Medida provisória no ordenamento jurídico brasileiro: uma análise sob a ótica da teoria do 'estado de exceção' de giorgio agamben

AutorVinicius Pinheiro Marques/Sérgio Augusto Pereira Lorentino/Aloísio Alencar Bolwerk
CargoProfessor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e da Faculdade de Palmas (FAPAL) Membro da Escola Superior da Advocacia (OAB/TO)/Professor de Direito (UFT) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC) Presidente da Escola Superior da Advocacia (OAB/TO)/Professor de ...
Páginas18-22

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Introdução

A República Federativa do Brasil enquanto constitui-se em Estado Democrático de Direito tem como uma de suas características fundamentais a separação dos poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos (art. 1º, CF/88). O critério clássico desta separação consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, sendo que ao Poder Legislativo lhe foi incumbido função típica de criar as leis.

Não obstante, o texto constitucional expressamente no art. 62, caput, previu uma exceção ao permitir que, nos casos de relevância e urgência, o Presidente da República possa adotar medidas provi-sórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Apesar de a prática ter demons-trado a necessidade de um ato normativo excepcional e célere para as situações de relevância e urgência, tem-se notado nas últimas décadas um abuso do Poder Executivo em utilizar esse mecanismo para gerir o governo, tornando uma medida excepcional como se fosse a regra. Nesse sentido, pretende-se analisar abstratamente a previsão constitucional da medida provisória sob a ótica da teoria do “Estado de Exceção” de Giorgio Agamben.

1. Estado e poder: considerações históricas, politicas e jurídicas

A teoria da separação dos poderes (ou da tripartição dos poderes do Estado) é a teoria de ciência política desenvolvida por Montesquieu (O Espírito das Leis, 1748) e que visou limitar o poder do Estado, dividindo-o em funções e atribuindo competências distintas aos órgãos da atividade estatal.

Para Aristóteles as funções estatais eram divididas em deliberativa, executiva e judicial. Em Maquiavel, no século XVI, na sua obra O príncipe, também contribui para a formação deste pensamento divisor, caracterizando o Estado francês com a presença três poderes distintos: Legislativo (representado pelo Parlamento), Executivo (materializado na figura do Rei) e o Poder Judiciário dotado de autonomia. Já no século XVII, John Locke esboçou de alguma forma a separação de funções no exercício do poder, ao propor a classificação entre funções legislativa, executiva e federativa. Todavia, foi a proposta de Montesquieu que possibilitou a teoria da separação de poderes tal qual se afigura hoje o Estado brasileiro. O autor elen-

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cou os mesmos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), mas trabalhou com a ideia de harmonia e independência entre eles. Assim, esta doutrina identificou quais seriam as funções exercidas pelo Estado – como já o fizera Aristóteles – mas também defende a necessi-dade de que o exercício de cada uma dessas funções seja atribuído a diferentes titulares.

Montesquieu, sob a influência do Estado liberal, propôs a limitação da atuação da atividade deste, como uma maneira de reduzir o seu poder. Neste sentido, esta foi a prescrição das constituições modernas, que passaram a pregar que a negativa da separação dos poderes ensejaria ausência de ambiente democrático, ou seja, atuação estatal direta e que redundaria numa postura autoritária e de cerceamento do indivíduo enquanto sujeito livre e autônomo. A separação nos moldes proposta por Montesquieu é notada na Declaração de Direitos da Virgínia de 1776. Todavia, é com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França em 1789, no seu artigo 16, que a teoria montesquiana ganha maior dimensão valorativa, pois além de buscar a proteção da liberdade individual, tinha por base também aumentar a eficiência do Estado, haja vista cada órgão do governo tornar-se-ia especializado em determinada função, diminuindo visivelmente o absolutismo que imperava nos governos de outrora.

Importante notar que o contexto temporal que retrata a fundamentação para a separação dos poderes é a passagem do Estado absolutista para o Estado liberal, o que vem influenciar vários textos constitucionais. No Brasil, o histó-rico das constituições sempre consagrou normativamente a clássica doutrina que separa os “poderes” (em verdade, as funções) em Le-gislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição Imperial outorgada em 1824 trouxe a previsão de outro poder: o Poder Moderador, atribuído ao Imperador, e cuja existência era justificada na eventual necessidade de arbitramento de conflito entre os três poderes. Este poder, da
forma como fora recepcionado, situavase hierarquicamente
acima dos demais.

Ademais, a própria denominação
dos poderes possui
correlação com as
funções por eles
exercidas: ao Legislativo, incumbe criar
as leis da ordem jurídica estatal; ao Executivo, cabe administrar o Estado, executando as políticas definidas pelo Legislativo; e, ao Judiciário, compete dirimir conflitos entre pessoas, fundamentando-se para isto nas leis emanadas pelo Poder Legislativo. Esta correspondência entre as funções, contudo, não é...

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