Direitos Fundamentais dos Trabalhadores

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas241-254

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5.1. Generalidades

Interessam-nos, aqui, apenas os direitos fundamentais dos trabalhadores, o que não significa que a pessoa jurídica não possa ser também titular de direitos fundamentais. É inegável que os direitos fundamentais, em princípio, possam ser estendidos à pessoa jurídica, uma vez que se observe a conjunção de duas dimensões: a) a natureza do direito e, via de consequência, a possibilidade de seu exercício pela pessoa jurídica; b) a natureza da pessoa jurídica, os fins que ela persegue e sua vinculação a determinado direito fundamental1.

Mas - repita-se - este assunto não será aqui desenvolvido. Serão tratados, exclusivamente, os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Os direitos fundamentais se aplicam aos trabalhadores considerados em uma dupla dimensão: como cidadãos na polis e como sujeitos de uma relação de trabalho subordinado.

5.2. Como cidadãos na polis

É certo que o objeto do contrato de trabalho não é a pessoa do trabalhador, mas sua atividade. Não menos certo, porém, é que não se pode separar o trabalho da pessoa daquele que o presta. A impossibilidade de separar o trabalho da pessoa do trabalhador é o primeiro dado sobre o qual se baseia o critério objetivo que caracteriza a subordinação2. Fácil é concluir, portanto, que na execução do contrato de trabalho, o empregado reúne a dupla qualidade de titular de direitos fundamentais que lhe assistem como cidadão e de titular de direitos fundamentais aplicáveis estritamente no âmbito da relação de emprego. Ao inserir sua atividade laborativa na organização empresarial, o trabalhador adquire direitos decorrentes dessa nova posição jurídica, sem perder, contudo, aqueles de que era titular anteriormente. Em

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suas relações com o empregador, o trabalhador tem direitos que lhe assistem como pessoa3.

O direito é um sistema coerente, estruturado como a expressão de uma visão objetiva da justiça4. Neste sistema, posição essencial é ocupada pelos direitos fundamentais, que encontram espaço para aplicação também quando em jogo a relação de trabalho subordinado.

A implicação dos direitos fundamentais no sistema jurídico reveste importância considerável, pois, como é hoje pacífico, eles não se limitam a impor restrições ou limites aos poderes públicos. Ápice da ordem jurídica e expressão suprema dos valores axiológicos fundados sobre a dignidade da pessoa, os direitos fundamentais são dotados de irresistível supremacia jurídica, exercida sobre a integralidade do sistema. Para manter a coerência interna do ordenamento jurídico, é de rigor que os direitos fundamentais se apliquem ao conjunto desse ordenamento, não somente em face do poder público, mas também no âmbito das relações privadas e bem assim no sistema econômico5. A regulação das relações de trabalho não escapa ao raio de ação dos direitos fundamentais, elemento integrante que é do ordenamento jurídico. Como observa João Pedro Gebran Neto, os direitos fundamentais, parte integrante do ordenamento no qual se inserem (aplicado como um todo e não em tiras), alcançam também a ordem privada, protegendo os particulares contra atentados tanto do Estado quanto de outros indivíduos ou de entidades particulares6.

No Estado democrático de direito, os direitos fundamentais ocupam uma posição central dentro do ordenamento jurídico e vinculam diretamente, além do poder público, as entidades privadas. São o parâmetro dentro do qual devem ser interpretadas todas as normas que compõem o ordenamento jurídico7, inclusive aquelas voltadas para a regulação das relações de trabalho. Nesse contexto, assume especial relevo, no Brasil, a constitucionalização da valorização do trabalho humano (Constituição de 1988, art. 170), como fundamento da ordem econômica, a inspirar a adoção de

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medidas como a busca do pleno emprego (art. 170, inciso VIII) e a orientar o Estado no desenvolvimento de políticas aptas a proporcionar a distribuição equitativa da renda e bem assim o acesso a bens e serviços8.

5.3. Como sujeitos de relação de emprego

Como sujeito de uma relação de emprego, o trabalhador desfruta simultaneamente o gozo dos diversos direitos fundamentais, qualquer que seja a família de direitos a ser considerada. Em outras palavras, ele é titular ao mesmo tempo de todos os direitos agrupados em cada uma das seis famílias de direitos fundamentais. Em tempo e local de trabalho, embora submetido ao poder de direção do empregador em virtude do vínculo de subordinação, o empregado conserva sua qualidade de "homem livre". A relação de emprego não o priva de seus direitos e liberdades9. Vale, porém, observar que os direitos fundamentais se aplicam não somente aos trabalhadores subordinados (empregados, vale dizer, sujeitos de um contrato de emprego), mas também aos trabalhadores autônomos, aos parassubordinados, enfim, a todos aqueles que exercem uma atividade remunerada por conta de outrem ou de quem dependem do ponto de vista econômico.

Como resultado do impacto das novas tecnologias no campo da regulação das relações de trabalho, surge a tendência de substituir o critério da subordinação jurídica pelo de dependência econômica. A terceira revolução industrial (a chamada revolução tecnológica) e a globalização do mercado e da economia provocam o abandono do paradigma centrado na organização taylorista e fordista do trabalho, de tal sorte que se pode considerar superada a dicotomia subordinação/autonomia, com a emergência de novas formas de prestação de serviços ou o ressurgimento de antigas modalidades, contemporâneas do período pré-fordista: teletrabalho e trabalho em domicílio10.

Nessas novas formas de execução de trabalho, que podem ser denominadas pós-fordistas, importa menos a submissão técnica às ordens de outrem do que o fato de obter o ganha-pão das mãos de outrem, daí o renovado interesse pela noção de dependência econômica.

As novas tecnologias de informação e de comunicação proporcionam ao empregador meios de exercer minucioso e eficaz controle da atividade do empregado, velha aspiração patronal, em toda parte. Sem dúvida, as

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novas tecnologias ampliaram enormemente as possibilidades de controle do empregado por parte do empregador, no interior da empresa e até mesmo fora dela. A sofisticação dos meios de espionagem não dá trégua ao empregado, que sofre, em consequência, intrusão em sua vida particular. Cabe, porém, ao empregador a obrigação de respeitar a vida privada do trabalhador. Os princípios de confiança recíproca e de execução de boa-fé do contrato de trabalho impõem-lhe o dever de revelar ao empregado os meios de vigilância utilizados. As ações secretas, suscetíveis de ferir os direitos e as liberdades individuais do empregado, são condenáveis. O empregador não pode, sob pena de vulnerar os mencionados princípios, invadir a intimidade do empregado, violando-lhe a vida privada. Em contrapartida, ao empregador é facultado adotar medidas de segurança para a proteção tanto do fluxo de entrada quanto de saída de dados do interesse da empresa, mediante a instalação de dispositivos técnicos adequados e bem assim a promulgação de normas disciplinares destinadas à proteção do material e da rede de informática11.

No que diz respeito aos direitos sociais (no sentido estrito de direito do trabalho e da seguridade social), a observação do direito positivo permite discernir, segundo o magistério de Alain Supiot, quatro círculos concêntricos: 1º - o dos direitos sociais "universais", garantidos a todos independentemente de qualquer trabalho e que se realiza mediante o seguro saúde; 2º - o dos direitos baseados no trabalho não profissional (cuidar de pessoas, autoformação, trabalho voluntário); 3º - o do direito comum da atividade profissional (segurança e medicina do trabalho); 4º - o do direito próprio do trabalho subordinado (emprego), que deveria conter apenas disposições diretamente ligadas à subordinação e propiciar uma gradação dos direitos em função da intensidade dessa subordinação12.

Já se disse que o objeto específico do contrato de trabalho é a energia laborativa, física ou mental (ou ambas) do trabalhador. Como o contrato de trabalho gera uma relação de trato sucessivo ou de execução continuada, ele absorve boa parte do tempo e da energia da pessoa do trabalhador. Portanto, o envolvimento pessoal do trabalhador no cumprimento das obrigações por força do contrato de trabalho não representa um episódio passageiro no desenvolvimento de sua vida cotidiana. O trabalhador compromete sua própria pessoa no cumprimento das obrigações contratuais. Em consequência, a implicação da pessoa do trabalhador na execução do contrato de trabalho afeta não só seus interesses profissionais (satisfação no

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trabalho, remuneração, carreira etc.), mas também seus interesses pessoais (saúde, intimidade, integridade física, tempo livre etc.).

O contrato de trabalho integra a teoria das obrigações, vale dizer, ostenta natureza patrimonial e não pessoal. Contudo, força é reconhecer a existência de um denso componente pessoal na caracterização jurídica do contrato de trabalho, do qual decorrem os deveres de confiança recíproca e de execução de boa-fé no desenvolvimento da relação contratual13. Daí surge a necessidade de compatibilizar as tensões registradas no âmago do contrato de trabalho, que decorrem de um lado da natureza do contrato sinalagmático (intercâmbio patrimonial) e, de outro, da característica de negócio jurídico que compromete os interesses profissionais e pessoais do trabalhador.

A doutrina trabalhista brasileira, há muitos anos, reconhece, entre as obrigações assumidas pelo empregador por força da celebração do contrato de trabalho, "a obrigação de respeitar a personalidade...

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