O direito à proteção de dados pessoais na sociedade da informação

AutorRegina Linden Ruaro - Daniel Piñeiro Rodriguez
CargoProfessora Titular da Pontifícia Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PUCRS; Procuradora Federal - Mestrando do Programa de Pós-Graduação da PUCRS, na área de concentração Direito do Estado com bolsa do CNPq.
Páginas178-199
O direito à proteção de dados pessoais na
sociedade da informação*
Regina Linden Ruaro**
Daniel Piñeiro Rodriguez***
1. Introdução
A discussão acerca da proteção da esfera privada é, desde sempre, mar-
cada por uma abordagem contraditória. Ao passo que cresce a preocupa-
ção político-institucional especialmente no que diz com a tutela de dados e
informações pessoais – o que se ref‌lete em diversos documentos nacionais
e internacionais -, ao mesmo tempo, no entanto, constitui trabalho cada
vez mais árduo o respeito a esta presunção geral. Isto se dá por inúmeros
motivos, como as constantes exigências de segurança interna e externa,
interesses de mercado e reorganização da administração pública1. Tais fatos
sociais, amparados em um cenário globalizado, corroboram com a gradual
diminuição de garantias e valores ditos essenciais a um Estado Democrá-
tico de Direito.
Há um século, Sigmund Freud, ao analisar o papel do subconsciente
humano, identif‌icou que a f‌igura do Eu não mais detinha pleno controle
das situações. De forma análoga, hoje, sustenta-se que a privacidade men-
tal, a mais íntima das esferas, estaria sob ameaça, o que violaria fatalmente
a dimensão de máxima reclusão individual. Lawrence Farwell, neurolo-
gista e pesquisador da Universidade de Harvard, desenvolveu um sistema
* O ensaio ora apresentado é extrato de pesquisa científ‌ica f‌inanciada pelo Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científ‌ico e Tecnológico - CNPq, contemplada pelo Edital MCT/CNPq Nº 014/2008 – Uni-
versal.
** Professora Titular da Pontifícia Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PUCRS; Procuradora
Federal – Procuradoria Regional Federal da Quarta Região/AGU; Doutora em Direito pela Universidad
Complutense de Madrid (1993) com Pós-doutorado na Universidad de San Pablo-CEU de Madrid (2008).
Email: ruaro@pucrs.br.
*** Mestrando do Programa de Pós-Graduação da PUCRS, na área de concentração Direito do Estado com
bolsa do CNPq. Ex-bolsista PIBIC/CNPq no âmbito da graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Email: daniel.rodriguez@acad.pucrs.br.
1 RODOTÁ, 2008, p. 13.
Direito, Estado e Sociedade n.36 p. 178 a 199 jan/jun 2010
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de registro psico-f‌isiológico do pensamento humano, o que lhe garantiu
seleção pela revista Time como um dos 100 cientistas que integram uma
elite de “Novos Einsteins do séc. XXI”1. Assim, se a expressão “digitais cere-
brais” antes remetiam obras de f‌icção científ‌ica, hoje é assunto amplamente
debatido e aplicado pela comunidade acadêmica.
Af‌inada a esta tendência está a realidade que se af‌irma notadamente
após 11 de setembro, vale dizer, a da transmutação do direito fundamental
à privacidade em mero obstáculo à segurança pública, sendo freqüente-
mente posto à margem por atos legislativos emergenciais. Destacam-se,
neste plano, o Patriot Act2, nos EUA, e as decisões na Europa sobre transfe-
rências internacionais de dados dos passageiros de linhas aéreas e comuni-
cações telefônicas3. Justamente neste contexto de mutações e transforma-
ções conceituais, as costuras jurídicas tentam amoldar seus instrumentos
de tutela ao cenário instável que sociedade de informação4 invariavelmente
propicia. Dentro deste desaf‌io está também a conf‌iguração precisa do dano
existente na violação de dados pessoais, quais suas distinções em relação
à privacidade e em que medida se faz efetivamente necessária no cenário
brasileiro. Com o objetivo de responder a estes questionamentos, mas sem
pretender esgotar a matéria, far-se-á uma análise dos principais sistemas
jurídicos que abordam a proteção de dados pessoais, tendo como base leis,
diretivas e leading cases, tudo com o escopo de melhor compreender um
fenômeno que representa, nas palavras de Danilo Doneda, uma pretensa
“af‌irmação do direito como estrutura [...] para que as escolhas relativas às
1 Diferentemente dos polígrafos tradicionais, que procuram distinguir respostas verdadeiras de falsas
através da expressão f‌isiológica de alterações emocionais próprias de quem mente, a técnica de impressões
cerebrais devassa diretamente as memórias do possível enganador. A base para a realização da pesquisa é a
percepção de que existe um padrão de mobilização de memórias no momento em que o cérebro reconhece
algum objeto, pessoa ou ambiente. Assim, são realizados estímulos, alguns relacionados ao fato que se
busca ter conhecimento e outros neutros. Para maiores detalhes sobre a pesquisa, Cf. FARWELL, 2001.
2 A USA PATRIOT ACT (Uniting and Stregthening America by Providing Appropriate Tools Required to
Intercept and Obstruct Terrosrism) tem por objetivo atacar o terrosimo e seu f‌inanciamento, aumentando
o poder sobre os imigrantes e estrangeiros. A partir dele, alargam-se o poder de agências do governo de
interceptar telefones, e-mails, dados médicos, f‌inanceiros, etc., tendo alterado muitas leis em relação à pri-
vacidade (v.g. Electronic Communication Privacy Act, de 1986).
4 Para Pierre Levy, a sociedade de informação – ou sociedade do conhecimento – seria fruto de do con-
junto de todos os impactos sócio-técnico-culturais da investigação, da inovação e do desenvolvimento
científ‌ico e tecnológico digital. Todos estes fatores teriam propiciado as novas conf‌igurações sociais, que
são próprias da atual cultura digital (LEVY, Pierre. Cibercu1tura. Rubí (Barcelona) Editorial: México: Uni-
versidad Autónoma Metropolitana - Iztapalapa, 2007, p. 18).
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