Direito do Trabalho Desportivo: Profissionalismo, Contrato Laboral Desportivo, as Partes da Relação Empregatícia Desportiva e a Interveniência de Terceiros

AutorRafael Teixeira Ramos
Ocupação do AutorMestre em Ciências Jurídico-Laborais e Jurídico-Desportivas e Pós-graduado em Direito do Desporto Profissional
Páginas105-117

Page 105

Ver nota 1

1. Introdução

A prática desportiva deixou de ser apenas atividade de mero deleite, passando a ter natureza também trabalhista. Ao se tornar espécie de trabalho, a atividade trabalhista desportiva merece tratamento com dignidade jurídica peculiar, que em nosso ordenamento se encontra no próprio amparo constitucional e legal.

Há algum tempo que a atividade desportiva vem sendo praticada nas suas diversas modalidades como trabalho. Nessa plataforma, será necessária uma abordagem geral sobre o trabalho desportivo situando-o na constituição e nas respectivas leis: o direito ao trabalho desportivo, a guarida constitucional do labor desportivo, o enquadramento da regência legal da prática trabalhista desportiva, as partes do contrato laboral desportivo, o contrato realidade desportivo (primazia da realidade entre empregado e empregador desportivo), a possível relação com terceiros (patrocinadores, empresas de exploração da imagem, marketing, agente, empresários desportivos, etc.

2. Trabalho desportivo - suporte constitucional

A nossa Magna Carta consagra a valorização social do trabalho e da livre iniciativa na República Federativa do Brasil, denotando que no Estado Democrático de Direito brasileiro o capital e o trabalho devem prosseguir fins harmônicos de desenvolvimento humano na sociedade.

O exercício econômico por via do capital conjugado ao trabalho pode ser exercido de várias maneiras, sem existir para tal, um escalonamento rígido de modelos econômicos, assim o sistema capital social não engendra um rol taxativo de tipos de trabalho, por outras tradicionais palavras, não há um numerus clausus de atividades trabalhistas,2

desde que o objeto do labor seja lícito, de livre anuência e satisfação das partes envolvidas na relação de trabalho, tuteláveis no plano jurídico.3

Nessa esteira, o trabalho desportivo é plenamente definido como mais uma espécie de trabalho com suporte constitucional, uma autêntica modalidade de trabalho que preenche os requisitos magnos da valorização social laboralista e da iniciativa privada, reforçados pelo primado do labor de forma a viabilizar o bem estar e a justiça social na sociedade (liberdade de empresa com responsabilidade social),4 tudo com sedimentação nos arts. 1º, IV, 170, caput, I, II, III, 193 da CF/885.

Page 106

Outra descrição que oferece guarida ao trabalho desportivo é o conhecido princípio da liberdade de trabalho previsto no art. 5º, XIII da CF/19886, esse postulado sacramenta a liberdade do indivíduo escolher o seu trabalho, profissão, desde que cumpra os requisitos mínimos que a lei pode estabelecer para o exercício da profissão.7 Esse

princípio reforça a existência do trabalho desportivo sustentado na própria constituição, ao se constatar que o labor esportivo possui seu regime jurídico específico (Lei n. 9.615/1998 - Lei Pelé atualizada pelas suas diversas modificações legais - recente alteração da Lei n. 12.395/2011).8

Em acentuado prisma, o direito ao trabalho é um direito social fundamental,9 consoante o disposto no art. 6º da CF/198810, que em junção ao art. 217, III da Lei Extraordinária encarta o compromisso do ordenamento abrigar condições ao exercício do trabalho desportivo, restando transparente que a prioridade de recursos públicos ao desporto educacional e em casos específicos ao de alto rendimento (art. 217, II da CF/1988) jamais significa impedir o impulso do profissionalismo desportivo, nos termos do critério da diferenciação entre o fomento da prática desportiva não

Page 107

profissional e profissional,11 pois o trabalho desportivo não deixa de ser um trabalho condigno, em que o indivíduo o exerce por aptidão. Entendemos ser inegável que, num mundo de crise econômico-trabalhista desenfreada, o labor desportivo é uma oportunidade a mais de sobrevivência e inserção social para aqueles que não tiveram muitas oportunidades de educação ou que não encontraram nas profissões tradicionais os seus anseios laborais.

Portanto, o trabalho desportivo, como qualquer outro tipo de trabalho, além de estar amparado na Constituição da República Federativa do Brasil, é uma espécie de labor em que todo ser humano deve ter o direito fundamental de oportunidade em seu acesso, se terá vontade e dom para exercê-lo. Desse modo, estar-se-á perante comandos de conformação provindos do princípio do livre exercício de profissão.

3. Nomenclatura - Direito do Trabalho Desportivo/Direito Desportivo Trabalhista/Direito Desportivo do Trabalho

O surgimento da atividade desportiva moderna provocou a necessidade de regulação da prática desportiva, principalmente a atividade desportiva profissional, originada ao longo do século XX e tardiamente assumida em todo o mundo após a segunda grande guerra.

Em decorrência do acima assinalado, ainda no início do passado século emana algumas regulações estatais acerca do desporto. Tal surgimento da legislação desportiva contribuiu para a implantação das bases rudimentares da matéria de Direito Desportivo.

No entanto, com o tardio reconhecimento da assunção e fomentação do profissionalismo desportivo, houve uma espécie de rejeição inicial à prática do desporto como trabalho, ocorrendo uma fusão intensa do regime desportivo ao regime trabalhista no regimento da atividade trabalhista desportiva ou desportiva trabalhista. Tanto que alguns clássicos autores nomearam "fontes do direito desportivo"12 como plano primordial ao estudo do trabalho desportivo.

Essa abordagem se referia a uma época embrionária do direito desportivo e do direito do trabalho desportivo, por isso, a confusão de nomes era comum e aceitável, porém, atualmente, é cediço que há distinção bem definida entre o estudo científico do direito desportivo e paralelamente do direito do trabalho desportivo (direito desportivo do trabalho), pois o direito do desporto compreende uma exploração ampla da atividade esportiva: instituições desportivas, competições, regras desportivas próprias, atividade desportiva profissional e não profissional. Enquanto o direito do trabalho desportivo engloba apenas o trabalho desportivo, sendo um segmento dentro do direito desportivo e ao mesmo passo do direito do trabalho.

Nessa perspectiva, entendemos que não há problema de se nomear Direito do Trabalho Desportivo ou como prescreveu Carlos Miguel Aidar "Direito Desportivo Trabalhista"13, ou ainda, "Direito Desportivo do Trabalho", pois a nota de especialidade transformadora do trabalho nesse ramo é a prática desportiva na categoria profissional.14-15

Page 108

Tanto é que nas especializações lato sensu de Direito Desportivo há sempre um módulo a respeito do trabalho desportivo (relações de trabalho no desporto), entretanto, seja a nomenclatura "Direito do Trabalho Desportivo", seja "Direito Desportivo do Trabalho", o mais importante é entender, compreender as propriedades especiais inerentes ao trabalho desportivo.

Ressaltamos, por fim, que não há nominação científica mais correta para o estudo jurídico do trabalho esportivo, são todas sinônimas, conforme o prescrito acima. Não se revela equívoco a utilização da terminologia "Direito Desportivo Trabalhista", mormente quando representa o fiel conteúdo do descrito no texto, conforme demonstramos em nossa obra: a construção qualificadora de influência da atividade desportiva (apreensão genérica) no trabalho dos praticantes profissionais (acepção específica de atividade laboral), o que justificou por hora a nossa arrojada nomeação de "Direito Desportivo Trabalhista"16.

4. Abrangência do Direito do Trabalho Desportivo

O Direito do Trabalho Desportivo é a ramificação do Direito do Trabalho e do Direito Desportivo que estuda a relação de trabalho atrelada à atividade econômica desportiva, esta contém o profissionalismo esportivo. A acepção da denominação trabalho desportivo é mais abrangente do que normalmente se pensa, na medida em que o Direito do Trabalho Desportivo não deve envolver apenas o trabalho do atleta profissional, mas existem outros trabalhos genuinamente desportivos ou relacionados ao desporto.17

No mesmo rumo, Alice Monteiro de Barros relata a amplitude do trabalho desportivo quando subscreve outras espécies de labor além do praticante desportivo profissional, destacando o árbitro de futebol, treinador profissional de futebol, porteiros de sede de clube de futebol, fiscais e gandulas.18

Todos aqueles trabalhos desportivos ou diretamente abrangidos pela atividade desportiva representam um caráter especial, excepcional, singular e peculiar do labor desportivo. Dentre eles, ilustramos os originariamente desportivos, configurado no atleta profissional, treinador (técnico), agente desportivo, massagista esportivo, gandula, etc., já que existem vários cargos técnicos exercidos laboralmente nos clubes e federações. Outras são atividades profissionais interligadas ao desporto: médico, fisioterapeuta, administrador, psicólogo, advogado, por exemplo. Nessa medida, já é bastante ascendente no meio acadêmico o ensino subclassificado em medicina desportiva, fisioterapia desportiva, gestão e marketing desportivo, terapia esportiva e direito do desporto. Ressalte-se, ainda, as...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT