Direito coletivo: aspectos gerais

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1423-1444

Page 1423

I Introdução

Direito do Trabalho é o complexo de regras, princípios e institutos jurídicos que regulam as relações empregatícias, quer no plano especificamente das obrigações contratuais de caráter individual, quer no plano mais largo dos vínculos estabelecidos entre os entes coletivos que representam os sujeitos desse contrato. Regula o Direito do Trabalho, ainda, outras relações laborativas não empregatícias especificadas em lei.

É ramo especial do Direito, desprendido desde meados do século XIX da matriz civilista originária, em direção à construção de uma cultura jurídica com regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios, os quais, em seu conjunto, asseguram-lhe autonomia no universo diversificado do Direito. Sua particularidade intensifica-se, inclusive, no tocante a seu direcionamento, vinculado ao objetivo histórico de aperfeiçoar as condições de pactuação da força de trabalho no sistema socioeconômico.

Engloba o Direito do Trabalho dois segmentos, um individual e um coletivo, cada um contando com regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios.

O Direito Individual do Trabalho trata da regulação do contrato de emprego, fixando direitos, obrigações e deveres das partes. Trata, também, por exceção, de outras relações laborativas especificamente determinadas em lei.

O Direito Coletivo do Trabalho, por sua vez, regula as relações inerentes à chamada autonomia privada coletiva, isto é, relações entre organizações coletivas de empregados e empregadores e/ou entre as organizações obreiras e empregadores diretamente, a par das demais relações surgidas na dinâmica da representação e atuação coletiva dos trabalhadores.

Prevalece, ainda, certa controvérsia acerca da autonomia do segmento juscoletivo trabalhista, com a existência ou não de princípios específicos, ou sobre a aplicabilidade plena dos princípios do Direito Individual do Trabalho sobre o segmento juscoletivo. Este debate será examinado, logo a seguir, neste capítulo e no próximo do presente Curso de Direito do Trabalho.

Registre-se que, independentemente da referida controvérsia, há institutos e particularidades do Direito Coletivo do Trabalho que reclamam exame circunstanciado. Trata-se, por exemplo, da negociação coletiva e seus instrumentos, dos sujeitos coletivos trabalhistas, especialmente os sindicatos,

Page 1424

da greve, da mediação e da arbitragem coletivas, do dissídio coletivo. Além da necessidade desse estudo técnico, é preciso que se aprofundem as reflexões sobre o Direito Coletivo no Brasil, em face de seu reiterado ofuscamento ao longo da evolução justrabalhista no país, desde o século XX.

II Denominação

Este segmento justrabalhista tem recebido distintas denominações desde seu surgimento no século XIX. Hoje, disputam hegemonia dois epítetos, Direito Coletivo do Trabalho e Direito Sindical, com certa concorrência, ainda, da expressão Direito Social.

1. Denominações Arcaicas

Há que se registrar, no estudo, a presença de certas denominações hoje consideradas arcaicas. Trata-se de epítetos que designaram, em épocas mais remotas, o Direito do Trabalho em geral, embora também se referindo ao Direito Coletivo. São: Direito Industrial, Direito Operário e Direito Corporativo. Nenhuma delas, entretanto, mereceu permanecer no tempo, em face de suas próprias debilidades.

O designativo Direito Industrial é, de fato, claramente inadequado para espelhar o objeto a que se pretende referir, seja todo o Direito do Trabalho, seja apenas seu segmento, Direito Coletivo.

O epíteto foi influenciado pela circunstância de que o ramo justrabalhista surgiu, na Europa de século e meio atrás, efetivamente vinculado à dinâmica da crescente industrialização. Mas esse ponto de referência mostrava-se inadequado para justificar a denominação escolhida, uma vez que ela era, sob certa ótica, muito mais ampla do que o fenômeno justrabalhista a que se queria reportar. De fato, na expressão Direito Industrial está sugerida a presença de regras, institutos e princípios que não se circunscrevem propriamente à área justrabalhista, interessando também ao Direito Comercial/Empresarial e Direito Econômico (por exemplo, invenções, patentes, relações tecnológicas, etc.). É inadequado para designar, portanto, não só o Direito do Trabalho como seu segmento juscoletivo.

Há uma segunda inadequação neste superado epíteto: ao mesmo tempo em que se mostra excessivamente amplo (sugerindo relações de Direito Econômico ou Comercial/Empresarial), ele também se mostra, por outro lado, inábil a captar todo o universo de relações justrabalhistas, que se estabelecem e se desenvolvem por muito além do estrito segmento industrial (ilustrativamente, setores de serviços e agropecuário). Ao fixar, desse modo, em um setor econômico (a indústria) o critério de escolha de sua denominação, o epíteto Direito Industrial lançou uma enganosa pista

Page 1425

acerca do ramo jurídico que pretendia identificar, comprometendo de modo definitivo a validade de sua própria existência, enquanto denominação desse universo jurídico.

A expressão Direito Operário tem história e destino semelhantes aos do epíteto anterior. Também influenciada pela circunstância de que o Direito do Trabalho, de fato, originalmente surgiu no segmento industrial, envolvendo, portanto, as relações entre operários e empregadores, este epíteto elegeu como critério para identificação do novo ramo jurídico o tipo específico de empregado da indústria, o operário.

Ao incorporar tal critério, esta segunda denominação também iria se mostrar inadequada à identificação do objeto a que pretendia se referir: de um lado, reduzia o fenômeno amplo e expansionista do Direito do Trabalho a seu exclusivo segmento original, o operariado (e logo, à indústria); de outro lado, enfocava preferentemente o novo ramo jurídico a partir somente de um de seus sujeitos (o empregado operário), em vez de enfatizar a sua categoria nuclear, a relação jurídica empregatícia. Por fim, a designação era incapaz de sugerir quase nada no tocante ao Direito Coletivo, propriamente.

A expressão Direito Corporativo é também flagrantemente inadequada. Tornou-se corrente durante as experiências juspolíticas características dos modelos de normatização estatal e subordinada, em especial o fascismo italiano do entreguerras do século XX. Este epíteto, entretanto, construiu-se mais como instrumento de elogio ao tipo de modelo de gestão sociopolítica a que se afiliava do que, na verdade, subordinado a uma preocupação científica de identificar com precisão um objeto determinado. De todo modo, a ideia de corporação apenas dissimulava a relação sociojurídica nuclear desenvolvida no estabelecimento e na empresa (a relação de emprego), não traduzindo, portanto, com adequação, o aspecto cardeal do ramo jurídico especializado do Direito do Trabalho. Comprometido com o ideário e práticas autoritárias do regime político a que servia, este epíteto eclipsou-se na cultura justrabalhista tão logo expurgada a experiência autocrática fascista no findar da Segunda Guerra Mundial.

2. Denominações Atuais

Conforme já exposto, as expressões Direito Coletivo do Trabalho e Direito Sindical disputam, atualmente, hegemonia quanto à designação do segmento juscoletivo trabalhista. A seu lado, insistindo na concorrência, existe também a expressão Direito Social.

A) Direito Coletivo do Trabalho — Trata-se de denominação de caráter objetivista, realçando o conteúdo do segmento jurídico identificado: relações sociojurídicas grupais, coletivas, de labor.

As denominações objetivistas tendem a ser superiores, tecnicamente, às subjetivistas, por enfocarem a estrutura e as relações do ramo jurídico a

Page 1426

que se reportam, em vez de apenas indicar um de seus sujeitos atuantes. E é o que se passa no presente caso. O caráter objetivista do epíteto adotado já chama atenção para as relações coletivas tratadas nesse segmento do Direito, seja através da atuação sindical, seja através de outras modalidades de ação coletiva de relevância.

B) Direito Sindical — A presente denominação tem caráter subjetivista, enfatizando um dos sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho: o sindicato.

Efetivamente, a presença das entidades sindicais, especialmente as obreiras, é determinante no cenário coletivo trabalhista, uma vez que tendem a consubstanciar a efetividade do ser coletivo obreiro no cenário social. Há sistemas jurídicos — como o brasileiro, a propósito — que até mesmo subordinam a validade da negociação coletiva trabalhista à real participação no processo da entidade sindical dos trabalhadores. Esta circunstância, sem dúvida, reforça o apelo da denominação referida no sistema jurídico do país.

Contudo, do ponto de vista técnico, ela é menos abrangente do que a anterior, já que parece sugerir que o objeto do Direito Coletivo do Trabalho está inteiramente ligado às entidades sindicais — o que não é verdade. Há, por exemplo, sistemas jurídicos que reconhecem a entidades coletivas não sindicais aptidão jurídica para atos juscoletivos, sem desprezo da hegemonia sindical1. Além disso, há atos ou institutos coletivos trabalhistas que não passam, necessariamente, pelo sindicato: ilustrativamente, as greves selvagens, feitas contra ou sem a direção sindical; ou as entidades representativas internas a empresas, sem a participação sindical.

De todo modo, pode-se encontrar na doutrina denominação mista, decorrente da reunião das duas expressões prevalecentes: Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. Embora haja certa tautologia no epíteto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT