Os Direitos Fundamentais na Óptica da Organização Internacional do Trabalho

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas255-274

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6.1. A globalização da economia

Ao longo da história, a economia apresenta uma evolução: começa familiar e passa por sucessivas etapas, sendo local, nacional, regional para alcançar nível mundial como sucede na atualidade. Nos quatro ou cinco últimos decênios do século XX, ocorreu uma intensificação sem precedentes no fluxo de correntes comerciais no mundo inteiro, em virtude das transformações tecnológicas advindas do uso intensivo do computador e do robô e facilitadas pelo espantoso desenvolvimento das telecomunicações via satélite e dos transportes.

As fronteiras tradicionais entre os Estados passam a ser ignoradas. A era pós-industrial, caracterizada como civilização do conhecimento, pressupõe o aumento da produtividade das empresas, estimulada pela competição crescente, pelo consumismo desenfreado e pela explosão demográfica.

A intensificação do comércio internacional tende a eliminar as barreiras alfandegárias, a restringir o protecionismo, a eliminar o dumping. A fim de tentar introduzir certo nível de disciplina e ordem no comércio internacional, é criada em 1995 a Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra. Este processo, denominado globalização (ou mundialização) da economia, não elimina, porém, as formas tradicionais de comércio, locais, nacionais e regionais. Estas modalidades preexistentes coexistem com a economia globalizada, conservam suas características e apresentam os mesmos problemas anteriores, mas sofrem o impacto do processo de mundialização.

A globalização da economia não é uma ideologia, é apenas um fato, um novo cenário na história da humanidade. Não é boa nem má, em si mesma; produz efeitos benéficos por um lado e maléficos, por outro, segundo a óptica pela qual é encarada. É certo, sem dúvida, que defronta detratores, que a acusam de representar manifestação de um capitalismo selvagem e produto nocivo do neoliberalismo. Há quem veja nela uma "fábrica de perversidade"1,

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a causa do aumento inexorável da pobreza no mundo2, quem afirme que

"a sociedade global subsume formal ou realmente a sociedade nacional, compreendendo indivíduo, classe, movimento social, cultura, língua, religião, moeda, mercado, formas de trabalho, modos de vida"3 e quem descubra que "o internacionalismo, antigamente uma arma de propaganda do movimento do proletariado contra os governos bélicos e contra os capitalistas, trabalha agora para o adversário"4.

A globalização da economia, que inova a divisão internacional do trabalho, afeta o próprio modo capitalista de produção e os métodos de organização do trabalho. Além disso, traz em seu bojo o subproduto da sociedade de risco5.

É certo que o modo capitalista de produção, após essas transformações, não será mais o mesmo. A revolução científica e tecnológica determina a necessária renovação do capitalismo. Essa renovação ocorre, em certos setores, com grande entusiasmo, porém em muitos outros ela se faz acompanhar de bastante apreensão.

A empresa conserva sua característica de lugar privilegiado para onde confluem os mecanismos fundamentais da economia: é nela que se realizam os investimentos produtivos, desenvolvem-se as relações sociais e a divisão do trabalho, os novos saberes tecnológicos se integram no processo de criação de riquezas. Mas a empresa é a moldura da ação, não a própria ação. E a moldura se adapta ao conteúdo. A empresa se transforma: não mais a empresa tayloriana (1º tipo); não mais a empresa estatal, que encontrava justificativa nos objetivos da planificação centralizada (2º tipo); agora, surge a empresa de 3º tipo, que atua no âmbito de uma economia mundializada, dentro de sistemas industriais cada vez mais complexos e interligados, sob a influência de tecnologias cada vez mais sofisticadas que causam a desestabilização dos antigos equilíbrios, ameaçam os mercados cativos e geram desemprego.

A destaylorização não se faz sem dificuldades. Os trabalhadores resistem: nem sempre dominam os conhecimentos básicos necessários. A criação de empregos mais qualificados, o trabalho em grupo, tudo isso obriga à mudança de hábitos e à reflexão, quase nunca obtendo a adesão espontânea dos que são atingidos pela nova ordem de coisas. Um novo contrato social se impõe:

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integração técnica, subcontratação, fabricação por encomenda, horários modulados, distribuição "telemática", gestão "stock zero" ou "just in time" exigem um entendimento entre empresários e sindicatos, pautado por compromissos claros e explícitos, assentados sobre bases sólidas e duradouras6. Urge destacar a "dimensão social da globalização". Como quer Alain Supiot, há que se fazer no plano internacional com os direitos fundamentais do trabalhador o que se conseguiu no plano interno com o direito do trabalho nos países industrializados durante os dois últimos séculos, ou seja, "abrir para os fracos a oportunidade de voltar as armas do Direito contra aqueles que usam o Direito para explorá-los"7.

6.2. Efeitos da globalização sobre o movimento sindical

Os sindicatos se opõem à globalização, com o argumento de que ela reduz os níveis de proteção trabalhista. Não há dúvida de que ela, em certos casos, gera desemprego.

O fenômeno da globalização, em certos setores mais sensíveis aos seus efeitos, provoca apreensão em vez de entusiasmo. O processo globalizante é mais veloz do que a capacidade de adaptação desses setores, por força da rapidez com que se desenvolve a revolução tecnológica, lastreada no progresso das comunicações e na civilização do conhecimento. Por outro lado, esse processo é mais abrangente do que as transformações operadas no mundo pelas anteriores revoluções industriais: ele atinge não só a atividade industrial, mas também áreas comerciais, financeiras e de serviços, antes cobertas por algum sistema de proteção. O desemprego assume proporções alarmantes. O perecimento de grande número de ofícios e profissões obriga grandes contingentes de trabalhadores a procurar novas formas de obtenção de ganho. A criminalidade cresce. A miséria com legiões de excluídos aumenta.

Surge a questão de saber se a intensificação do comércio internacional é ou não compatível com a proteção dos trabalhadores ou, em outros termos, se a expansão progressiva do livre comércio e o princípio de não discriminação (que se desdobra no tratamento igualitário entre as nações e entre nacionais e estrangeiros) ajudam ou prejudicam a melhoria da condição social dos trabalhadores. Se se considerar o postulado da livre competição, a resposta parece óbvia: as normas sobre condições de trabalho produzem efeito negativo, já que aumentam o custo da produção e podem desestimular

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investimentos, além de afetar o fluxo das correntes comerciais. A necessidade de elevar o grau de competitividade das empresas gera pressões tendentes a reduzir os custos sociais (salários e encargos). Naturalmente, a resistência a esse movimento é grande e ele deve conter-se em limites aceitáveis, pois se cada país decidisse adaptar a legislação do trabalho às exigências das empresas exportadoras, o resultado seria uma encarniçada batalha comercial no plano externo e o caos social, no plano interno.

As facilidades proporcionadas pela mobilidade do capital e a ganância das empresas multinacionais por lucros sempre crescentes estimulam a instalação de centros de produção e exportação em países que mantêm baixos níveis salariais, possuem sistema precário de seguridade social e desconhecem um movimento sindical independente e vigoroso. Por seu turno, o desenvolvimento do comércio mundial dá ensejo a fusões de empresas, que são sempre seguidas de planos de ajuste com despedidas em massa. Mesmo em países que logram certo nível de crescimento econômico nominal, registra-se a elevação das taxas de desemprego estrutural ou tecnológico.

Os efeitos da globalização da economia irradiam-se também sobre o movimento sindical, restringindo e reduzindo o poder que o sindicalismo combativo tradicionalmente exercia no mundo das relações de trabalho.

As transformações ocorridas no mundo capitalista determinam a necessidade de mudanças no movimento sindical. Essas transformações afetam a organização do trabalho, obrigando o sindicato a adaptar-se a novas realidades; por outro lado, elas geram novas estruturas produtivas, que alteram a individualidade dos prestadores de serviços, irradiando efeitos sobre a representatividade dos órgãos de classe.

Um dos efeitos mais desastrosos da globalização da economia, sempre assinalado pelos estudiosos do tema, é o desemprego.

O desemprego estrutural surpreendeu os sindicatos de trabalhadores, em toda parte. Eles não estavam preparados para enfrentar o desafio. Aparelhados para a defesa e a promoção dos interesses dos trabalhadores ocupados no mercado formal, entendiam ser sua missão a reivindicação de maiores salários e melhores condições de trabalho...

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