Direito à Intimidade X Revista Pessoal do Empregado

AutorLília Leonor Abreu; Deyse Jacqueline Zimmermann
CargoJuíza do Tribunal Regional do Trabalho da 12a. Região. Professora da UFSC. Assessora de Juiz do TRT/12a. Região
Páginas54-57

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No conceito legal de empregador contido no art. 2º da CLT está inserto o poder de direção, a saber: "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços".

O poder controlador (fiscalizador) é um corolário do poder diretivo. Para o presente estudo - revista pessoal do empregado - interessa focar esse poder que é o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e freqüência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder de controle1.

Todavia, o exercício do poder de fiscalização encontra limites em princípios e direitos, que estão contidos na Carta Constitucional e em Convenção Internacional.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da República brasileira e está configurada em cláusula pétrea da Constituição Federal, segundo previsão do seu art. 1º, inc. III.

A dignidade do trabalhador também está ressaltada pela Carta da República no capítulo atinente aos princípios gerais da atividade econômica, art. 170, caput: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...). Disso resta claro que o objetivo do legislador foi sujeitar a atividade econômica à observância dos direitos humanos.

A inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas é direito fundamental individual, em conformidade com o inc. X do art. 5º da Carta Maior. Esse dispositivo constitucional também prevê indenização por danos morais e patrimoniais caso esse preceito seja violado, na forma da lei civil.

É necessário sopesar até que ponto esse poder controlador, de revista pessoal, poderá interferir nos direitos estabelecidos no inc. X do art. 5º da CF.

É importante lembrar que a Convenção nº 111 da OIT, que trata da discriminação no emprego e profissão, ratificada pelo Brasil em 1965, reconhece o limite do poder do empregador quando este ofende a liberdade do empregado (como ser humano), em situações de desrespeito à dignidade humana, como na hipótese de prática de vistoria pessoal/corporal aviltante e humilhante.

Feitas essas considerações, forçoso concluir que a revista pessoal no empregado só pode ser considerada lícita quando não agride a sua dignidade, mais precisamente sua honra e sua intimidade.

Conforme visto, o poder de direção do empregador deve ser exercido com o respeito aos direitos fundamentais do trabalhador. Para tanto, o empregador deve estar sempre atento ao senso de equilíbrio na relação trabalhista, dando maior ênfase ao princípio da dignidade humana.

Não raro, o poder fiscalizatório, ou poder de controle do empregador, extrapola o respeito à dignidade humana do trabalhador, tal como ocorre em relação a algumas formas de revista, configurando repreensível abuso de direito.

Apesar da importância da matéria, a legislação ordinária brasileira somente no final da década de 90, por meio da Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, proibiu expressamente a revista íntima em empregadas ou funcionárias (art. 373-A, inc. IV, da CLT). Isso não significa que essa proteção deva se restringir às mulheres, já que, nos termos da Constituição, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). Ao coibir a revista íntima, o texto legal não proíbe a revista em si (não-íntima).

Países como a Itália, a Espanha e a Argentina há muitas décadas possuem legislação que disciplina a matéria. No estudo fornecido por Alice Monteiro de Barros2 , o art. 6º da Lei nº 300/1970 (Estatuto dos Empregados da Itália) dispõe que "as revistas pessoais de controle sobre o empregado são vedadas, salvo nos casos em que sejam indispensáveis aos fins da tutela do patrimônio empresarial, em relação à qualidade dos instrumentos de trabalho, da matéria- prima ou dos produtos. Nesses casos, as revistas pessoais poderão ser efetuadas só na saída do local de trab alh o, salvaguardando-se a dignidade e a intimidade do empregado, por meio de sistemas de seleção automática referentes à coletividade ou a grupos de empregados. As hipóteses e condições nas quais será permitida a revista pessoal, como também as correspondentes modalidades, deverão ser acordadas entre o empregador e o representante sindical ou, na falta deste, a comissão interna. A ausência de acordo poderá ser provida pelo inspetor do trabalho, a requerimento do empregador. Na Espanha, o art. 10.1 da Constituição consagra o respeito à dignidade da pessoa, e o art. 18 do Estatuto dos Empregados da Espanha, sob a influência desse preceito, dispõe que 'as revistas sobre a pessoa do empregado, seus pertences e efeitos particulares, quando necessárias à proteção do patrimônio do empregador e dos demais empregados da empresa, devem ser feitas dentro do estabelecimento e no horário de trabalho. Na sua realização...

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