se também que os discursos são
misturados, híbridos. Embora esses períodos pareçam
antagônicos, o que se tem aqui é a naturalização que
acaba por criar várias visões de mundo que as pesso-
as generalizam como únicas (FAIRCLOUGH, 2003).
Por outro lado, essa vontade de pertencer a uma das
empresas contratantes, como uma manifestação da
necessidade de identificação, adia uma construção
positiva das identidades destes sujeitos relacionadas a
seu trabalho. A autoimagem é reforçada pelas relações
sociais nos ambientes de trabalho. Utilizando-se dos
níveis de orientação para a formação da identidade
de Bewer e Gardner (2004), pode-se afirmar que a
visão que o trabalhador terceirizado tem de si perante
o grupo é bastante negativa. No caso dos trabalhadores
entrevistados, chega-se ao ponto em que o que eles
mais desejam é outra identidade, dirimindo qualquer
noção de identidade coletiva. O que se percebe é que
há apenas o sentido do trabalho efetivo. Uma das
possíveis razões que podem explicar essa vinculação
pode ser a ausência de relações sociais no trabalho,
discutidas no item seguinte.
7 RELAÇÕES SOCIAIS NOS LOCAIS DE
TRABALHO
A identidade dos indivíduos é construída por meio
de suas relações com os outros indivíduos, de forma
que os significados atribuídos por eles estão intima-
mente ligados às suas relações pessoais no trabalho, em
família, no grupo de amigos, entre outros (BERGER;
LUCKMAN, 2002). Dentre essas relações, prioriza-
-se as que acontecem no trabalho, e questiona-se os
entrevistados sobre como se relacionam no local de
trabalho e como percebem o convívio com os demais
empregados da empresa contratante.
No que se refere à percepção dos entrevistados
E01, E02 e E07 sobre o convívio com os demais
empregados da empresa onde prestam o serviço, os
enunciados mais uma vez são marcados pela com-
paração e pelo contraste explicitando a conotação
negativa. Dessa forma, os períodos e orações refletem
uma situação ambígua. Se, por um lado, sentem-
-se muito bem com o grupo da ZX que trabalha na
empresa, por outro, quase não veem esses colegas.
Entretanto, essa sensação melhora quanto maior é o
número de trabalhadores da ZX atuando naquele local
de trabalho. De outra parte, sentem-se discriminados,
estranhos, diferentes, intrusos, quando se referem aos
trabalhadores efetivos.
É meio complicado, pois sinto que faço parte
dos trabalhadores da ZX, mas quase não
vejo ninguém de lá, só o meu supervisor. Aqui
somos sete pessoas da ZX trabalhando
juntas, entramos no mesmo tempo e isso foi
muito legal. Se estivesse sozinho ia ser muito
ruim. Eu nem conheço as outras pessoas
que trabalham na ZX. Com relação ao res-
tante do pessoal, me sinto igual e diferente
87
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
ao mesmo tempo. Uso outro uniforme.
Quando passo, falam: Lá vai o pessoal da ZX.
Mas sou trabalhador como todo mundo,
você entende? (E01)
Me sinto estranha, diferente pois não faço
parte do grupo, é como se fosse uma intrusa.
Eles olham para a gente diferente. Na hora de
ir embora, por exemplo, eu não posso pegar o
ônibus da empresa igual o cara que estava tra-
balhando a meu lado. De longe se vê que não
faço parte do grupo, pois meu uniforme é
diferente. Outro dia teve uma festa, convida-
ram todo mundo, menos a gente. (E02)
Sinto que a principal discriminação vem dos
encarregados, e não é só em palavras, em
atitudes também. Vai ter um treinamento
para todo mundo sobre algo que é importante
para você. A gente não pode participar, é
terceirizado. Vão dar um presente no natal,
a gente não vai ganhar. São apenas algumas
situações para você ter de exemplo. (E7)
O tema da discriminação aparece na seleção lexi-
cal diferente, não faço parte do grupo, discriminação,
não pode participar e é reforçado pelos aspectos sim-
bólicos como o uniforme, o ônibus, a confraternização,
o treinamento, a mesa do restaurante, entre outros, que
refletem na própria desqualificação do trabalho tercei-
rizado. As experiências são vividas, de acordo com sua
posição nas estruturas sociais, organizando as práticas
e representações desses trabalhadores (BOURDIEU,
1989). Em outros termos, cada agente vivencia suas
experiências, de acordo com sua posição nas estrutu-
ras sociais, constituindo um modo “inconsciente” de
orientação futura das ações do sujeito em um sistema
de disposições duráveis e transponíveis, que operam
como princípios geradores e organizadores de práticas
e representações. Nesse sentido, os aspectos simbólicos
reforçam a localização dos trabalhadores terceirizados
no nível mais baixo da estrutura social daquele local de
trabalho. Essa situação é percebida desde os primeiros
dias no trabalho para o entrevistado E04, evidencian-
do a representação na qual se delineiam personagens
terceirizados “apagados” e personagens contratados
“valorizados”.
Ainda estou meio por fora. Me sinto um pouco
diferente, mas não sei explicar direito pois ter-
minei a experiência agora. Estava trabalhando
numa empresa desde o início, e esta semana co-
mecei na outra. Esses dias deu para sentir que
não querem muito papo conosco não. (E04)
As dificuldades de convívio com os trabalhadores
efetivos são reforçadas pelos abusos de autoridade,
pelo preconceito, pela discriminação, pela desquali-
ficação do trabalho dos terceirizados e pela sensação
de invisibilidade. A seleção lexical de E08 e E11 mar-
ca o preconceito e discriminação: diferente, grande
desvalorização, sentimento muito ruim, menor, carne
de segunda, trabalho nunca valorizado, até os outros
funcionários acham que são nossos chefes, excluída,
regalias e prioridades para os funcionários fixos, nem
nos enxerga, nem sabe quem somos, só conversa por
telefone.
Me sinto diferente dos outros, pois vejo uma
grande desvalorização do meu trabalho. E
este é um sentimento muito ruim, é como
se eu fosse menor, tipo carne de segunda,
sabe? Às vezes, trabalho até mais do que
quem é efetivo na empresa, mas meu trabalho
nunca é valorizado. Para você ter uma noção,
às vezes, até os outros funcionários acham
que são nossos chefes. Eles falam assim: a
Fulana da ZX, vai buscar isso lá para mim. Aí,
você para seu trabalho e vai, e nem obrigada
ganha. (E08)
Me sinto meio excluída do processo, pois
a empresa oferece mais regalias e priorida-
des para seus funcionários fixos. Ela na
verdade nem nos enxerga. E a ZX, muitas
vezes, nem sabem quem somos. A gente só
conversa por telefone quando acontece algum
problema. (E11)
A situação de preconceito e discriminação por
parte dos outros trabalhadores da empresa contratante
dificulta ainda mais as relações entre os dois grupos.
Essa relação retrata o campo de forças (BOURDIEU,
1989) em que os sujeitos têm seu espaço delimitado e
socialmente estruturado. Em outras palavras, terceiriza-
dos e efetivos ocupam diferentes posições e lutam para
mudar ou manter seus limites e espaço. Todos esses
aspectos apontados reforçam a diferenciação entre
trabalhadores efetivos e terceirizados, de forma que
o que implicitamente se caracteriza como trabalhador
de primeira e de segunda categoria, explicitamente,
dificulta a convivência social e a identidade de classe
entre o grupo e, como consequência, desestrutura o
coletivo no trabalho. (ANTUNES, 2000)
88 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
Apesar das situações negativas relatadas, quando
se questionam os entrevistados da ZX sobre as relações
interpessoais no trabalho, os entrevistados E11 e E04
verbalizaram numa relação semântica de contraste
ter um bom relacionamento com todos. Eles destaca-
ram que procuram ser bons colegas de trabalho; que
possuem uma grande ligação com os demais da ZX,
entretanto, quando surgem alguns problemas, eles ten-
tam contornar a situação mesmo que para isso tenham
que esconder seus sentimentos ou “engolir sapo”. A
“arte de engolir sapos” tem uma razão implícita: a per-
manência no emprego e a garantia de sobrevivência.
Uma vez mais fica evidente a submissão a determinada
condição longe da idealizada para garantir o emprego.
Pela AD, percebe-se, ainda, que a condição de “infe-
rioridade” dos trabalhadores terceirizados perante os
efetivos faz com que eles demonstrem uma condição
de submissão inclusive com os pares.
Não tenho problemas de relacionamento
com ninguém. É lógico que, às vezes, sur-
gem alguns probleminhas, a gente tem que
engolir alguns sapos, mas a gente acaba
contornando. Não adianta levar tudo a
ferro e fogo, que aí não conseguimos parar
em emprego nenhum. Temos que aprender a
engolir sapo para sobreviver. (E11)
Meu relacionamento é bom. Como vou te
falar... é profissional. Com os outros colegas
da ZX que trabalham aqui estou me dando
bem. Alguns, eu já conhecia, mas a maioria não.
Mas nosso convívio é só aqui no trabalho
mesmo. (E04)
Mesmo quando a identificação com o grupo
da ZX é apontada como positiva, não é vista como
duradoura, uma vez que é fragmentada pela natureza
flexível da atividade exercida e pela grande rotativi-
dade da ZX. Essa situação é amenizada quando, em
determinados momentos, permanecem num mesmo
local por vários meses.
Fica mais fechado no grupo da ZX mesmo.
Mesmo neste grupo é estranho pois muda-
mos muito de empresa e entra e sai muita
gente. Então são poucas as pessoas que têm
mais tempo como eu. (E06)
Com o grupo da ZX, nos damos muito
bem. Principalmente agora que estou há 9
meses com o mesmo grupo, o que é uma
coisa bem legal. Mas com os outros, sim-
plesmente não existe, pois mal conversam
com a gente. O que foi muito difícil foi ficar
trabalhando um pouquinho em cada empresa,
como quando eu entrei. (E08)
Os enunciados de E06 e E08 reforçam a dificulda-
de de socialização decorrente da alta rotatividade e do
trabalho temporário. A ausência da socialização, aliada
à desqualificação do trabalho terceirizado contribui
para a falta de identificação, culminando no projeto
de realização profissional por meio de promoção ao
cargo de supervisor ou contratação no quadro efetivo
de uma empresa maior.
Esta foi a discussão que tentou-se realizar até o
momento, ao identificar os três principais percursos
revelados pela análise de discurso: o significado do
trabalho, o desejo de pertencer ao quadro efetivo da
empresa e as relações sociais nos locais de trabalho.
A análise de discurso mostrou a reafirmação de temas
e figuras do trabalho relacionado a dinheiro, fonte de
renda, compras, sustento e sobrevivência. Com isso,
foi possível observar interdiscursos do trabalho como
meio para sobrevivência e como meio para a realiza-
ção dos sonhos e ascensão profissional. O sonho de
pertencer aparece em temas como trabalhar numa
empresa maior, receber treinamento, ir progredindo,
mais benefícios, cesta básica, ônibus próprio. As rela-
ções sociais no trabalho são quase inexistentes na ZX
e marcadas pelo preconceito e pela discriminação com
os trabalhadores das empresas contratantes.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho investigou-se a construção da
identidade dos trabalhadores terceirizados que pres-
tam serviços em ambientes produtivos diversificados
em curto espaço de tempo. Espera-se que as análises
realizadas possam contribuir para o debate sobre a
relação de trabalho contemporânea, refletindo sobre
a importância dos discursos apontada por Fairclough
(2003) que, além de representarem o mundo como
ele é, são também projetivos, imaginários, represen-
tando possíveis mundos que são diferentes do atual e
encontram-se vinculados a projetos de mudança do
mundo em determinadas direções. Para esse autor,
os discursos constituem parte dos recursos que as
pessoas usam para se posicionarem frente aos outros,
89
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
seja mantendo-se separadas, cooperando, competindo
ou dominando. Nesse sentido, buscou-se estabelecer
relações entre a terceirização, o mundo do trabalho e
a construção identitária de trabalhadores terceirizados
por meio de um estudo de caso. Para tanto, investig ou-
-se a centralidade do trabalho na vida dos terceirizados,
o significado que esse trabalho assume na vida do
trabalhador, como ele pensa seu futuro profissional e
como se dá a relação com os empregados da empresa
terceirizada e com as outras pessoas no ambiente de
trabalho.
Ao aplicar o método de estudo de caso e a técnica
de análise de discurso, constatou-se que a imagem que
os entrevistados construíram de si e de seu trabalho é
negativa, culminando no sonho de pertencer à empresa
na qual prestam serviço esporádico. Eles se sentem
discriminados e excluídos pelos trabalhadores efetivos.
Essa diferenciação foi retratada a partir da análise de
várias formas simbólicas. A relação deles com os tra-
balhadores efetivos pode ser considerada um campo
de forças em que cada sujeito busca exercer o poder
e demarcar politicamente o seu espaço. Todas essas
constatações culminam na fragmentação da identidade
de classe em função do trabalho terceirizado.
Assim, embora os resultados do estudo não
possam ser generalizados além do caso pesquisado,
eles podem ajudar a propor algumas ideias e reforçar
outras. Para uma análise mais profunda da questão,é
preciso ouvir o que os trabalhadores efetivos têm a
falar sobre os entrevistados no sentido de verificar
suas percepções, principalmente no tocante aos re-
lacionamentos no ambiente de trabalho e à presença
dos terceirizados nesse espaço.
Este estudo contribui para reforçar a ideia de que
a terceirização cria distinções no ambiente de trabalho
e consequentemente gera diferenciações na construção
social da identidade desses trabalhadores. A análise
revelou alguns interdiscursos, por exemplo, foi possível
observar o trabalho como meio para sobrevivência,
como visível e valorizado, contrapondo-se ao trabalho
terceirizado como desvalorizado, ofuscado, instável, in-
ferior, estranho – devido à falta de socialização, e à alta
rotatividade. Como discutido por Fairclough (2003),
diferentes discursos revelam diferentes perspectivas
de mundo e associam-se às diferentes relações que
as pessoas possuem com o mundo. Portanto, não é
de se estranhar que esse mesmo trabalho terceirizado
seja também visto como aquele que pode possibilitar
a realização de um sonho – o da ascensão profissional
tão perto e tão longe desses trabalhadores.
Com isso, fica notória a impessoalidade na
terceirização. O trabalhador que vive do trabalho
terceirizado, apesar de nutrir o sonho de pertencer de
forma permanente ao quadro da empresa tomadora,
com raríssimas exceções realizará seu intento. Ele será
sempre alijado, um estranho no ninho, cuja participa-
ção será sempre ocasional em trabalhos secundários.
Assim, verifica-se, senão a perda, pelo menos uma
fragmentação na identificação destes trabalhadores
com os grupos sociais aos quais pertencem no mundo
do trabalho, devido à inexistência de um contrato psi-
cológico que sustente a relação organização-indivíduo.
Essa perda pode gerar tanto a perda da identidade
coletiva, como uma crise com repercussões para os
próprios trabalhadores terceirizados, para a empresa
contratante e a contratada, levando a um novo tipo
de trabalhador marginal.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a
afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.
2000.
ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense universitária, 2000.
BAKHITIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 6.
ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
BAUER, M. A. L.; MESQUITA, Z. Organizações sociais e
agroecologia: construção de identidades e transformações
sociais. Revista de Administração de Empresas, São
Paulo, v. 48, n. 3, set., 2008.
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social
da realidade. 21. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,
2002.
BEZERRA, P. Polofonia. In: BRAIT, B. Bakhitin: outros
conceitos chaves. São Paulo: Contexto, 2007.
BIHR, A. Da grande noite à alternativa: o movimento
operário europeu em crise. 2. ed. São Paulo: Boitempo,
1999.
90 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/;3. "cdt"4234
Xcnf‌itkc"fc"In„tkc"Rgtgktc"Dtkvq"̋"Cftkcpc"Xgpvqnc"Octtc"̋"Cngzcpftg"fg"Rƒfwc"Ecttkgtk
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989.
BREWER, M. B.; GARDNER, W. Who is this we? Levels
of collective identity and self representation. In: HATCH,
M. J; SCHULTZ M. (Ed.) Organizational identity: a
reader. New York: Oxford University, 2004.
BRITO, M.J. M. et al. Traços identitários da enfermeira-
gerente em hospitais privados de Belo Horizonte.
Saúde soc. [online], Brasil, v. 17, n. 2, p. 45-57, 2008.
Disponível em: .br/scielo.php>. Acesso
em: 17 jun 2009.
CARRIERI, A. P.; PAULA, A. P. P.; DAVEL, E. Identidade
nas organizações: múltipla? Fluida? Autônoma? In:
Revista Organizações & Sociedade, Salvador, v. 15,
n. 45, abril/junho, 2008.
CASTEL, R. As metamorfoses da questão social:
uma crônica do salário. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
CORIAT, B. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de
trabalho e organização. Rio de Janeiro: UFRJ/Revan,
1994.
DRUCK, G. A perda razão social do trabalho:
terceirização e precarização. São Paulo: Bomtempo, 2007.
DRUCK, G. da.Terceirização: (des)fordizando a fábrica:
um estudo do complexo petroquímico. São Paulo:
Boitempo Editorial, 1999.
DRUCK, G.; FRANCO, T. Terceirização e Precarização: o
binômio anti-social em indústrias. In: A perda da razão
social do trabalho: terceirização e precarização. São
Paulo: Boitempo, 2007.
DUBAR, C. A Socialização. A construção das
identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
FAIRCLOUGH, N. Analyzing discourse: textual analysis
for social research. Routledge: London, UK, 2003.
FARIA, A. A. M. de; LINHARES, P. T. F. S. O preço
da passagem no discurso de uma empresa de ônibus.
Cadernos de Pesquisa do NAPQ, Belo Horizonte, 13,
32-38, 1993.
FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. 7. ed. São Paulo:
Ática, 2003.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1979.
GODOI, C. K.; BALSINI, C. P. V. A pesquisa qualitativa
nos estudos organizacionais brasileiros:uma análise
bibliométrica. In: Pesquisa qualitativa em estudos
organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos.
São Paulo: Saraiva, 2006.
HABERMAS, J. A nova intransparência. Novos Estudos
Cebrap, São Paulo, n. 18, setembro, 1987.
MACHADO, H. V. A identidade e o contexto
organizacional: perspectivas de análise. Revista de
Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 7,
p. 51-73, 2003.
MAHIERIE, K. Constituição do sujeito, subjetividade e
identidade. Revista Interações, São Paulo, v. 2, n. 13,
p. 31-44, 2002.
MELO, M. C. O. L. O. Estratégias do trabalhador
informático nas relações de trabalho. 406fls. Tese
(Professor titular) – Faculdade de Ciências Econômicas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
1991.
MERRIAN, S. B. Qualitative Research and case
study in applications in education. San Francisco:
Allynand Bacon, 2002.
REIMANN, M. F. Cid adania e contratos atípicos de
trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2002.
SAINSAULIEU, R. Sociologia da empresa:
organização, cultura e desenvolvimento. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997.
SENNETT, R. A corrosão do caráter: conseqüências
pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro/
São Paulo: Record, 1999.
SIMPSON, B.; CARROLL, B. Re-viewing‘Role’ in
processes ofidentityconstruction. Organization, v. 15
(1), p. 29-50, janeiro, 2008.
91
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"99/ ;3."cdt"4234
Rtƒvkecu"Fkuewtukxcu"fg"Vtcdcnjcfqtgu"Vgtegktk¦cfqu"g"Eqpuvtw›gu"Uqekcku"fc"Kfgpvkfcfg"fg"Gzenwu«q
SPINK, M. J. (Org). Práticas discursivas e produção
de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e
metodológicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
YBEMA, S. et al. Articulating identities. Human
Relations, London, v. 62, p. 299-322, Mar. 2009

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT