Os direitos fundamentais sociais: considerações sobre sua efetividade
Autor | Vitor Salino de Moura Eça - Janaína Alcântara Vilela |
Páginas | 37-50 |
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Os direitos sociais são direitos fundamentais de segunda dimensão, tendo finalidade de garantir a existência humana digna, assim como a promoção da justiça social. Relacionam-se, por natureza, aos direitos da igualdade. O pleno exercício dos direitos sociais exprime a manifestação da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Pertence à categoria dos direitos humanos, apresentando proteção no sistema internacional. Assim, os direitos sociais são tutelados pela ordem constitucional, que consagra o Estado Democrático e Social de Direito, apregoado pela Constituição Federal de 1988.
No entanto, a realidade econômica e social em que se vive no Brasil ainda deixa muitos brasileiros à margem do gozo da cidadania. Isso porque não conseguem a necessária efetivação dos direitos sociais, que estão elencados na Carta Magna de 1988 e dizem respeito a todos os cidadãos brasileiros.
Diante disso, percebe-se que a pouca efetividade e a eficácia desses direitos constituem obstáculo fundamental para sua implementação, bem como a falta de realização de políticas públicas prioritárias e a tímida atuação do Poder Judiciário contribuem para que os direitos sociais não sejam realizados de forma eficaz na sociedade atual.
Dessa forma, propõe-se analisar os direitos fundamentais sociais, com o objetivo de apontar argumentos para fomentar a discussão e possíveis soluções para sua efetividade e concretização.
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Um conceito homogêneo acerca da diferenciação do que sejam direitos fundamentais e direitos humanos não é encontrado em nenhuma doutrina, tampouco há consenso entre os doutrinadores.
Todavia, Ingo Wolfgang Sarlet apresenta distinção para os termos. Denomina de direitos fundamentais "aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado", sendo os direitos humanos "os que guardariam relação com os documentos de direito internacional por referirem-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com determinada ordem constitucional". (2011, p. 29).
A expressão "direitos fundamentais" foi cunhada pelo constituinte brasileiro inspirado na Lei Fundamental da Alemanha de 1949 e na Constituição Portuguesa de 1976. Com isso, rompeu-se com a tradição do direito constitucional positivo, uma vez que na Constituição de 1824 falava-se em "Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros", ao passo que a Constituição de 1891 apenas continha a expressão "Declaração de Direitos". Foi somente com a Constituição de 1934 que se utilizou, pela primeira vez, a expressão "Direitos e Garantias Individuais". (DIMOULI; MARTIS, 2001, p. 13).
Entende-se então que os direitos humanos são inerentes a todo ser humano, em qualquer lugar, onde quer que esteja. Por isso são mais abrangentes. Enquanto os direitos fundamentais são aqueles que se encontram positivados em cada Estado. Vinculam-se, portanto, às pessoas que pertencem ou moram em determinado Estado. Obedecem à hierarquia jurídica e possuem caráter vinculante ao sistema jurídico do qual fazem parte.
O jurista hispânico Pérez Luño, segundo Sarlet, entende que o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais reside no critério da concreção positiva. Assim ensina:
(...) o termo direitos humanos se revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direitos. (SARLET apud LUÑO, 2011, p. 31).
A distinção entre os tais termos também pode partir de uma concepção jusnaturalista para os direitos humanos, visto que são direitos inerentes à própria condição e dignidade humana, enquanto os direitos fundamentais dizem respeito a uma perspectiva
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positivista. Fato é que os direitos humanos acabam se transformando em direitos fundamentais, sendo incorporados ao direito positivo dos Estados. Apenas desse modo adquirem hierarquia jurídica e força vinculante em relação aos demais poderes do Estado (SARLET, 2011, p. 32).
Entretanto, cumpre ressaltar que a efetividade de cada um dos termos é diferente. Ou seja, o grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional) apresentam diferenças, segundo Sarlet (2011, p. 33). Para ele:
Os direitos fundamentais - ao menos em regra - atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos. (SARLET, 2011, p. 33)
Assim, os direitos humanos são inerentes à pessoa humana, reconhecidos como verdadeiros para todos os Estados e positivados nas diversas Convenções e nos Tratados Internacionais. No entanto, para serem efetivados, dependem da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados, como ensina Ingo Sarlet (2011, p. 34).
Ademais, aqueles direitos humanos que não integram o rol dos direitos fundamentais de determinado Estado para terem eficácia jurídica e social dependerão da recepção da ordem interna desse Estado e do status jurídico que lhe será atribuído, sujeitos à pena da falta da necessária obrigatoriedade.
A classificação dos direitos humanos em gerações é criticada por ampla doutrina nacional e internacional, tendo em vista que o surgimento de novos direitos fundamentais ao longo da história e da evolução das sociedades apresenta caráter cumulativo. Assim, o termo "geração" encontra-se ultrapassado, posto que não expressa o significado de complementaridade, aglutinação de valores, podendo representar erroneamente o entendimento de substituição de uma geração por outra.
Dessa forma, é mais correto o uso do vocábulo "dimensões" para designar as várias etapas de expansão e aquisição de novos direitos fundamentais ao longo da evolução da sociedade no decorrer dos séculos da história.
Cumpre ainda esclarecer que as dimensões abordadas não são estanques e se comunicam, visto que uma não exclui a outra, diante do caráter de indivisibilidade e interdependência.
A primeira dimensão dos direitos humanos finca suas raízes na doutrina iluminista e jusnaturalista do século XVII e XVIII. Nessa época, vigia o pensamento liberal-burguês de cunho notadamente individualista. O Estado apresenta-se com a finalidade de
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preservar a liberdade do indivíduo. A primeira dimensão é caracterizada pelos direitos civis e políticos encontrados nos primeiros instrumentos constitucionais vigentes na época. Os direitos de primeira dimensão ou direitos da liberdade, como ensinado por Bonavides, "têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico" (BONAVIDES, 2011, p. 563).
Apresentam-se como direitos de cunho negativo, pois são dirigidos à prática da abstenção, ou seja, não intervenção do Estado, sendo considerados direitos de resistência ou de oposição, segundo Paulo Bonavides (2011, p. 564). São exemplos desses direitos de primeira dimensão o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à reunião, ao culto, à associação e o direito de participação política.
A segunda dimensão dos direitos relaciona-se aos direitos sociais, culturais e econômicos. Esses direitos nasceram em meio à industrialização e aos graves problemas sociais e econômicos que permearam toda a doutrina socialista. Trouxeram reivindicações de direitos, por meio dos movimentos sociais em fins do século XIX e início do século XX.
A tônica desses direitos consiste em uma dimensão positiva. Ou seja, não se cuida mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, de propiciar um direito de participar do bem-estar social (LAFER, 1991, p. 126).
Assim, tais direitos de segunda dimensão têm como característica outorgar aos indivíduos direitos e prestações sociais...
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