A Prisão Civil do Devedor de Alimentos Decorrentes de Ato Ilícito

AutorDóris Ghilardi - Nathália Schossler Köhler
CargoAdvogada. Doutoranda (Univali-SC) - Graduada (CESUSC)
Páginas6-15

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1. Introdução

O presente artigo tem como temática central a possibilidade da prisão civil do devedor de alimentos originados de ato ilícito. A problemática aqui defendida surgiu em consequência do entendimento majoritário adotado pela jurisprudência e doutrina acerca da aplicação restrita do instituto da prisão civil somente aos devedores de alimentos originados do direito de família, muito embora a Constituição Federal ou normas infraconstitucionais não façam menção a qual modalidade de alimentos (natureza familiar, voluntária ou indenizatória) que comportaria ou não a utilização deste meio executório para satisfação da obrigação.

O tema reabre a discussão sobre a viabilidade de coerção pessoal também aos casos do devedor de alimentos ex delicto, tendo em vista a sua inalidade e não a sua origem, isto é, independente se oriundos do parentesco, casamento, união estável ou ato ilícito, o fim a que se destinam os alimen-tos é a subsistência digna do credor alimentar, garantida constitucionalmente. Por essa razão não há que se criar distinções entre as modalidades alimentares.

Para esta inalidade, a aborda-gem do tema deu-se segundo o método de pesquisa dedutivo, partindo-se de premissas gerais para as particulares, com base em pesquisa bibliográica e jurisprudencial.

O artigo foi dividido em três partes principais, tratando primeiramente da execução da obrigação alimentar própria do direito de família, para, logo após, retratar a execução da obrigação dos alimentos ex delicto, e, por im, enfrentar a questão central, analisando os argumentos existentes que sustentam o entendimento predominante no sentido da impossibilidade da prisão civil no campo do direito obrigacional, colacionando julgados recentes que já admitem a penhora do bem de família do devedor de alimentos decorrentes de ato ilícito, para, com base nisso, apoiado na previsão constitucional de prisão civil por dívida alimentar e na finalidade dos alimentos e do próprio escopo processual, defender a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos ex delicto.

2. Da execução da obrigação alimentar decorrente do parentesco

O significado da expressão alimentos em direito de família vai muito além daquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida, pois se des-tina a realizar o direito à vida, tanto física como intelectual e moral, resultante das relações de parentesco, casamento ou união estável, de quem não pode prover o seu sustento por seu pró-

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prio trabalho. Segundo os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 588), refere-se basica-mente a "tudo o que se aigurar necessário para a manutenção de uma pessoa, compreendidos os mais diferentes valores necessários para uma vida digna".

Dispõe o artigo 1.694 do Código Civil: "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação."

Estes alimentos devidos em razão de vínculo familiar, por força do casamento, da união estável ou do parentesco, estabelecem uma prestação em favor daquele que necessita, respeitando as possibilidades do devedor alimentante (Farias; Rosenvald, 2008, p. 637). Portanto, preenchidos os requisitos do binômio necessidade/possibilidade, nascerá a obrigação de prestar alimentos, sob a égide do princípio constitucional da solidariedade1.

Alimentos, portanto, deluem de um dever de assistência em favor daquele que se encontra necessitado. De simples imperativo moral de solidariedade humana, transformou-se em obrigação jurídica de alimentos àquelas pessoas mais próximas em razão do vínculo familiar (Cahali, 2009, p. 30).

Exercitado o direito a alimentos e com o advento de condenação de prestação de verba alimentícia em uma decisão interlocutória ou de-cisão deinitiva transitada em jul-gado, esta retroagirá seus efeitos à data da citação inicial2, a partir de quando as prestações serão exigidas ou devidas, momento no qual o devedor deverá efetuar o pagamento da pensão alimentícia voluntariamente na forma estabelecida na decisão (Diniz, 2009, p. 611).

Não ocorrendo o pagamento voluntário pelo alimentante, o credor poderá requerer a execução da sentença condenatória que ixou a prestação alimentícia, que ocorrerá, em princípio, na forma dos artigos 732 a 735 do CPC3

(Cahali, 2009, p. 731) ou então, conforme recente entendimento, poderá a execução se dar na forma prevista pelo artigo 475-J do CPC.

A respeito do assunto, Maria Berenice Dias (2007, p. 113) leciona:

Os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil introduzido no sistema jurídico. O crédito alimentar está sob a égide da Lei 11.232/05, podendo ser buscado o cumprimento da sentença nos mesmos autos da ação em que os alimen-tos foram ixados (CPC, art. 475-J). Houve mero descuido do legislador ao não retificar a parte inal dos arts. 732 e 735 do CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: ‘Do Processo de Conhecimento’. A fal-ta de modificação do texto legal não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais céle-re e eicaz logo da obrigação alimen-tar, cujo bem tutelado é exatamente a vida. A omissão, mero cochilo ou puro esquecimento não pode levar a nefastos resultados.

Compartilhando da mesma corrente, a relatora desembarga-dora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, no julgamento do Agravo de Instrumento 2011.091303-1, de Fraiburgo-SC, deu provimento ao recurso para determinar o pros-seguimento do feito sob o rito do cumprimento de sentença previsto no art. 475-J e seguintes do CPC, visto que no caso em tela o juiz de primeiro grau houvera determinado a conversão do cumprimento de sentença para o rito do 732 do Código de Processo Civil. A relatora fundamentou a decisão com base no seguinte entendimento:

"Apesar de entendimentos contrários, compartilho da corrente que, baseada numa interpretação sistemática, entende ser aplicável a ideia de sincretismo processual também às ações de alimentos, de modo que, proferida a sentença e não adimplida a obrigação no prazo de 15 dias, dar-se-á início ao seu cumprimento na forma do art. 475-J e seguintes do CPC.

Isso porque o procedimento introduzido pela Lei n. 11.232/2005 imprimiu maior celeridade e efetividade ao processo, na medida em que reuniu numa mesma relação processual os momentos de cognição e execução, dispensando, assim, a necessidade de nova demanda e a repetição de atos que apenas retardavam a entrega da prestação jurisdicional. À vista disso, com mais razão deve ser aplicado esse procedimento às ações de alimentos, emergencial que é a satisfação dessa verba."

Neste sentido, o credor poderá promover a execução pelo rito processual estabelecido no art. 475-J do CPC, posto que se trata de procedimento mais célere e efetivo, em detrimento do rito especíico previsto no art. 732 e seguintes do referido diploma processual. Nada mais correto, haja vista o caráter urgente e a relevância da verba alimentar, que reclama por efetivida-de e celeridade, a im de garantir um bem maior, que é a própria vida do alimentando.

Defendendo posição contrária a este entendimento, Daniel Roberto Hertel (2009, p. 88) air-ma que o rito previsto pelo artigo 475-J do CPC não pode ser aplicado à execução de alimentos sob pena de prisão, pois essa modali-dade possui rito próprio, e eventual aplicação acarretaria "verdadeiro tumulto processual, com confusão no procedimento a ser adotado e possibilidades de diferenças de rito a ser aplicado pelos magistrados em cada caso".

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Vale mencionar que não há disposição expressa em lei de qual deva ser a ordem executiva a ser seguida pelo juízo para ins de cumprimento da obrigação alimentícia, podendo o credor, a sua livre escolha, optar pela prisão do devedor prevista no artigo 733 do CPC, se baseada nas últimas três parcelas vencidas e demais vincendas, ou na forma do artigo 732 do CPC, isto é, seguindo o rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (Cahali, 2009, p. 732), pelo qual poderá pleitear inclusive débitos anteriores a três meses.

Assim, "somente darão suporte à execução dos alimentos sob a modalidade coercitiva as três últimas e as que vencerem durante a tramitação da execução", devendo as parcelas que ante-cederem as três últimas serem cobradas através do rito previsto no artigo 732 do CPC (Hertel, 2009, p. 86).

Sobre o tema já se decidiu no Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

CASO O DEVEDOR NÃO EFETUE O PAGAMENTO NO PRAZO ESTIPULADO OU SE ESCUSE DE FAZÊ-LO, O JUIZ DECRETARÁ A PRISÃO PELO PRAZO DE UM A TRÊS MESES

"Execução de alimentos. Decisão agravada que converteu, de ofício, o rito do art. 733 do CPC, para o rito do art. 732 do CPC. Conversão incabível. Opção que cabe, exclusivamente, à exequente. art. 18 da Lei n. 5.478/68. Débito não quitado, em que pese a prisão civil do devedor em momento anterior. Entendimento de que a prisão civil pode ser renovada sempre que persistir o inadimplemento das prestações subsequentes. Interlocutória reformada. Medida a ser adotada: cisão da execução, ante a impossibilidade de cumulação dos ritos nos mesmos autos. Observância aos princípios da celeridade e da economia processual. Dessa forma, prosseguimento do feito pelo art. 733 do CPC, em relação às prestações atuais (art. 290 do CPC c/c Súmula n. 309 do STJ). Conferida opção à exequente de ajuizamento de outra execução, por dependência, sob o rito expropriatório do art. 732 do CPC, em relação aos débitos antigos e por cujo período o devedor já icou segre-gado. Agravo de instrumento parcialmente provido" (AI n. 2012.023181-5, de Campo Belo do Sul, Rel. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Rita, j...

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