Do desenvolvimento local ao ecodesenvolvimento territorial

AutorPaulo Henrique Freire Vieira
CargoDoutor em Ciência Política pela Ludwig-Maximilians-Universität München - Alemanha
Páginas119-141
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n2p119
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
DO DESENVOLVIMENTO LOCAL AO ECODESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
1
Paulo Freire Vieira2
Resumo:
O artigo coloca em foco as limitações do enfoque de desenvolvimento territorial face
ao agravamento da crise socioecológica contemporânea. Argumenta-se que a
superação dessas limitações poderia ser efetivada a partir de um diálogo com os
teóricos do ecodesenvolvimento um enfoque sistêmico de planejamento e gestão
que emergiu duas décadas antes da Cúpula da Terra. Na parte conclusiva, são
oferecidos subsídios exploratórios para uma reflexão centrada na busca de
articulação, em rede, de coletivos transdisciplinares de pesquisadores-educadores
sensíveis à experimentação criativa com o modelo híbrido de ecodesenvolvimento
territorial, nos próximos tempos.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial. Ecodesenvolvimento.
Ecodesenvolvimento territorial. Complexidade. Transdisciplinaridade
Introdução
Desde a época dos preparativos para a Conferência de Estocolmo, em 1972,
a tomada de consciência dos processos de degradação intensiva do meio ambiente
biofísico e construído - em escala global - tem mobilizado a atenção da opinião
pública nos cinco continentes. A revolução ambiental (NICHOLSON, 1970) passou a
influenciar decisivamente a reflexão sobre o fenômeno do desenvolvimento, dentro e
fora da academia. De um ponto de vista inovador, começou a ser questionada a
legitimidade de uma concepção que coloca a “ideologia economicista” (BOURG,
1996) no comando dos processos de modernização. Esta tomada de consciência
inspirou também uma percepção mais nítida dos impactos ecológicos e sociais
1 Este artigo foi apresentado oralmente no VI Congresso Internacional Sistemas Agroalimentares
Localizados - os SIAL face às oportunidades e aos desafios do novo contexto global em maio de
2013, na cidade de Florianópolis, SC, Brasil.
2 Doutor em Ciência Política pela Ludwig-Maximilians-Universität München, Alemanha. Professor
titular do departamento de sociologia e ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina e
pesquisador do CNPq. Coordena o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: vieira.p@cfh.ufsc.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.10, n.2, p. 119-141, Jul./Dez. 2013
gerados pela “tecnociência sem consciência” (MORIN, 1996). Por outro lado, apesar
do peso assumido pelas controvérsias de natureza conceitual-teórica e ético-política,
intensificou-se a pesquisa sobre os condicionantes estruturais da crise
socioecológica, no âmbito de uma ecologia humana baseada no novo paradigma
sistêmico-complexo (BERTALANFFY, 1968, ATLAN, 1979, BATESON, 1996,
MORIN; KERN, 1993, PASSET, 1979, BERKES; COLDING; FOLKE, 2003, VIEIRA;
BERKES; SEIXAS, 2005).
A utilização predatória dos recursos naturais de uso comum, os “commons”,
as curvas exponenciais de crescimento demográfico, a hiperurbanização, a exclusão
social da maior parte da população mundial, a persistência das assimetrias nas
relações Norte-Sul e o agravamento tendencial das chamadas “mudanças
ambientais globais” passaram a colocar problemas qualitativamente novos às
sociedades modernas e, especialmente, à comunidade de cientistas associados a
este novo campo de investigação inter e transdisciplinar. As diferentes percepções
do mundo natural, as práticas decorrentes, seus impactos destrutivos e as
reinterpretações sucessivas das transformações operadas na dinâmica dos
ecossistemas e das paisagens conferem uma extraordinária densidade às
investigações que vêm sendo efetuadas à luz desta perspectiva ecológico-humana
(DANSEREAU, 1999).
No transcurso de sua evolução, a biosfera se diferenciou em função das
condições climáticas, do substrato geológico, da informação genética disponível e da
ação dos organismos vivos. Transformou-se assim num macrossistema complexo,
composto de ecossistemas. Apesar de integrarem um continuum mais amplo, os
ecossistemas são dotados de características mais ou menos específicas, o que os
torna passíveis de serem assumidos como unidades básicas para a pesquisa das
complexas inter-relações sociedade-natureza.
A representação dominante de um ecossistema é a de um sistema capaz de
absorver a energia solar, de convertê-la em energia química por meio da
fotossíntese e de distribuir esta energia química de forma a assegurar a manutenção
de sua estrutura funcional. Os mecanismos de controle intimamente associados à
diversidade biológica permitem aos ecossistemas manter sua persistência no tempo
enquanto estruturas funcionais e dinâmicas. Mas, ao longo do processo de
hominização, a espécie humana tem se aproveitado dessa plasticidade para
conceber estratégias de apropriação e uso dos recursos naturais que vêm colocando

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