Direito constitucional do trabalho

AutorFrancisco Meton Marques De Lima/Francisco Péricles Rodrigues Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG/Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará
Páginas38-57

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1. Considerações gerais

A Constituição de 1988 supervalorizou o ser humano. Esse propósito faz-se notar a partir da esquematização do texto, pondo os Direitos e Garantias Fundamentais antes da Organização do Estado. Com isso, a Constituinte manifesta o seu desejo de mudar o eixo de prioridade: do Estado para o homem.

O Título II (DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS) compõe-se de cinco capítulos: I — Dos direitos e deveres individuais e coletivos; II — Dos direitos sociais; III — Da nacionalidade; IV — Dos direitos políticos; e V — Dos partidos políticos.

O Capítulo II, apesar de denominar-se DOS DIREITOS SOCIAIS, na verdade só relaciona a matéria trabalhista. Os demais direitos sociais anunciados no art. 6º compõem o Título VIII — DA ORDEM SOCIAL (arts. 193/232).

A Constituição de 1988 é a mais pródiga em matéria trabalhista, com mais de 60 preceitos a respeito. E as Emendas Constitucionais já concluídas são apenas tópicas, não afetando o cerne do Direito do Trabalho.

2. Dispositivos autoaplicáveis

O § 1º do art. 5º prescreve: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O Título DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS engloba os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

Em face do dispositivo supra, a interpretação deve firmar-se no sentido de que tudo o que não estiver condicionado pela própria Constituição é autoaplicável. A Constituição fixa normas de várias naturezas, valendo lembrar:

  1. as de aplicabilidade social imediata e plena;

  2. as de aplicabilidade social imediata apenas parcialmente; e

  3. as adormecidas (a bela adormecida), ou de aplicabilidade social contida, aguardando regulamentação por lei;

  4. as programáticas, que delineiam as políticas públicas dos governos.

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Assim, salvo rara exceção, em que o preceito não se reporta ou remete à lei, é autoaplicável. E quando remete à lei e esta já existe, agora com novo fundamento de validade, aparadas as arestas de conflito com a Constituição, passa a ser a lei regulamentadora, dando eficácia social imediata ao Texto Maior.

3. Inovações trabalhistas efetivadas pelas emendas à constituição de 1988

Dividem-se em duas espécies: Direito Material e Direito Processual.

A primeira, de Direito Material:

a) a EC n. 19/98, da Reforma Administrativa, alterou profundamente os arts. 37 e 39, em relação ao serviço e aos servidores públicos, aí incluídos os celetistas;

  1. a EC n. 20/98, da Reforma Previdenciária, altera as regras de aposentadoria, destacando-se o aumento do tempo de serviço para aposentadoria e o fim da contagem do tempo fictício, modificou os incisos XII, e XXXIII do art. 7º, para, respectivamente, restringir o salário-família aos trabalhadores de baixa renda, e aumentar a idade mínima de trabalho de 14 para 16 anos;

  2. a EC n. 26/00 acrescenta ao art. 6º o direito à moradia, como um direito social, o que justificará o investimento público nessa área;

  3. a EC n. 28/00 altera o inciso XXIX do art. 7º e revoga o 233, para unificar a prescrição dos créditos do trabalhador rural e urbano.

  4. a EC n. 41/03, nova Reforma Previdenciária, alterou, novamente em prejuízo dos trabalhadores públicos, as regras de aposentadoria;

  5. a EC n. 45/04 alterou a estrutura da Justiça do Trabalho, ampliando o número de membros do Tribunal Superior do Trabalho de 17 para 27 Ministros, e instituindo a Escola Superior da Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho;

  6. a EC n. 53/06 alterou o art. 208, reduzindo a idade que dá direito à pré-escola de seis para cinco anos;

  7. a EC n. 53/06 alterou o art. 208, reduzindo a idade pré-escolar de seis para cinco anos;

  8. a EC n. 62/09 modificou as regras do precatório, supervalorizando o crédito de natureza alimentar e, dentre este, o do idoso ou portador de moléstia grave. Modificou todo o art. 100, acrescentando-lhe mais dez parágrafos e o art. 97 nos ADCT, com 18 parágrafos. Nestes, trata do pagamento dos precatórios vencidos, autorizando o parcelamento em até quinze anos e permitindo que 50% do valor destacado para pagamento de precatório seja destinado a compra direta e a acordo com os titulares por valores inferiores, sob a forma de leilões.

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    O § 1º do art. 100 estabelece que os créditos de natureza alimentícia têm preferência, assim compreendidos: salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil em virtude de sentença judicial transitada em julgado. Este preceito já constava do art. 6º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/97.

  9. A EC n. 72/2013 alterou o parágrafo único do art. da CF, alterado pela EC n. 72/2013, assegura aos domésticos, quase todos os direitos trabalhistas conferidos aos empregados da atividade econômica.

    A segunda, no Direito Processual:

    a) a EC n. 20/98 acrescentou ao art. 114 o § 3º, atribuindo à Justiça do Trabalho competência para executar de ofício contribuições previdenciárias nos processos trabalhistas; esta regra agora compõe o inciso VIII do art. 114;

  10. a EC n. 24/99 excluiu a representação classista, tornando a Justiça do Trabalho mais técnica;

  11. a EC n. 30/00 acrescentou ao art. 100 os §§ 1º-A, 4º e 5º, para excluir da regra do precatório as dívidas de pequeno valor e deu nova redação ao art. 78 do ADCT, já novamente modificado pela EC n. 62/2009;

  12. a EC n. 37/02 acrescentou ao art. 100 o § 4º, renumerando os §§ 4º e 5º, acrescentados pela EC n. 30/00, e alterou o art. 86 do ADCT para definir como pequeno valor, enquanto lei específica não o fizer, 60 salários mínimos para a União, 40 para os Estados e Distrito Federal e 30 para os Municípios, enquanto a unidade federada não fizer lei própria fixando seu pequeno valor. Tudo isso já foi objeto da EC n. 62, que estipulou como menor pequeno valor o equivalente ao maior benefício pago pela Previdência Social;

  13. a EC n. 45/2004, da Reforma do Judiciário, alterou o art. 114 para ampliar a competência da Justiça do Trabalho para todas as relações de trabalho, em vez só da relação de emprego, dentre outras matérias. Instituiu ainda o Fundo das Execuções Trabalhistas, pendente de regulamentação legal.

4. Dos direitos sociais

O Capítulo II do Título II denomina-se DOS DIREITOS SOCIAIS. Entretanto, o art. 6º define quais são os direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Mas os arts. 7º ao 11 tratam só dos direitos trabalhistas. Os demais direitos sociais são objeto do Título VIII.

Daí inferir-se que a expressão Direitos sociais extravasa dos direitos do trabalhador (ex.: direito à moradia, à saúde, à educação etc.). Enquanto os direitos de liberdade correspondem ao primeiro postulado da Revolução Francesa, os sociais ligam-se ao segundo — igualdade. Pelos primeiros a pessoa exige que o Estado abstenha-se de interferir, salvo para assegurar o exercício do direito; no segundo, a pessoa exige intervenção do Estado, no sentido de assegurar-lhe vida digna.

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O art. 7º preceitua: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Em cujo gancho se dependuram todos os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores contratados mediante vínculo de emprego ou de avulso, dado que o rol dos direitos declinados é quase todo incompatível com outras relações de trabalho. Sem desprezar, contudo, que esse mesmo gancho comporta o elastecimento dos direitos para outras relações de trabalho mediante lei, cf. sugerido no item 6 do Cap. anterior, pois o Texto Constitucional quase sempre emprega a palavra “trabalhador”, e não “empregado”. Em 33 incisos, o art. 7º pode ser assim dissecado:

4.1. Direito individual do trabalho

IProteção do emprego — o art. 7º, I, alude à proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Enquanto não for editada a citada lei, vigem muitas formas de proteção do emprego, que têm neste preceptivo seu fundamento de validade, valendo destacar no âmbito da própria Constituição:

  1. o art. 10 do ADCT: 1) aumenta a indenização pela dispensa sem justa causa para 40% sobre os depósitos do FGTS; 2) veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da mulher gestante até o 5º mês após o parto, e do membro eleito da CIPA, a partir da candidatura até um ano após o fim do mandato. A Lei n. 11.323/06 estendeu esse direito à trabalhadora doméstica. E, pondere-se, a estabilidade estende-se à mulher (ou equivalente homoafetivo) adotante; e, se a empresa for aderente ao Programa Empresa Cidadã, instituído pela Lei n. 11.770/09, a proibição de despedida arbitrária ou sem justa causa se estende para além dos seis meses após o parto; o art. 41 assegura estabilidade ao servidor público após três anos no exercício de cargo efetivo;

  2. o art. 8º, VIII, protege o dirigente sindical contra despedida, a partir da candidatura e, se eleito, até um ano após o término do mandato, salvo se cometer falta grave apurada em juízo, na forma do art. 853 da CLT;

  3. os arts. 10 e 11 da Constituição instituem os representantes dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados e nos colegiados públicos, aos quais é assegurada a proteção do emprego a exemplo do mandatário sindical;

  4. no âmbito infraconstitucional, o art....

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