Dignidade humana e Direitos Fundamentais do trabalhador

AutorRoberto Camilo Leles Viana
Ocupação do AutorAdvogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho
Páginas71-84

Page 71

7.1. Dignidade humana do trabalhador

Somente com a valorização do ser humano, enquanto ser que trabalha e interage com seus semelhantes, e com o respeito às suas diferenças pelo Direito, pela Sociedade e pelo próprio Estado, torna se possível apreender a dignidade do trabalhador197. Nesse aspecto, os direitos humanos surgem e se solidificam base ados no valor do homem e em tudo que para ele é essencial, consequentemente, na liberdade para o trabalho e no desenvolvimento social, fatores que tornam o homem cada vez mais distante dos demais seres não racionais. O ser humano, no desempenho do valor social que é o trabalho, não poderá ser utilizado como mero objeto ou meio para a realização do querer alheio"198. Isto é, deve utilizar se do trabalho para o desenvolvimento de sua personalidade e a realização de suas convicções, sonhos e objetivos.

Na discussão relativa à análise genética, a dignidade humana deve ser considerada princípio informador e raiz de todos os direitos básicos da pessoa, nomeadamente daqueles reconhecidos como fundamentais pelas constituições, e, em particular, os direitos de personalidade, sobre os quais se projeta, constituindo um filtro interpretativo, integrador e valorativo, tanto para os poderes públicos como para os particulares. Neste ponto se encontra a pedra angular"199, na

Page 72

medida em que os direitos de personalidade, em especial os que dizem respeito a valores essenciais, servirão de limites para o exercício de outros direitos fundamentais.

7.1.1. Princípio da dignidade humana

A dignidade humana, antes de se transformar num conceito jurídico, enquanto valor ético, exprime o valor intrínseco da pessoa, insusceptível de ser definido e demonstrado. Impôs se como uma convicção fundadora, absolutamente necessária, que foi se fazendo e progredindo na história, assumindo dimensão cultural e natureza de princípio aberto, carecido de uma definição absoluta, dadas as dificuldades de apreensão de um conjunto de elementos que lhe cedam uma estrutura200.

Não obstante tal dificuldade de conceituação, Ingo Wolfgang Sarlet, para a melhor compreensão da questão, propõe o seguinte entendimento sobre dignida de da pessoa humana:

Qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos201.

Dada a abrangência, indeterminação e potencial evolutivo que o caracteri zam, o princípio da dignidade humana perfila se como a referência mais elevada do sistema jurídico e o seu preceito mais universal202. Em geral, os ordenamen tos jurídicos encontram no axioma da dignidade o verdadeiro conceito regulativo, conferindo lhes unidade de sentido, por meio de um valor próprio e uma dimensão normativa particular.

O princípio da dignidade humana assume a igualdade entre os seres huma nos, independentemente das circunstâncias pessoais e sociais, capacidade física ou mental, ou mesmo características genéticas. Além disso, proporciona uma au

Page 73

tonomia moral frente a qualquer norma ou modelo de conduta que aliene ou transforme o indivíduo em objeto. Pois, conforme o entendimento antiano de dignidade, o homem é concebido como um fim em si mesmo", e jamais deve ser tratado como meio. Trata se do reconhecimento do primado da pessoa sobre qualquer outro interesse203.

Para Immanuel Kant, a dignidade funda se essencialmente na capacidade do homem em autodeterminar se, em poder agir em conformidade com certas leis, condição que só é possível em razão da sua natureza racional, própria da espécie humana. A partir desta premissa, desenvolve o imperativo que afirma a necessida de do agir tomando se em consideração o homem sempre como fim e não como meio já que, pela sua própria natureza, não pode ser tratado de outra forma, ou seja, não é passível de instrumentalização e não pode ser empregado como coisa, esta entendida como quaisquer seres ou formas irracionais, aos quais pode ser dado um preço.

A dignidade humana é compreendida como algo inerente ao ser humano, uma qualidade intrínseca que dele não pode ser destacada nem alienada. Assim, é um elemento que todos os seres humanos possuem, pelo simples fato de per tencerem à espécie. Na medida em que é consagrada como princípio fundamental de diversas ordens jurídicas, confere ao homem direitos que visam à sua expressão e que, portanto, devem ser reconhecidos e respeitados, tanto pelo Estado como pelos demais indivíduos204.

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948205, o prin cípio da dignidade da pessoa humana foi expressamente reconhecido como orientador e fundamento da compreensão dos direitos humanos, passando, desde então, a ser adotado nas posteriores declarações internacionais e na quase totalidade dos textos constitucionais206. Tal declaração consagrou, ainda,

Page 74

o direito ao trabalho digno e, consequentemente, a dignidade do trabalhador como diretrizes basilares207 208.

Logo, a dignidade do trabalhador e o direito ao trabalho digno representam pilares dos ordenamentos jurídicos, possuindo amparo nas normas constitucionais e nas normas internacionais de proteção aos direitos humanos. Trata se do reco nhecimento de que o trabalhador é uma pessoa humana e um cidadão como qualquer outro membro da sociedade e não perde qualquer dessas condições por franquear a porta da empresa"209.

7.2. Direitos fundamentais do trabalhador

A dignidade humana é um preceito que fortalece os efeitos de outros direitos e alcança ao mesmo tempo sua realização neles. Diz respeito a um mandamento que circunda todos os princípios relativos aos direitos e deveres da pessoa hu mana e à posição do Estado perante ela. Trata se de um princípio axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte, dir se ia mesmo um metaprincípio"210.

O valor da dignidade humana dá unidade de sentido ao sistema de direitos fundamentais211. Assim, os ordenamentos jurídicos português e brasileiro buscam conferir uma homogeneidade aos preceitos fundamentais por meio da concepção que faz do indivíduo a razão e fim da sociedade e do Estado. Isto é, em termos jurídico constitucionais, a dignidade da pessoa humana é reconhecida como princí

Page 75

pio basilar, assumindo o indivíduo como fundamento e limite do domínio político dos respectivos Estados.

Nesse sentido, toda a lei fundamental portuguesa é atingida pelo valor da dignidade da pessoa humana212. Pontua Gomes Canotilho que o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os demais direitos e garantias fundamentais, constituem se na indispensável base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito213. A constituição rege se, assim, pelo valor da dignidade. É por ele permeada em todas as suas dimensões materiais e institucionais, concorrendo para a concretização do princípio da igualdade num direito subjectivo público a um igual tratamento, análogo aos direitos, liberdades e garantias"214

Da mesma maneira, o pilar da Constituição da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, princípio norteador de toda a inter pretação normativa, fundamento da vida em sociedade e que apoia todo o ordenamento jurídico215. Revela o mais primário de todos os direitos, garante a proteção da pessoa como último recurso, proclama a pessoa como fim e fundamento do Direito216.

Eis que os direitos fundamentais carregam consigo, portanto, a própria ideia de dignidade. Se referem a um conjunto de bens indispensáveis ao desenvolvimen to humano. Os direitos fundamentais são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade"217. Não podem ser afastados dos trabalhadores, pois antes disso a pessoa é simultaneamente cidadão e operário218.

A dignidade do trabalhador é, assim, garantida por meio do respeito dos di reitos fundamentais da pessoa humana, nomeadamente do direito à igualdade, do

Page 76

direito ao trabalho, dos direitos ao desenvolvimento da personalidade e à identida de genética, entre outros. Por meio de tais direitos, deve se garantir ao indivíduo um trabalho que atenda aos princípios e garantias fundamentais, bem como as normas trabalhistas nacionais e internacionais. As oportunidades de emprego e ingresso no mercado de trabalho e, ainda, a proteção e a seguridade social a são os requisitos mínimos para realização de um trabalho digno219 e a necessitam ser respeitados quando da análise dos testes genéticos no âmbito laboral.

7.2.1. Direito à igualdade

Historicamente, a igualdade surge no aspecto formal para que os homens sejam vistos de maneira equânime perante a lei. Entretanto, a própria lei que deve garantir a igualdade, em diversos momentos, ignora as diferenças ou então legaliza a discriminação220, razão pela qual, posteriormente, nasce a ideia de igual dade material, que considera as diferenças e as disparidades no acesso às mesmas condições de vida. Em outras palavras, o entendimento inicial surgiu como um dos primeiros direitos humanos, ao colocar todos os homens num mesmo patamar de valor frente ao ordenamento jurídico, o entendimento de que todos são iguais pe rante a lei", essencial para quebrar paradigmas de privilégios. O segundo sentido, realizado na igualdade material, veio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT