Desafios contemporâneos das políticas sociais

AutorElaine Rossetti Behring
CargoPós-Doutoramento na Universidade de Brasília (UnB)
Páginas9-10
O presente fascículo da Revista Katálysis pro-
porciona aos leitores artigos que oferecem um pano-
rama nacional e internacional das principais inquieta-
ções que atravessam o debate da política social hoje.
Os artigos, como se verá, partem de mirantes de
observação diferenciados e ferramentas conceituais
diversificadas, evidentemente, sempre mediados pela
visão de mundo dos autores. Há que lembrar que, es-
pecialmente, o tema da política social, a despeito do
mito da neutralidade e da objetividade científicas, sem-
pre foi atravessado por fortes tensões políticas, consi-
derando que se trata de políticas públicas e sociais que
incidem na questão distributiva, lidam com as desigual-
dades e múltiplas expressões da questão social, e re-
sultam da luta de classes.
As expressões da questão social, por seu turno,
encontram-se exponenciadas nesse tempo histórico
de crise do capitalismo, com seus fortes impactos
sobre o mundo do trabalho. Essa situação
redimensiona a política social em todos os quadrantes,
imprimindo uma dinâmica focalista e assistencialista
– o que é diferente da visão de assistência social
como política de seguridade, que vimos defendendo
no âmbito do projeto ético-político, construído pelo
Serviço Social no Brasil.
Neste início de século 21, estamos cada vez mais
distantes da experiência social-democrata europeia
dos tempos de pleno emprego e crescimento após a
Segunda Guerra Mundial, e cujos ares chegaram
retardatariamente entre nós com a Constituição de
1988, e se tornaram logo em seguida rarefeitos pelos
impactos das orientações neoliberais e da política
macroeconômica desde o Plano Real (1994).
Na verdade, temos uma forte reação burguesa à
crise do capital, desde os anos 1980, que vem desen-
cadeando processos regressivos, sendo marcada por
um triplo movimento.
Primeiro, tem-se a contrarreforma do Estado, com
o redirecionamento do fundo público para assegurar
as condições gerais de produção e reprodução do
capital, processo este coordenado pelas necessida-
des do capital portador de juros. Neste passo, são
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 09-10, jan./jun. 2011
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Desafios contemporâneos das políticas sociais
alocados menos recursos à reprodução da força de
trabalho, fragilizando as políticas sociais de caráter
universal e forçando a lógica do custo benefício para
a proteção social, e não a lógica do direito. Este mo-
vimento é acompanhado de alterações da estrutura
tributária dos países, com menores taxas sobre a pro-
priedade privada e as grandes fortunas e maior parti-
cipação da renda dos trabalhadores nas cargas tribu-
tárias nacionais, atingindo mortalmente perspectivas
redistributivistas de caráter social-democrata. A im-
pressionante apropriação privada do fundo público no
contexto da crise desencadeada pelo chamado “ca-
pitalismo tóxico” em 2008 e 2009, com a destinação
de bilhões de dólares, euros e reais para operações
de salvamento das empresas e contenção da espiral
da crise, diz-nos muito sobre esse processo da
contrarreforma e do redirecionamento das funções
do Estado. Não há política social capaz de redistribuir
renda com estruturas tributárias fortemente regres-
sivas e tamanha expropriação privada dos recursos
produzidos pela força do trabalho social.
O segundo, e absolutamente fundamental movi-
mento, é a reestruturação produtiva, engendrando uma
retomada de condições gerais ótimas de exploração
da força de trabalho, o que significa para o capital
ampliar a superpopulação relativa, que vive em con-
dições de falta de acesso à satisfação das necessida-
des mais elementares, de barbárie e violência, num
recrudescimento generalizado das expressões da
questão social. A ofensiva sobre o mundo do trabalho
teve um efeito deletério sobre a consciência de clas-
se e as lutas sociais, dessindicalizando os trabalhado-
res e desorganizando a sua iniciativa política. Pensa-
mos que a política social, como um processo, é
marcada pela contradição, e seu desenho mais ou
menos abrangente tem relação com as pressões po-
líticas dos trabalhadores e seus segmentos. Portanto,
a erosão política e material das organizações dos tra-
balhadores abriu espaços para uma reinvenção
neoliberal das políticas sociais, à sua imagem e se-
melhança, inspiradas em aportes das agências multi-
laterais e na base conceitual da “sociedade do risco”,

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