Direito ao trabalho

AutorEdilton Meireles
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho (TRT/BA). Doutor em Direito (PUC/SP). Professor da UFBa e da UCSal
Páginas41-56

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4.1. Introdução

Difícil é indicar, sem contestação, o rol dos princípios constitucionais do trabalho. Essa é uma tarefa ingrata, seja porque há séria confusão, dentre os doutrinadores, entre regra e princípio, seja pela tendência pródiga dos estudiosos em apontar um rol extenso de princípios constitucionais do trabalho.

À luz do direito constitucional português, por exemplo, José Barros Moura chega a apontar onze princípios, enquanto, no Brasil, Arnaldo Süssekind, defende serem quatro os princípios constitucionais específicos do direito do trabalho: da proteção, da não discriminação, da continuidade da relação de emprego e da irredutibilidade do salário.

Percebe-se nesses doutrinadores que é comum apontar princípios tradicionalmente trabalhistas sem os extrair do texto da Constituição, a exemplo do princípio protetor. No Brasil este foi, em verdade, constitucionalmente agasalhado apenas pelo direito do consumidor (inciso V do art. 170). Já quanto ao direito do trabalho, quando muito, ele decorre de outros princípios estampados no Texto Maior.

O princípio da proteção, em verdade, não está claramente revelado na Constituição brasileira, assim como em relação ao direito do consumidor (inciso XXXII do art. 5º), como um princípio do direito do trabalho. Contudo, ele decorre, como verdadeiro subprincípio, de, pelo menos, um outro princípio extraído da Carta Magna, que seria ou do princípio do não retrocesso social (parte final do caput do art. 7º) ou do princípio da valorização do trabalho humano (caput do art. 170 c/c inciso IV do art. 1º).

Daí porque preferimos indicar como sendo dois os princípios constitucionais especificamente trabalhistas: 1º — o valor social do trabalho ou da valorização do trabalho humano; 2º — o direito ao trabalho ou princípio da proteção do emprego (busca do pleno emprego).

Sobre o primeiro (valor social do trabalho ou da valorização do trabalho humano) tratamos no capítulo anterior. Adiante, cuidaremos do princípio do direito ao trabalho, que também está agasalhado nas demais Constituições apreciadas neste livro.

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4.2. Princípio do direito ao trabalho no Brasil

A Carta Magna brasileira, ao menos em três passagens, faz menção à proteção do emprego. A primeira menção encontramos — talvez a mais importante — no art. 6º, quando este dispõe que é direito social o trabalho.

A segunda agasalha-se no inciso I do art. 7º da Constituição, ao estabelecer a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, ainda que esta se resuma à mera indenização compensatória. Por fim, nós a encontramos no art. 170 da CF, quando esta inclui, dentre os princípios que regem a nossa Ordem Econômica, a busca do pleno emprego (inciso VIII).

Observe-se, de logo, que a Constituição brasileira possui expressa disposição assegurando o direito ao trabalho (art. 6º), tais como a portuguesa (art. 58, 1), a espanhola (art. 35.1) e a italiana (art. 4º). Além disso, do princípio do pleno emprego extraímos essa vantagem. Isso porque, quando se busca garantir o pleno emprego, por óbvio, estar-se a assegurar o direito ao trabalho subordinado, até porque aquele só se realiza por meio deste.

Óbvio, ainda, que quando se estabelece que o trabalho é um direito social, se quer afirmar que todos têm direito ao trabalho. Ele, aliás, é o primeiro dos direitos sociais e, ao certo, o mais controvertido e ambíguo. E a essa conclusão — quanto à existência do direito ao trabalho — se pode chegar também a partir da conjugação de diversas regras constitucionais que buscam assegurar ou proteger o emprego.

Tal se retira, por exemplo, das regras constitucionais que estabelecem uma política de formação e readaptação profissional, tais como o art. 203 da Constituição brasileira, que preceitua que a assistência social tem por objetivos “a promoção da integração ao mercado de trabalho” (inciso III); a regra que fixa que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205), devendo a lei estabelecer o plano nacional de educação “visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à... formação para o trabalho” (art. 214, IV).

O mesmo se diz, em área mais específicas, quando estabelece que “o Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho” (art. 218, § 3º). Além disso, cabe lembrar que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito... à profissionalização...” (art. 227).

Nesta mesma trilha, cabe citar as regras que apontam para uma política de desenvolvimento e da “redução das desigualdades regionais e sociais” (art. 170,

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VII), a fim de assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social (caput, art. 170), lembrando que tais pretensões se revelam como objetivos fundamentais do Brasil (art. 3º, incisos III e IV).

Ora, numa sociedade capitalista, a desigualdade social se combate através da distribuição de renda e esta se obtém por meio do trabalho. Logo, o trabalho se constitui em um direito inerente ao Estado Social.

Pode-se lembrar, ainda, das regras que estabelecem uma especial atenção a grupos sociais que encontram dificuldade para obter emprego ou que podem sofrer discriminação. E aqui, então, lembramos da regra que assegura a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 7º, XVIII), a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX), a proteção em face da automação (art. 7º, XXVII) e a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI).

Óbvio, ainda, que o direito ao trabalho resta patente nas regras que estabelecem a proteção do emprego, tais como a que veda a despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º, I), quando se combate “a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei” (art. 8º, inciso VIII) ou, ainda, quando assegura o emprego às gestantes e aos membros da CIPA (art. 19 dos ADCT).

Na área pública, cabe lembrar o direito público de acesso ao serviço público (art. 37, I e II) e o da estabilidade (art. 34).

Não fosse todo esse conjunto de normas contidas na Constituição brasileira, que configuram o verdadeiro direito de cidadania ao trabalho, esse mesmo direito encontra-se consagrado em diversos textos internacionais, os quais o Brasil já ratificou, aprovou ou aderiu, o que reforça a conclusão acima quanto ter sido essa vantagem (direito ao trabalho) agasalhada no texto constitucional brasileiro.

Assim é que o direito ao trabalho resta inserto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, quando, expressamente, em seu art. 23, item 1, afirma que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

Esse mesmo direito foi assegurado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu art. 60-1, ao estabelecer que “os estados--partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito”, devendo, para tal fim, conforme item 2 desse mesmo dispositivo, que cada Estado-parte, “a fim de

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assegurar o pleno exercício desse direito, deverá incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais”.

No seio da ONU encontramos, ainda, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Revolução n. 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, na qual ficou estabelecido, em seu art. 8º, § 1º, que “os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento, e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda...”.

Igual direito foi firmado na Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento Social da ONU, proclamada pela Assembleia Geral, em sua Resolução n.
2.542 (XXIV), de 11.12.1969, quando ficou esclarecido, em seu art. 6º, que o “desenvolvimento social exige que se garanta a toda pessoa o direito a trabalhar e a eleger o emprego livremente”.

Isso porque, conforme esse mesmo preceito, em sua segunda parte, “o progresso e o desenvolvimento social exigem a participação de todos os mesmos da sociedade em um trabalho produtivo e socialmente útil, e o estabelecimento, em conformidade com os direitos humanos e as liberdades fundamentais, assim como com os princípios da justiça e da função social da propriedade, de modos de propriedade da terra e dos médios de produção que excluam quaisquer formas de exploração do homem, garantem igual direito à propriedade para todos, e criem entre os homens condições que levem a sua autêntica...

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