Concretização do direito fundamental de acesso à justiça na seara laboral através da tutela da evidência

AutorVitor Salino de Moura Eça - Aline Carneiro Magalhães
Páginas104-124

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1. Introdução

O tempo, indispensável para a formação do provimento jurisdicional, muitas vezes, pelo seu excesso, acaba sendo fonte de dano e injustiça, principalmente para aqueles, como os trabalhadores, que dependem do crédito decorrente de demanda judicial para suas necessidades existenciais.

Ele foi um dos responsáveis pela denominada "crise da justiça", pois se observou que o processo moroso e formalista não respondia mais aos anseios da sociedade contemporânea, marcada pelo signo da celeridade, instantaneidade, massificação e globalização.

Neste contexto, percebeu-se também que, ao lado da previsão legal do direito humano e fundamental de acesso à justiça e da existência de meios que permitissem à parte, de fato, ir ao Judiciário, deveria ser conferido ao jurisdicionado uma prestação jurisdicional tempestiva, efetiva e adequada.

O descompasso entre o modelo processual e a realidade, e a concepção contemporânea do princípio da inafastabilidade, que pressupõe uma prestação jurisdicional com as referidas características, fez com que os operadores do direito buscassem novas técnicas que se adequassem melhor ao contexto atual.

Nas reformas realizadas no campo processual, uma das que melhor cumprem com este escopo é a tutela da evidência, prevista no § 6º do art. 273/CPC, pois possibilita a distribuição do tempo do processo entre as partes, permitindo ao autor gozar antecipadamente dos efeitos da tutela em relação ao pedido incontroverso.

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Neste trabalho, buscamos, em primeiro lugar, caracterizar o acesso à justiça como direito humano fundamental. Na sequência, fizemos uma análise da sua compreensão sob uma perspectiva histórica. E, por fim, analisamos a tutela da evidência, passando pelo seu conceito, por seus pressupostos e sua forma de efetivação, com o escopo de demonstrar ser ela um instrumento hábil a concretizar o direito humano fundamental de acesso à justiça na sua perspectiva contemporânea.

2. O acesso à justiça como direito humano fundamental

A doutrina não é unânime quanto ao surgimento dos direitos humanos, mas pode-se atribuir ao reconhecimento da existência de uma igualdade entre os homens decorrente do simples fato de sua humanidade, de sua superioridade em relação aos outros seres e de sua racionalidade, como dados iniciais para a sua construção.

A justificativa desses direitos veio de diversos ramos do conhecimento, passando pela religião e pela filosofia, e foi, no decorrer da história, se desenvolvendo e consolidando.

De acordo com Alexandre de Moraes (1998, p. 40), "não é fácil a definição de direitos humanos [...] e qualquer tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência". A dificuldade na definição precisa e sintética do seu conceito é atribuída à "ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no evolver histórico" (SILVA, 1999, p. 179).

Apesar do consenso doutrinário acerca da dificuldade de conceituação, podemos entender por direitos humanos aqueles direitos básicos, essenciais para que o homem tenha uma vida minimamente digna. Eles estão ligados a valores e bens escolhidos pelas pessoas em determinado momento histórico, a partir de seu desenvolvimento social, econômico e político, como imprescindíveis para a manutenção do limite existencial.

Nas palavras de Fabio K. Comparato (2001, p. 26), os direitos humanos caracterizam-se como "os valores mais importantes da convivência humana, aqueles sem os quais as sociedades acabam perecendo, fatalmente, por um processo irreversível de desagregação".

Ao lado da conceituação do termo, outra questão que divide a doutrina diz respeito à nomenclatura "direitos humanos e fundamentais". Comumente os termos são usados como sinônimos, mas quem os difere sustenta sua posição afirmando que a expressão "direitos fundamentais" se aplica aos direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" diz respeito aos documentos de direito internacional, que reconhecem tais direitos a todo ser humano, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, tendo, assim, validade universal.

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Apesar da diferenciação, é possível perceber que há cada vez mais uma coincidência e harmonização entre o conteúdo das declarações internacionais e dos textos constitucionais, tendo muitas Constituições do segundo pós-guerra se inspirado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e nos documentos inter-nacionais posteriores.

A partir de uma análise histórica, podemos observar que foram construídas importantes gerações de direitos humanos fundamentais, que se complementam, apresentando uma relação de dependência entre si, sendo os direitos previstos em uma geração necessários para a efetivação daqueles previstos em outra, formando, assim, um todo unitário, indivisível, que, por representar aquilo que é essencial para o ser humano, não pode ser renunciado, suprimido ou diminuído.

Os direitos de primeira geração, também chamados de liberdades individuais, datam do século XVII e XVIII, fruto das revoluções da época burguesa e industrial e do Estado Liberal. Esse era caracterizado pela criação de normas que anunciavam a liberdade do homem perante o Estado, a igualdade formal entre os cidadãos, a supremacia da propriedade privada e a não intervenção pública nas relações privadas. Segundo José Felipe Ledur (1998, p. 30), os direitos fundamentais clássicos são direitos de liberdade por traduzirem um espaço privado vital não sujeito à violação do Estado, que expressa a ideia de autonomia do indivíduo frente a ele. Essa autonomia também significa que a pessoa passa a ser responsável pela sua vida, sua subsistência, seu presente e futuro, não havendo espaço para qualquer tipo de paternalismo.

O avanço do liberalismo econômico e político, o individualismo e a abstenção estatal, com o passar do tempo, implicaram na deterioração da questão social. Enquanto uma minoria gozava da riqueza oriunda do modelo de produção, a maioria da população vivia em condições precárias com privações de todos os sentidos. O trabalho e, mais, os trabalhadores eram vistos como mercadorias, sujeitos às leis da oferta e da procura, submetidos a condições de trabalho desumanas e a salários que mal lhes permitia se alimentar, não havendo qualquer amparo do Estado.

A insatisfação e a revolta decorrentes dessa situação geraram, paulatinamente, a luta, capitaneada pelos trabalhadores, por melhores condições de vida.

Neste contexto, a preocupação com a questão social ganha relevo e importância, deixando o Estado sua postura passiva para assumir um papel de mitigador dos conflitos sociais, promotor de políticas públicas, justiça social e paz econômica, pois "de nada adiantava as constituições e a lei reconhecerem liberdades a todos, se a maioria não dispunha de condições materiais para exercê-las" (SILVA, 2009, p. 163).

Surgem, assim, no início do século XX, os direitos humanos de segunda geração, também chamados de direitos sociais, caracterizados pela atribuição ao cidadão do poder de exigir do governo o cumprimento de prestações positivas. O Estado Social tem o dever de agir positivamente para promover o efetivo acesso do homem a direitos como educação, saúde, previdência, trabalho e lazer, por meio de programas de ação.

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Segundo Ferreira Filho (2009), os direitos sociais foram consagrados em 1919 e reiterados após a Segunda Guerra Mundial, mas seu coroamento se deu com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em que os direitos fundamentais de primeira geração (as liberdades) e os de segunda geração (os direitos sociais) passaram a conviver lado a lado, de maneira harmônica e interdependente.

Na sequência histórica, após a Segunda Grande Guerra, foram conhecidos os direitos humanos de terceira geração, que se relacionam aos povos e à humanidade, são pluralistas e se conectam ao desenvolvimento, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade e à autodeterminação dos povos.

A doutrina, ainda que sem consenso, faz referência a direitos humanos de quarta (biodireito e bioética) e quinta (direito à paz) gerações, próprios do século XXI.

Traçado esse panorama geral acerca dos direitos humanos e voltando os olhos para aquele que é o objeto central de nossa análise, podemos dizer que o direito de acesso à justiça classifica-se tanto como direito de primeira geração humano, por sua previsão em documentos de Direito Internacional, a exemplo da Declaração dos Direitos do Homem de 1948, quanto como direito fundamental, por estar expresso na Constituição de 1988.

Trata-se de um direito indispensável ao ser humano, por meio do qual todo cidadão, proibido de fazer justiça pelas próprias mãos, e em igualdade de condições, vai ao Poder Judiciário para que esse pronuncie o direito no caso concreto. Por meio do exercício do direito de acesso à justiça, todos os demais direitos quando não cumpridos espontaneamente podem vir a ser gozados pelo seu titular.

3. A perspectiva contemporânea do direito de acesso à justiça

A partir de uma análise histórica, percebe-se que o significado do direito humano fundamental de acesso à justiça nem sempre foi o mesmo, e sua compreensão está intimamente vinculada ao modelo político de Estado, ao contexto e à sociedade a que se liga.

No Estado Liberal, caracterizado (i) pela ausência de intervenção estatal na sociedade, em especial na economia, (ii) pela atuação estatal voltada a evitar o desrespeito às normas e a punir aqueles que as violassem, e (iii) pelo desenvolvimento e pela afirmação dos direitos humanos fundamentais de primeira geração de cunho eminentemente...

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