Introdução ao direito das obrigações

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas23-36

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1. 1 Fases a que estão submetidas as relações jurídicas obrigacionais

As relações jurídicas de caráter obrigacional acontecem entre duas pessoas: uma, que assume o dever de realizar a prestação e outra em favor de quem a prestação será realizada. No caso de compra e venda de um bem qualquer, por exemplo, há um contrato, um negócio jurídico obrigacional. Todas as relações jurídicas, em sua evolução pelo mundo, nascem, desenvolvem-se e se extinguem. E nessa trajetória, duas fases se destacam: 1) a fase do dever, da obrigação propriamente dita; momento em que o devedor

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assume o dever de realizar a prestação; 2) a fase da liberação da obrigação assumida; momento do adimplemento, do cumprimento da obrigação.

É bom que se diga que toda relação jurídica obrigacional é de conteúdo patrimonial.

1. 2 Direito das obrigações

Quando alguém emite uma nota promissória, que não pode ser ao portador, dá-se, no momento do saque, uma manifestação da vontade por parte do devedor, que a assina assumindo a obrigação de dar, ou seja, de pagar determinada quantia dentro de certo tempo. Essa obrigação, uma vez assumida, toma sentido jurídico e não pode deixar de ser cumprida, sob pena de sofrer o emitente do documento, a competente ação de execução, com o envolvimento de seus bens para que o pagamento se efetue. É que essa relação jurídica obrigacional tem a proteção da lei, que dá ao credor a garantia de receber o pagamento devido, desde que o devedor possua bens penhoráveis para o credor poder receber o seu crédito.

Existem obrigações que nascem aparecendo apenas um sujeito conhecido. É o caso da promessa de recompensa, por exemplo, tratada pelo art. 854 do CC. Veja o que diz este dispositivo legal: "Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido". O sujeito ativo, aquele que faz jus à recompensa, só será conhecido posteriormente, após a obrigação.

A parte do Direito que trata dessa matéria recebe o nome de Direito das Obrigações e está no Código Civil, no seu Livro I - Parte Especial. "Estuda ele o conteúdo do compromisso - obrigações, na terminologia jurídica - assumido pelo indivíduo, a sua formação, os modos como pode ser satisfeito, o tempo de sua duração", escreve o Prof. Fran Martins1. E continua: "Penetrando em sua essência, põe em contato as pessoas que estão ligadas em virtude desse vínculo, procurando situar a posição de umas em frente às outras".2

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1. 3 Conceito de obrigação jurídica

A obrigação jurídica é o objeto do Direito das Obrigações. Consiste no comprometimento, na submissão de um vínculo em favor de alguém. Nessa condição, Clóvis Bevilacqua define a obrigação como "a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão".3Washington de Barros Monteiro oferece a sua definição aproximando-se da de Clóvis Beviláqua: "Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre o devedor e credor, cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio".4E justifica:

  1. "Obrigação é relação jurídica. Com esse qualificativo, excluem-se do direito obrigacional deveres estranhos ao direito, como os do homem para com os seus semelhantes, pertencentes ao domínio da moral e assim desprovidos de sanção";

  2. "Obrigação é relação jurídica de caráter transitório. Satisfeita a prestação prometida, quer amigavelmente, quer pelos meios judiciais à disposição do credor, exaure-se a obrigação; o devedor fica então liberado e o credor assiste à extinção de seu direito";

  3. "A obrigação constitui ainda uma relação que se estabelece entre duas pessoas, credor e devedor, que compõem o inevitável binômio de todas as relações obrigacionais";

  4. "A obrigação corresponde assim à relação de natureza pessoal, mas, com esta particularidade: no caso de inadimplemento, ela induz responsabilidade patrimonial";

  5. "O objeto da obrigação consiste numa prestação pessoal. Só a própria pessoa vinculada, ou seu sub-rogado, adstrita está ao cumprimento da prestação. A obrigação submete exclusivamente o devedor, ou seu sucessor";

  6. "A obrigação é ainda relação de natureza econômica; seu objeto exprime sempre um valor pecuniário. Obrigação cujo conteúdo não seja economicamente apreciável refoge5ao domínio dos direitos patrimoniais. A prestação há de ser sempre suscetível de aferição monetária".

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"Quanto ao objeto da prestação, pode ela ser positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer). Nessa fórmula, encerradas se acham as várias modalidades de obrigação, na sua infinita diversidade: simples, condicionais, modais, a termo, principais e acessórias; líquidas e ilíquidas; divisíveis e indivisíveis; conjuntas, alternativas e facultativas; obrigações com pluralidade de sujeitos".

"Como garantia do adimplemento, o credor tem à sua disposição o patrimônio do devedor. O direito creditório torna-se efetivo mediante atuação sobre os bens do obrigado".6

Antes de continuarmos com outras definições de obrigação, analisemos a palavra etimologicamente. Vem do latim "obligatio, do verbo obligare (atar, ligar, vincular), que, literalmente, exprime a ação de se mostrar atado, ligado ou vinculado a alguma coisa".7Ou como mostra Caio Mário da Silva Pereira: "Obrigação, do latim ob + ligatio, contém uma idéia de vinculação, de liame".8

Juntando todas as características da palavra "obrigação", principalmente sua natureza patrimonial, o Prof. Caio Mário da Silva Pereira assim a define: "É o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável".9Nela aparece a pessoa que pode exigir e a que deve cumprir a prestação. É que o Direito obrigacional regula relações entre dois sujeitos ativo e passivo (credor e devedor) em referência a uma promessa de prestação que consiste em dar, fazer ou não fazer alguma coisa (prestação positiva ou negativa). Trata, portanto, da regulamentação das relações patrimoniais entre credor e devedor a quem incumbe o dever de cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação de dar, fazer ou não fazer.

A título de consolidação, apreciemos algumas outras definições apresentadas por diversos autores brasileiros:

COELHO DA ROCHA: "Obrigação é o vínculo jurídico pelo qual alguém está adstrito a dar, fazer ou não fazer alguma coisa"10; ou a de JOSÉ

LOPES DE OLIVEIRA: "É o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica sujeita a dar, fazer ou não fazer alguma coisa em proveito de outra".11

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Aprecio muito a do saudoso Prof. RUBENS GOMES DE SOUZA: "Obrigação é o poder jurídico por força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude de uma circunstância reconhecida pelo direito como produzindo aquele efeito (causa da obrigação)"12; ou a de

CARVALHO DE MENDONÇA: "É a relação jurídica, de caráter patrimonial, mediante a qual a pessoa que assume a qualidade de devedor é vinculada a uma prestação para com outra pessoa, o credor".13

Assim, quando alguém, em decorrência de ato anterior, se constitui no dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa em favor de outrem, a relação jurídica existente entre essas duas pessoas, que constrange a primeira a realizar a prestação e faculta a segunda a exigi-la, tem o nome de obrigações.14

1. 4 Traços distintivos entre direito pessoal e direito real

"O direito real é aquele que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha"15, conceitua Lafayette Rodrigues Pereira. Vale dizer, o direito real recai diretamente sobre a coisa, e seu titular poderá reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (CC, art. 1.228). Pelo direito real, a coisa fica sujeita, diretamente à vontade de seu titular, usando-a livremente conforme seu destino, ou reivindicando-a de terceiro. O proprietário de...

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