A Dignidade do Negro em Helênia & Devília

AutorLuiz Fernando Coelho
CargoDoutor em ciências humanas e livre docente em filosofia do direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas6-8

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O estatuto da escravidão a que milhares de seres humanos foram submetidos durante a colonização do Novo Mundo é a mancha maior da civilização ocidental, europeia e que se diz cristã.

Apesar de sempre haver existido nas antigas populações, tida como direito legítimo dos vencedores nas guerras, a Europa medieval permaneceu imune à escravatura, em virtude da inlu-ência do cristianismo. Assim, a história registra uma lenta transformação socioeconômica que acabou com a escravidão nas comunidades cristãs medievais, embora substituídas pela servidão e vassalagem. Mas a condição social dos servos e vassalos estava muito acima da dos escravos.

A inluência do cristianismo não foi somente doutrinária, foi também política. Com o reinado de Constantino, deu-se o im da perseguição aos cristãos e, no ano 380, o cristianismo tornou-se a religião oicial do Império Romano por decreto de Teodósio. No mesmo documento, determinava-se a punição do exercício de cultos pagãos, o que representou uma reviravolta política e, sobretudo, ética. De perseguidos, os cristãos se transformaram em perseguidores, principalmente quando o clero, agora vencedor do embate ideológico contra o paganismo, aliou-se à nobreza como classe dominante. O resultado foi a vergonha da Inquisição, as reformas protestantes e as guerras religiosas que devastaram a Europa.

Inobstante esse desvio da doutrina de Jesus Cristo, a autoridade de muitos bispos e padres fez com que as diferenças sociais fossem anatematizadas mediante declarações e atitudes em favor dos pobres, das mulheres e dos escravos, como demonstrado por alguns fatos e documentos.

Desde o século VI proibiase a prisão de escravos que estivessem em um altar católico e a escravidão era considerada um ultraje aos seres humanos. Os concílios de Koblenz (922), Londres (1022) e Armagh (1171), na Irlanda, reiteraram o entendimento de que a escravidão era um ultraje à condição de ilhos de Deus.

Em 1435, pela bula Sicut Dudum, o papa Eugênio IV mandou libertar os escravos das Ilhas Canárias. Em 1462, Pio II instruiu os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros etíopes e condenou a escravidão como abominável crime; Paulo III, na bula Sublimus Dei (1537), recordou aos cristãos que os índios são livres por natureza. Em 1571, o dominicano Tomás de Mercado declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV, pela encíclica Cum Sicuti (1591), e Urbano VIII, pela Commissum Nobis (1639), condenaram-na explicitamente1.

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