A disciplina legal da jornada de trabalho

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas205-223

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1. Jornada de trabalho

A jornada de trabalho é estudada sob a ótica da tutela da proteção ao empregado. É uma questão histórica. Logo no início do capitalismo, a jornada durava enquanto o dia estivesse claro ou ainda quando a penumbra permitisse a produção. Nos países do norte, como o dia é maior, pois às cinco da manhã já há claridade e ela se projeta até praticamente às dez da noite, normalmente era esse o porte da jornada daqueles tempos.

Nos ambientes fechados, era normal a utilização de fogo ou tochas para que a jornada prosseguisse. Quando inventaram o lampião de gás, ficou mais fácil para que as jornadas fossem aumentadas e depois o trabalho não mais se interrompesse. A jornada podia ser dobrada - inclusive com outros turnos - e a produtividade aumentada. Obviamente, a jornada de trabalho nessas condições era torturante e por isso a sua redução passou a ser uma das mais importantes reivindicações da classe trabalhadora em todos os tempos.

2. Conceito de jornada de trabalho - teorias

Na doutrina, as teorias mais difundidas com relativas modulações e que buscam conceituar a jornada de trabalho são as seguintes: a) tempo efetivamente trabalhado; essa teoria afirma que jornada é o período que o trabalhador permanece trabalhando na empresa. Essa teoria é excessivamente radical porque há situações que podem provocar fragmentação involuntária da jornada; b) tempo à disposição do empregador; que compreende como jornada de trabalho não somente o período de trabalho produtivo, mas também o tempo que permanecer à disposição do patrão aguardando o preparo da máquina, por exemplo. Não há dúvida que o lapso de tempo à disposição é o necessário e breve, mas igualmente remunerado. Nessa teoria, os intervalos estão implícitos na jornada; c) tempo de trabalho e deslocamento; no qual estão compreendidos o período de produção efetiva e o tempo gasto com o deslocamento - in itinere - da residência até o posto de trabalho.

Considerando que as horas in itinere são objeto de controvérsia nas empresas, na justiça e nas salas de aula, vejamos o que definiu a justiça laborai:

"Súmula n. 90

HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO, (incorporadas as Súmulas ns. 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais ns. 50 e 236 da SBDI-1) - Res. n. 129/2005-DJ 20.4.2005.

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I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula n. 90-RA n. 80/78, DJ 10.11.1978)

II -A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere". (ex-OJ n. 50 - Inserida em 1.2.1995)

III-A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere". (ex-Súmula n. 324 - RA n. 16/1993, DJ 21.12.1993)

IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula n. 325 - RA n. 17/1993, DJ 21.12.1993)

V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ n. 236 - Inserida em 20.6.2001)"

O art. 45 da CLT manda considerar "como serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada". Por outra parte, a Lei n. 10.243, de 19 de junho de 2001, acrescentou o § 2° no art. 58 da CLT prescrevendo que o tempo gasto em transporte não integra a jornada, "salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer condução". No mesmo sentido, a Súmula n. 320 do TST reforça o pagamento do deslocamento nestas condições.

O § 3a do art. 58 da CLT foi alterado pelo Estatuto (Lei Complementam. 123/06) da Micro e Pequena Empresa. Essa norma autoriza, por meio das negociações coletivas sindicais, que seja estabelecido um período médio de deslocamento, nas localidades sem transporte coletivo e de difícil acesso para os empregados dessas empresas especiais.

A jurisprudência do TST, consubstanciada na Súmula n. 90 e seus cinco itens, defere o tempo gasto em transporte nos locais de difícil acesso, incompatibilidade de jornadas, aquelas que terminam em horários sem a circulação de qualquer meio de transporte e, inclusive, os trechos sem transporte. Complementa a Súmula impondo o adicional de horas extras quando a soma do tempo de trabalho e o do transporte extrapola os limites da jornada normal. Percebemos, desse modo, que no Brasil acatamos a teoria "b", estando implícita a teoria "a"e parcialmente a teoria "c". Vejamos. Adotamos a tese de que o tempo de trabalho é jornada da teoria "a", exceto a parte relativa aos intervalos, muitos dos quais não compõem a jornada. Acatamos totalmente a teoria "b", que trata do tempo à disposição e boa parte da teoria "c", pois tanto a lei quanto a jurisprudência acolhem que pelo menos os locais de difícil acesso ou sem

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transporte e os casos de incompatibilidade entre jornada e transporte sejam integrados e remunerados como jornada. Extrapolando o limite legal da jornada, deverá ser pago o adicional de horas extras.

3. A jornada normal de trabalho no Brasil

A Constituição Federal define que a jornada no país é a seguinte: "duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho" (inciso XIII do art. 7a da CF). Ajornada semanal vai de segunda--feira até o sábado. Isso significa que a jornada diária contando com o sábado será de 7 hs e 20'. Quem não trabalha no sábado estará compensando esse dia. Trabalhará um tempo adicional de segunda a sexta-feira e estará livre no sábado, se não tiver de fazer horas extras, as quais estudaremos adiante. Lembraria o chamado regime de tempo parcial estudado em tópico próprio, para o qual remeto o leitor.

Saliente-se que não comporão a jornada diária de trabalho as "variações" registradas no ponto ou cartão ou sistema de controle de jornada "não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários" (§ 1a do art. 4a da CLT). Pequenos atrasos nas chegadas ou saídas antecipadas ou postergadas não são suficientes para horas extras ou descontos. Porém, a conduta relativa ao horário tem de ser exemplar. Atrasos maiores por motivo de força maior (enchente, trânsito, transporte, entre outras áleas) têm disciplina própria e são justificáveis, embora o empregador possa exigir atestado da álea fática alegada pelo empregado.

4. Turnos ininterruptos de revezamento

O inciso XIV do art. 7a da Constituição Federal determina "jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva". Significa que o revezamento, isto é, trabalho com jornadas que variam na manhã, tarde e noite, não poderá superar seis horas. Isso significa que a empresa, se quiser trabalhar sem interrupção, deverá ter quatro turmas de seis horas, obedecidas as regras para jornadas com essa duração. Por exemplo: 6h às 12h; 12h às 18h; 18h às 24h e 24h e as 6h. Nunca esquecendo que a jornada nas áreas urbanas entre as 22h e as 5h tem a duração de 52' e 30". Não esquecer que na agricultura e na pecuária as jornadas noturnas são diferentes, conforme veremos adiante.

A controvérsia que havia relativamente à não aplicação da disciplina constitucional aos empregados em jornadas de revezamento com intervalos de almoço e descansos semanais resultou pacificada com a edição do Enunciado n. 360 do TST: "A interrupção do trabalho destinada a repouso ou alimentação, dentro de cada turno, ou o intervalo para repouso semanal, não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de seis horas previsto no art. 7a, inciso XIV, da Constituição da República de 1988".

A saída encontrada por muitas empresas para se verem livres da redução de jornada e contratação de mais uma turma de seis horas foi tornar fixos os turnos desses

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empregados, sacando o sistema de revezamento. Desse modo, os empregados que trabalharem em turnos noturnos, por exemplo, permanecerão indefinidamente nessa situação. Cumpre lembrar que a Medicina do Trabalho não recomenda a fixação de turnos, exatamente para impedir o desconforto e a insociabilidade desse formato de jornada, considerada danosa à saúde e à família do trabalhador. Aliás, esses foram os motivos que levaram os constituintes a reduzir a jornada dos turnos ininterruptos de revezamento.

5. Prorrogação da jornada normal de trabalho: acordo ou cláusula contratual coletiva

O art. 59 da CLT autoriza a realização de "horas suplementares"181 mediante acordo escrito entre as partes, o chamado acordo de prorrogação de jornada ou horas de trabalho. A lei permite que essa prorrogação seja negociada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho. Ao...

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