Discriminação - Dano moral - Indenização - Racismo

AutorJuiz Paulo César dos Santos
Páginas83-89

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SENTENÇA RELATÓRIO

David Leandro Gonçalves Teixeira procurou a ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA para resolver o conflito de DIREITO MATERIAL DO TRABALHO com a empresa ESTDP Comércio e Participações Limitada, através da presente RECLAMAÇÃO TRABALHISTA, na qual afirmou, em resumo, a formação de contrato de emprego com a reclamada, que não efetuou a anotação corretamente na caderneta de trabalho. Atuou profissionalmente em regime de sobrejornada habitual sem a devida contraprestação pecuniária e, foi ofendido em sua esfera personalíssima por colaborador da acionada. Exigiu a satisfação de direitos pecuniários trabalhistas. A petição inicial recebeu documentos.

Devidamente citada da demanda a reclamada apresentou contestação escrita aos pedidos. A peça de rebate recebeu documentos.

O reclamante efetuou manifestação sobre a defesa.

Foi realizada audiência de instrução na qual os litigantes e testemunhas prestaram declarações objetivando o esclarecimento dos fatos controvertidos.

A reclamada ofertou razões finais.

As propostas conciliatórias foram afastadas pelas partes.

FUNDAMENTAÇÃO

INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

Desnecessária a indicação da motivação da condenação da reclamada em honorários, uma vez que, consoante análise integral da exordial, a verba decorre da situação objetiva de sucumbência da pessoa jurídica.

RELAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGO URBANO

A realização de labor pelo autor em momento anterior ao registro recebeu da reclamada impugnação, que exigiu a produção de prova oral, que não foi favorável ao demandante, considerando que a sua testemunha prestou serviços por quatro meses, sem indicar o termo inicial.

É o pedido rejeitado pelo órgão judicial.

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VALE TRANSPORTE

A exigência do autor em receber indenização complementar esbarra na situação de sua própria testemunha ter declarado que foi beneficiário da vantagem legal, além de o informante, ter indicado em seu depoimento que o laborista compareceu, em alguns momentos, com capacete no estabelecimento empresarial.

Os fatos evidenciam o cumprimento da obrigação pela acionada.

HORAS EXTRAORDINÁRIAS, ADICIONAL NO-TURNO, FERIADOS E DOMINGOS

O autor denunciou na petição inicial a prestação laboral sete dias por semana com duas folgas mensais nos horário das 9 às 24h, com uma hora para refeição nos dias de domingo a quarta-feira e das 9 às 2h, com uma hora de intervalo, de quinta a sábado.

No congresso processual o reclamante alterou, parcialmente, os fatos contidos na exordial, visto que, relatou labor no horário das 9 às 2h de domingo a quarta-feira, com quinze minutos para refeição e, nos outros dias, a existência de uma hora para refeição.

A preposta afirmou no mesmo momento processual, o labor do autor das 9 às I7h durante a semana e, nas sextas e sábados o horário das 9 ou meio dia até 23/24.

Os cartões de ponto que seguiram com a defesa indicam que o autor na semana de 26/09 a 30.9.2008 prestou serviços nos horários das 09h06/llh49 às22h52/00h18.

Diante da contradição entre o depoimento do autor e de sua testemunha, esta, tendo indicado como termo inicial do labor do demandante o horário das llh, emprestando homogeneidade temporal que desafia a Súmula n. 338 do C.TST, impõe-se, decisivamente, reconhecer a regularidade das inscrições constantes nos controles, que demonstram congruência com os recibos presentes nos autos.

Os dias de feriados e domingos receberam da reclamada tratamento jurídico de horas suplementares. Entretanto, apesar dela ter afirmado que o autor começou a trabalhar em 1º de julho de 2008, não trouxe aos autos os controles de horário correspondentes.

Conseqüentemente, prevalecem os horários de trabalho descritos na exordial nos lapsos nos quais não foram exibidos controles.

Compreendido labor suplementar como aquele executado pelo (a) contratante (a) em nível superior a oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, o que lhe for mais favorável, se verifica que ele (a) superou os referidos limites assumindo a posição jurídica de credor (a) de horas extraordinárias. O adicional a ser aplicado ao trabalho em sobrejornada é de 50% (cinqüenta por cento) mencionado no art. 7º, inciso XVI, da Constituição da República

Federativa do Brasil editada aos 5.10.1988. Tem o autor, também, direito subjetivo ao adicional noturno.

Os dias de domingos do período sem controle de horário ocasiona para a acionada o adimplemento em dobro, consoante Lei Federal n. 605/49. Não os feriados, porque nenhum daqueles indicados na peça primitiva integram o lapso omitido pela demandada.

Os pedidos são acolhidos pelo ente estatal, porém, de forma parcial.

REFLEXOS

A nota jurídica da habitualidade das prestações variáveis concedidas ao autor pela presente sentença, não está presente. É inviável a repercussão delas nas prestações remuneratórias e resilitórias.

DANO MORAL

O autor noticiou na petição inicial que no dia 20 de fevereiro de 2009 às 22h30 a pessoa natural Evaldo dos Santos o ofendeu com as seguintes palavras: "Preto tem de trabalhar apanhando de chicote, o pagamento tem que ser comida, à noite tem que dormir amarrado" e que tinha "raiva da Princesa Isabel que libertou os pretos".

A cópia do Boletim de Ocorrência lavrado na Quarta Delegacia de Campinas no dia 21 de fevereiro de 2009 retrata a seguinte situação narrada pelo autor:

"Noticiando que trabalha no Restaurante denominado Empório Santa Terezinha, como Bar-man, sendo que na data de ontem, Evaldo dos Santos, chefe do Bar, sem motivo algum o injuriou, dizendo-lhe que "Preto tem que trabalhar apanhando de chicote, o pagamento tem que ser comida, a noite tem que dormir amarrado, que ele tem raiva da Princesa Isabel que libertou os pretos. Vítima orientada quanto ao prazo de seis meses para representação".

O autor lançou a sua assinatura no referido documento.

A reclamada esclareceu, na defesa, que o ofensor não foi gerente da acionada. E ainda, que ela não teve conhecimento dos fatos representativos da ofensa moral.

Investigar a existência de discriminação racial dentro de um contexto legal, que nem sempre procura neutralizar, de forma eficiente, as contradições sociais, desafia, de forma profunda, o Poder Judiciário, com destaque para a Justiça do Trabalho, porque a prestação laboral em nossa sociedade assume fator de expiação para a grande maioria dos empregados, detentores de salário que não atinge três mínimos federais ou em igual quantidade fixados por Estado membro da Federação Brasileira.

A diáspora negra tem início com o tráfico na África. Em muitas sociedades africanas, havia grande contingente de escravos, com destaque para os tuaregues. No século

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XV quando os portugueses chegaram ao litoral africano, a transferência forçada de negros para o trabalho nas Américas, assumiu fonte de elevados lucros. Milhões deles foram obrigados a trabalhar em outras terras. Nestas, passaram a ser objeto de segregação e de tratamento desigual.

A exemplo de seus congêneres - diz Hédio Silva Júnior, "Entre os quais antissemitismo, a xenofobia e o chauvinismo, o racismo, guardadas as devidas proporções, consiste em um fenômeno histórico cujo substrato ideológico preconiza a hierarquização dos grupos humanos.

Diferenças meramente culturais e ou fenotípicas são utilizadas como justificações para atribuir desníveis intelectuais e morais aos seres humanos, a partir do que estes passam a ser classificados em grupos raciais" (DIREITO DE IGUALDADE RACIAL. SÃO PAULO: JUAREZ DE OLIVEIRA, 2002, p. 18 - 19).

A presença de indivíduos de pele escura na sociedade brasileira provocou a ideologia do branqueamento, forma engendrada pela elite nacional branca. Estranho que, um de seus defensores tenha sido mulato, Oliveira Viana, consoante esclarece Thomas E. Skidmore: "A tese do branqueamento deve sua formação mais sistemática na década de 20 a Oliveira Viana - o advogado e historiador que se tornou um dos mais lidos intérpretes da realidade brasileira na fase entre as duas guerras. Tinha estudado direito no Rio, como era tradicional, mas logo se fez crítico feroz da cultura imitativa a que fora educado. Nascido no Estado do Rio de Janeiro, é descrito pelos contemporâneos como...

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