Direito romano - pontífices, pretores e jurisconsultos. - Roman Law - pontiffs, pretors and jurisconsults

AutorOlney Queiroz Assis - Vitor Frederico Kümpel
CargoAdvogado, Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, Professor na Faculdade de Direito - Juiz de Direito, Doutor em Direito pela USP, Professor na FDDJ, no CJDJ e no Curso de Mestrado em Direito da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).

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Editorial

Direito romano – pontífices, protetores e jurisconsultos

DIREITO ROMANO – PONTÍFICES, PRETORES E JURISCONSULTOS

ROMAN LAW – PONTIFFS, PRETORS AND JURISCONSULTS

Olney Queiroz Assis*

Vitor Frederico Kümpel **

Resumo: o Direito romano não foi superado, basicamente, em virtude de cinco situações que ainda orientam os construtores do saber jurídico na modernidade: a) a força autoritária e coerciva do ato da fundação e dos exemplos dos antepassados; b) os pressupostos éticos que devem orientar a ação política produtora do Direito; c) os pressupostos éticos aos quais os aplicadores do Direito devem submeter suas decisões; d) a necessidade de promover decisões com o mínimo de perturbação social; e) o uso da filosofia na construção da teoria jurídica.

Palavras-chave: Direito romano. Pretores. Jurisconsultos. Princípio da boa-fé.

Abstract: the roman Law was not overcome, basically, due to five situations that the orient judicial widom builder in the modernity: a) The authoritative and compultsory power of the fundation act and the predecessors´examples; b) the ethic project that must orient the political, productive action of the Law; c) the ethic project to which the Law appliers should submit their decisions; d) the necessity of promoting decisions with the minimal of social trouble; e) the philosophy use in the construction of the judicial theory.

Keywords: Roman Law. Pretors. Jurisconsults. Good faith principle.

INTRODUÇÃO

O Direito romano sempre foi referência para os juristas, desde os glosadores da Idade Média, como Arcúsio e Bartolo, passando pelos juristas do século XIX, como Savigny e Ihering, até os teóricos da modernidade,

* Advogado, Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, Professor na Faculdade de Direito

Prof. Damásio de Jesus (FDDJ), no Complexo Jurídico Damásio de Jesus (CJDJ) e no Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília (Univem).

** Juiz de Direito, Doutor em Direito pela USP, Professor na FDDJ, no CJDJ e no Curso de

Mestrado em Direito da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).

Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 1, p. 267-295, 2005

Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 1, p. 5-6, 2005

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como Viehweg e Ferraz Jr. O estilo dos pontífices, dos pretores e dos jurisconsultos influencia até hoje a tecnologia jurídica e as decisões dos Tribunais. O estilo dos romanos, enfim, não foi superado, pelo contrário, tem sido constantemente renovado e retorna com todo o vigor nos tempos atuais, constituindo uma alternativa para superar os limites impostos pelo paradigma dominante (o positivismo jurídico).

Além das situações descritas acima, uma incursão pelo Direito romano justifica-se com as palavras de Lucien Goldmann (1974, p. 22):

O que procuramos no conhecimento do passado é a mesma coisa que procuramos no conhecimento dos homens contemporâneos. Primeiro as atitudes fundamentais dos indivíduos e dos grupos humanos em face de valores, da comunidade e do universo. Se o conhecimento da história nos apresenta uma importância prática, é porque nela aprendemos a conhecer os homens que, em condições diferentes e com meios diferentes, lutaram por valores e ideais, análogos, idênticos ou opostos aos que possuímos hoje; o que nos dá consciência de fazer parte dum todo que nos transcende, a que no presente damos continuidade, e que os homens vindos depois de nós continuarão no porvir. A consciência histórica existe para uma atitude que ultrapassa o eu individualista, ela é precisamente um dos principais meios para realizar essa superação (grifos do autor).

Na mesma trilha, as palavras do historiador Maurice Dobb (1986, p. 23):

Em qualquer período da história os elementos característicos, tanto dos períodos anteriores, quanto dos posteriores, podem ser achados, às vezes, misturados numa complexidade extraordinária. Elementos importantes de cada sociedade nova, embora não forçosamente embrião completo da mesma, acham-se no seio da anterior, e as relíquias de uma sociedade antiga sobrevivem por muito tempo na nova.

A construção do Direito romano está ligada ao aumento da complexidade social e à contingência das relações humanas provocados por transformações quantitativas e qualitativas. As transformações quantitativas referem-se ao crescimento da cidade, da população e dos mercados. As transformações qualitativas referem-se à conquista da cidadania, à participação dos plebeus nas magistraturas, ao surgimento de novas formas de organização social e novos domínios do saber. Essas mudanças provocaram o surgimento de novas práticas sociais que alteraram paulatinamente a estrutura da sociedade e, conseqüentemente, da superestrutura jurídica.

O Direito romano (e também o moderno) evolui e se transforma conectado a esse quadro geral que corresponde à estabilização da complexidade social e das relações humanas em um patamar mais elevado. A complexidade aumenta de forma acentuada com a expansão das fronteiras (territoriais, culturais, nacionais) e o subseqüente crescimento das cidades e seus mercados. Essa expansão também é responsável pelo movimento das classes sociais excluídas da cidadania que lutam no sentido de obter o direito de participar da vida política da cidade. Com as mudanças quantitativas e qualitativas, o Direito tende a transformar-se numa ordem que atravessa todos os setores da vida social (político, econômico, religioso), mas que não se confunde com eles.

1. O ATO DA FUNDAÇÃO

Na sua obra Eneida, o poeta Virgílio (apud ISAAC; ALBA, 1964, p. 12) conta que os romanos descendem de Enéas, o herói troiano que consegue fugir com a ajuda da deusa Vênus após a destruição de Tróia pelos gregos. Júpiter, porém, já tem traçado o destino de Enéas:

Nada temas: o destino dos teus permanece imutável. Como prometi, poderás ver a cidade e as muralhas de Lavinium. Enéas na Itália dirigirá rude guerra, aniquilará tribos ferozes e dará aos seus guerreiros muralhas e leis. Depois dele, seu filho Ascânio deixará Lavinium para estabelecer o seu trono no rochedo de Alba que ele cercará de sólidas muralhas. A sacerdotisa, de família real, terá dois filhos gêmeos. Depois Rômulo, por seu turno, perpetuará a raça, erguerá os muros de Marte e dará o seu nome ao povo dos romanos. Não limito o seu poder nem no tempo nem no espaço: dei-lhes um império sem fim.

O ato da fundação de Roma é decisivo porque nele está contido um projeto de caráter sagrado (aumentar a fundação) e por isso permanece obrigatório para as gerações futuras. O projeto anunciado pelos deuses aos antepassados – não limito o seu poder nem no tempo nem no espaço: deilhes um império sem fim – é transmitido de geração para geração, motivo pelo qual participar da política significa, sobretudo, realizar o projeto que consiste em preservar e aumentar a fundação da cidade. Os romanos, portanto, não repetem a fundação da sua primeira polis na instalação de colônias, mas conseguem ampliar a fundação original até que toda a Itália e, por fim, todo o mundo ocidental possa estar unido e administrado por Roma, como se fosse uma única cidade (cosmopolis), com um único Direito.

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O caráter sagrado da fundação implica um apego muito grande dos romanos à sua tradição, aos exemplos e feitos dos antepassados. É nesse contexto, segundo Arendt (1988, p. 162-164), que a palavra e o conceito de autorictas aparecem pela primeira vez. Autorictas é derivado do verbo augere, que significa aumentar, e aquilo que a autoridade ou os de posse dela constantemente aumentam é a fundação. O conceito de autoridade, todavia, liga-se à noção de civitas, que corresponde a uma forma de governo cuja essência da lei não está na relação ordem-obediência e não identifica poder com domínio ou lei com ordens. A autoridade obtém-se por descendência e transmissão daqueles que lançaram as fundações de todas as coisas futuras: os antepassados que os romanos chamam de maiores. Nesse sentido, a autoridade dos vivos é sempre derivativa, depende da autoridade dos fundadores.

A autoridade sempre exige obediência, por isso é confundida com poder ou violência. Poder é ação conjunta, que corresponde à capacidade humana não somente de agir mas também de agir em comum acordo, portanto com base no consenso. Desse modo, o poder não pode ser propriedade de um indivíduo, deve pertencer a um grupo, e existe somente quando o grupo se conserva unido. A autoridade, entretanto, é incompatível com a persuasão, esta pressupõe relações igualitárias e opera mediante um processo de argumentação. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. A relação autoritária entre quem manda e quem obedece não se assenta nem na razão comum nem no poder do que manda, o que eles possuem em comum é a própria hierarquia.

Disso resulta que a característica mais proeminente dos que detêm autoridade é não possuir poder. Justamente por isso, em Roma o poder está com o povo, mas a autoridade reside no Senado, dotado de gravitas e incumbido de zelar pela continuidade da fundação da cidade, cujo caráter autoritário ou influente repousa na sua condição de conselho sancionador, prescindindo da coerção para fazer-se escutado. Essa concepção pode ser encontrada em Cícero (1966), no tratado Sobre las Leyes, com as seguintes palavras: “cum potestas in populo auctoritas in Senatus sit” (enquanto o poder reside no povo, a autoridade repousa no Senado). Em Roma, além dos Senadores, também são dotados de autoridade os pontífices, pretores e jurisconsultos.

A força coerciva da autoridade está intimamente ligada...

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