Direitos Humanos

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas69-89

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5.1. Generalidades

A expressão "direitos humanos" tem significado impreciso, o que de resto não constitui novidade, no campo dos escritos jurídicos. O direito se vale da linguagem comum para expressar seus conceitos e transmitir o conteúdo de suas normas aos destinatários. Não existe - salvo em casos específicos, quando necessário o emprego de termos técnicos - linguagem própria, exclusiva de direito.

A linguagem comum é constituída de um conjunto de símbolos necessários à comunicação dos homens entre si, sendo a comunicação uma interação simbólica, cujo significado é por eles previamente estabelecido e aceito.

A utilização, em temas jurídicos, de palavras correntes na linguagem comum exige uma cuidadosa aclaração de seu significado, sob pena de desentendimento, incompreensão ou perplexidade, já que, no plano semântico, surgem três problemas: 1º - a ambiguidade, também chamada de anfibologia ou sínquise, que consiste na possibilidade de mais de um sentido para a mesma frase ou período; 2º - a vagueza (vaguidão ou vaguidade), que se revela quando se instaura uma zona de penumbra, caracterizada pela falta de precisão, entendida esta como o emprego da palavra ou da construção mais exata na expressão de uma ideia; 3º - a acirologia, que resulta de improbidade da expressão: maneira de falar imprópria. Há que se praticar a acribologia, isto é, propriedade, rigor e precisão no estilo1.

5.2. Noção de direitos do homem

A noção de direitos do homem é ao mesmo tempo conotativa e reducionista.

Conotativa, porque marcada por sua mais célebre manifestação, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, da França, que evocava os "direitos naturais, inalienáveis, e sagrados do homem". Sua utilização por textos internacionais, como a Declaração

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Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas, justifica-se pela necessidade de pôr em evidência o que há de comum na natureza humana. A última declaração, a expressão é menos restritiva do que na outra. Em 1789, ela não abrange os direitos políticos, que são os direitos do cidadão, nem os direitos econômicos e sociais. O perímetro da expressão alargou-se no tempo, pois a declaração de 1948 compreende essas duas categorias.

Reducionista, porque ela não permite apreender os direitos reconhecidos aos grupos, personificados ou não.

A utilização dessa expressão é, por outro lado, contestada por algumas ONGs, (Anistia Internacional, Human Rights Watch, entre outras), em nome da luta pela igualdade entre homens e mulheres. E incorreria numa dupla impropriedade: histórica e linguística. Em 1789, ela seguramente não alcançava as mulheres, então mantidas num estado de inferioridade (privação do direito de voto, incapacidade civil relativa, desigualdade de situações jurídicas e de remuneração). No plano semântico, o emprego da palavra homem para designar as pessoas dos dois sexos seria produto histórico de uma vontade de hierarquizar as formas masculina e feminina. Propõe-se então, substituir a expressão direitos do homem por outra, neutra no plano sexual, qual seja, direitos humanos2.

5.3. Noções de direitos humanos

Em 1747, o publicista político Burlamaqui escrevia, em seus Princípios de direito natural, que o direito natural procede da razão humana e reveste-se de uma antiguidade luminosa proveniente da natureza do homem: "A ideia do direito, e mais ainda do direito natural, são manifestamente ideias relativas à natureza do homem. E, portanto, da própria natureza do homem, de sua constituição e de seu estado que se deduzem os princípios desta ciência"3.

A expressão direitos humanos é, sem dúvida, vaga. Essa vagueza deriva de sua função histórica, que enforma um critério a aferir a legitimidade de um modelo político. Uma das mais difundidas versões dos direitos humanos é a da realização dos direitos naturais de cada pessoa pelo fato de ser pessoa. Eles devem ser entendidos como "aqueles que são fundamentais da pessoa em seu aspecto individual e comunitário. Assistem-na em razão de sua natureza e devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder ou autoridade e

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toda norma jurídica positiva, sendo indispensáveis ao livre desenvolvimento da personalidade"4. São anteriores às normas jurídicas e, portanto, o direito positivo tem a missão de reconhecê-los e garanti-los.

Concebidos pela escola moderada do direito natural graças à herança filosófica do estoicismo e do cristianismo, os direitos humanos foram considerados naturais pela metafísica subjetivista do iluminismo e proclamados pela Declaração de 26 de agosto de 17895.

5.4. Direitos humanos, direitos naturais, direitos fundamentais

A expressão direitos humanos, direitos naturais e direitos fundamentais têm uma raiz comum situada na Idade Moderna. Correspondem a uma corrente individualista e antropocêntrica, oposta à cultura objetivista e comunitária própria da Idade Média6. Alguns autores, empregam esses termos como sinônimos. Assim é que, para John Finnis, direitos humanos é uma expressão contemporânea que se refere aos direitos naturais, razão pela qual ele usa esses termos como sinônimos7. Pérez Luño afirma que os termos direitos humanos e direitos fundamentais são utilizados, muitas vezes, como sinônimos8.

É certo, porém, que esses termos expressam realidades distintas.

Com o emprego da expressão direitos humanos, alude-se a pretensão oral, que deve ser atendida para que seja possível uma vida uma digna. Mas as definições de direitos humanos, segundo a lição de Pérez Luño, são de três tipos: 1º - tautológicas: não acrescentam qualquer elemento novo que permita caracteriza tais direitos (ex.: "direitos do homem são os que cabem ao homem pelo fato de ser homem"); 2º - formais: não especificam os conteúdos dos direitos, limitando-se a indicar seu estatuto desejado (ex.: "direitos do homem são aqueles que assistem ou devem assistir todos os homens, dos quais homem algum pode ser privado"); 3º - teleológicas: Aludem a certos valores últimos, suscetíveis de variadas interpretações

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("direitos do homem são os imprescindíveis ao aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o progresso social")9.

O uso da expressão direitos naturais se identifica como uma posição jusnaturalista. Desde os fins do século XVII, filósofos, juristas e teólogos formularam a ideia de direitos do homem como núcleo de um direito natural contemporâneo e as revoluções burguesas dos fins do século XVIII os proclamaram solenemente10. O Direito Natural, segundo a lição de Hermes Lima, compreende "os princípios que, atribuídos a Deus, à razão, ou havidos como decorrentes da natureza das coisas, independem de convenção ou legislação, e que seriam determinantes informativos ou condicionantes das leis positivas"11. Direitos naturais do homem são aqueles que, anteriores ao Poder e ao direito positivo, são descobertos pela razão na natureza humana e se impõem a todas as normas jurídicas criadas pelo Soberano, constituindo um limite a sua ação.

Como se percebe na utilização das expressões direitos humanos e direitos naturais, revela-se a tomada de posições ideológicas que, no curso da história do pensamento jurídico, apresentam um antagonismo permanente, nomeadamente jusnaturalista e a positivista.

Enquanto o uso da expressão direitos humanos denota os direitos que, no plano internacional, traduzem exigências morais ou naturais reclamadas como direitos básicos, os direitos fundamentais caracterizam-se como direitos humanos positivados no plano estatal, vale dizer, garantidos e reconhecidos pela constituição e pelas leis ordinárias. Os direitos humanos não se distinguem dos direitos fundamentais pela finalidade, já que tanto uns como os outros visam a defender e promover a dignidade das pessoas, mas deles diferem pela circunstância de que os primeiros revelam uma vocação universalista (abrangem todos os ordenamentos em todos os tempos), enquanto os outros vigoram numa ordem jurídica concreta, situada no tempo e no espaço. O principal traço distintivo entre eles, contudo, é o já apontado fato de que, como afirmado de modo quase unânime pela doutrina especializada, os direitos humanos não são, de modo geral, positivados, ao passo que os direitos fundamentais são direitos regulados pelo ordenamento jurídico vigente ao dado momento histórico, em determinado Estado. Pode entender-se, de certa forma, que os direito fundamentais resultam do processo jurídico de institucionalização dos direitos humanos12.

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5.5. A fundamentação ética dos direitos humanos

Em sua penetrante análise das relações entre justiça e moral, Herbert L. Hart destaca as características distintivas do direito, como meio de controle social. Surgem, nessa disceptação, componentes que não podem ser considerados a partir das ideias de ordem, cominação, obediência e generalidade. Afirma ele que entre o direito e a moral existe uma vinculação necessária. É este veículo que deve ser levado em conta quando se procura clarificar a noção de direito13.

Discutível é - segundo sua lição - a legitimidade dos sistemas jurídicos nacionais apoiados no efetivo completo de polícia, legislador e juiz, porém infensos a certas exigências fundamentais de justiça e moralidade. Entre numerosas variantes da tese de que existe um vínculo necessário entre direito e moral, a formulação mais clara - talvez...

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