Direitos Conexos: Direitos de Imagem e de Arena. Fraude

AutorMauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Ocupação do AutorAdvogado, formado pela Universidade Católica de Petrópolis, RJ
Páginas242-256

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Ver nota 1

1. Introdução

O tema proposto é espinhoso e extremamente atual, na medida em que a recém publicada Lei n. 12.395/2011 alterou substancialmente a natureza do direito de arena e provocará profunda modificação nas relações de trabalho dos atletas profissionais e da Jurisprudência.

É com certa frequência que se encontra, tanto na doutrina quanto na Jurisprudência, tratamento uniforme do direito de imagem e do direito de arena do atleta profissional de futebol.

Em que pese o fato dos institutos terem uma origem comum, no caso a veiculação da imagem do atleta, há significativa diferença entre eles.

O objetivo do presente trabalho é o de demonstrar a diferença e peculiaridades destes institutos, bem como trazer alguns exemplos práticos que com frequência são utilizados para desvirtuar a natureza jurídica, principalmente do direito de imagem, no intuito de camuflar verba salarial devida aos atletas pelos clubes de futebol.

2. Conceito do direito de imagem

O direito de imagem está diretamente associado ao Direito da Personalidade, tendo em vista que a imagem, juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é um dos Direitos da Personalidade, que visam à proteção do ser humano e das origens de seu próprio espírito.

Celso Ribeiro Bastos2 conceitua como sendo "o direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento".

Na definição de Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli3, o Direito da Personalidade visa conferir proteção ao ser humano naquilo que lhe é próprio e também às suas emanações e projeções para o mundo exterior, sendo o Direito à Imagem, um direito da personalidade, assim classificado como um direito essencial, absoluto, oponível erga omnes, geral, irrenunciável, imprescritível, inexpropriável, impenhorável.

Porém, o direito de imagem possui uma característica peculiar que o difere dos demais direitos da personalidade que é o conteúdo patrimonial, passível de exploração econômica.

Além desse conteúdo material que confere ao detentor do direito a possibilidade de exploração econômica da sua própria imagem, o direito de imagem também contempla conteúdo moral, que se estabelece na proteção do interesse da pessoa que deseja impedir a propagação de sua imagem.

Trata-se de direito personalíssimo e intransferível, podendo haver permissão, autorização ou concessão de seu uso, previamente estabelecidos, em contrato, como, por exemplo: finalidade de uso, abrangência territorial, meios de divulgação, quantidade de publicação etc. O direito à imagem não pode ser transferido, mas tão somente licenciado para determinado fim e por tempo certo. Portanto é válida e lícita a cessão do direito de explorar comercialmente o

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uso da imagem, pois tal fato se configura em cessão da faculdade de aproveitamento econômico e exploração comercial da imagem. Entretanto, a referida cessão não representa a transmissão da titularidade do direito à imagem.

O direito de imagem não pode ser considerado um direito de propriedade, na medida em que possui determinadas limitações, como, por exemplo, a indisponibilidade e a intransmissibilidade. Portanto, guardadas estas restrições, pode ser caracterizado como a propriedade que a pessoa tem sobre sua imagem, seu corpo e que em caso de publicação ou veiculação sem o consentimento do representado acarreta violação a este direito real.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira4, "toda pessoa tem a faculdade de preservar a sua imagem e impedir a sua divulgação. A Constituição, a par da intimidade, resguarda a imagem, que simplesmente se representa pela expressão externa, como também pela descrição do caráter da pessoa".

É de se destacar que diante das peculiaridades que envolvem o atleta profissional, a imagem não se limita a fisionomia do jogador "se dirigindo a quaisquer partes de stacadas do corpo, desde que por elas se possa reconhecer o indivíduo", conforme ensina Carla Vasconcelos Carvalho, destacando, nesta hipótese que, "Vislumbra-se o caráter identificador da imagem por partes e a consequente necessidade de tutela, na imagem de diversas celebridades do esporte, desde as pernas tortas de Mané Garrincha ao sorriso característico dos Ronaldos".5

2.1. Origem e antecedentes históricos

A imagem tem sua origem no verbete latino "imago" e pode ser caracterizada como qualquer forma possível de reprodução da figura humana, representada desde os primitivos desenhos rupestres até os ultra modernos mecanismos tecnológicos de transmissão. Trata-se de um meio de exteriorização da personalidade do ser humano, consistindo no primeiro aspecto para a identificação da pessoa, anterior até mesmo ao próprio nome.

No dicionário Aurélio6 o vocábulo é definido como:

  1. Representação gráfica, plástica ou fotográfica de pessoa ou de objeto. 2. Restr. Representação plástica da Divindade, de um santo, etc.: (...) 5. Reprodução invertida, de pessoa ou de objeto, numa superfície refletora ou refletidora: 6. Representação dinâmica, cinematográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena, etc. 7. Representação exata ou analógica de um ser, de uma coisa; cópia:

O marco histórico que despertou a atenção do mundo para o estudo e compreensão do tema foi o surgimento da fotografia, na primeira metade do século XIX, e a reprodução cinematográfica desta.

Conforme relato de Maria Cecília Affornalli7, uma das primeiras decisões judiciais que se tem notícia acerca da proteção da imagem ocorreu na França, em 1858, quando Tribunal de Seine julgou o caso de dois fotógrafos que retrataram a atriz francesa Rachel, em seu leito de morte.

As fotografias deveriam permanecer apenas com os familiares da retratada. Todavia, elas foram parar nas mãos da pintora O’Connell, que utilizou-as como matriz para a confecção de desenhos posteriormente expostos e comercializados. Provocado para apresentar decisão acerca do assunto pela família da atriz retratada, o Tribunal de Seine ordenou a apr eensão e destruição do original e das cópias fotográficas. O fundamento residiu na impossibilidade de reprodução da imagem de pessoa no leito de morte, sem o consentimento da família, mesmo que se tratasse de pessoa célebre, como Rachel.

O mesmo Tribunal de Seine, em 1902, fundamentou decisão dizendo que não cabe fotografar ninguém sem o seu consentimento, salvo em se tratando de pessoa que por sua função ou profissão, natureza de seu serviço ou notoriedade presente ou passada suscite um interesse especial e sempre que disso não lhe ocorra prejuízo nenhum.

Portanto, a proteção da imagem é consequência do interminável progresso técnico-científico.

No Brasil, o direito à imagem passou a ser constitucionalmente protegido com a Carta Magna de 1988.

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2.2. Previsão legal

O Direito de Imagem encontra proteção e amparo no art. 5º, XXVIII da Constituição Federal. Verbis:

Art. 5º (...)

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

O art. 20 do Código Civil Brasileiro também ampara o direito à imagem da pessoa. Verbis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

A previsão contida no Código Civil é alvo de críticas tendo em vista a expressão "a requerimento" que de acordo com a doutrina não pode ser interpretada como requisito, mas tão somente faculdade da eleição da via judicial ou administrativa como meio de defesa8.

O direito à imagem foi consagrado no âmbito de proteção constitucional pela Constituição Federal de 1988, que passou a assegurar a possibilidade de indenização pelos danos causados à imagem da pessoa, nos termos do art. 5º,

V e X da CRFB. Verbis:

Art. 5º (...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O atleta pode ceder o direito ao uso de sua imagem para fins comerciais, devendo ser destaca a previsão contida no art. 87-A da Lei Pelé, introduzido pela Lei n. 12.395/2011, verbis:

Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.

Insta salientar que o Decreto que regulamenta a Lei Pelé transcreve a previsão supra no seu art. 54.

Portanto, não há dúvidas de que a previsão constitucional no tocante a proteção da imagem, por óbvio, se aplica ao atleta profissional de futebol, razão pela qual, trata-se de direito individual deste, de maneira pessoal e dissociada da imagem e transmissão do espetáculo, tendo em vista que esta possui tratamento...

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