A consecução do estado democrático de direito no atual modelo de gestão pública: das campanhas eleitorais de 2010 na internet

AutorPriscyla Mathias Scuassante
Páginas91-118

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1 Introdução

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade passou a ter espaço para interferir nos processos decisórios, através dos canais diretos de participação popular. 12Denota-se daí o surgimento de um novo modelo de Administração, o qual estimula a participação da sociedade civil como um todo, visando atender, estritamente, aos interesses de ordem pública.

Outrossim, no que toca à escolha para os ocupantes dos cargos políticos, a Constituição Federal de 1988 inovou prevendo as eleições diretas, que é feita através de um processo democrático, visando acolher a vontade da maioria da população, na tentativa de formar uma sociedade mais igualitária, garantindo várias liberdades (associação, expressão, informação, dentre outras), inexistindo assim, distinção ou privilégio de classe hereditário ou arbitrário.

Hodiernamente, a rede mundial de computadores - internet - se destaca como o meio mais democrático de acesso às informações, pois independente das questões sócioculturais e econômicas.

Em sendo assim, a problemática do nosso trabalho cinge-se exatamente nas questões dos direitos de expressão e a informação, num meio aparentemente "sem fronteiras", que é a internet, sendo que o nosso objetivo é defender que, de acordo com o novo modelo de gestão pública, o qual prima pelo Estado Democrático de Direito, não há motivo para restringir a liberdade de expressão na internet, nos períodos eleitorais, sob pena dos interesses pessoais sobreporem aos interesses coletivos, o que contraria a ordem constitucional vigente.

2 Da internet

Considerando a popularidade alcançada pela internet, a partir da década de 90, mister se faz apresentá-la como o canal mais democrático de acesso às informações, sendo imperioso demonstrar, sucintamente, a sua evolução histórica, até a forma pela qual, atualmente, é vista no Brasil.

O embrião do que hoje conhecemos como Internet surgiu por volta da década de 60, com o governo americano criando a chamada ARPHANET, que tinha como objetivo permitir a troca de dados científicos e militares, entre os computadores utilizados, durante a Guerra Fria. Page 92

Atualmente, a definição técnica da Internet seria um conjunto de protocolos do padrão TCP/IP, que permite a comunicação entre diferentes computadores. Segundo o Conselho Federal Norte-Americano da Rede a Internet3 é definida como:

(...) sistema de informações globais que (i) estiver logicamente unido por um endereço único e global, baseado no IP ou extensões subseqüentes; (ii) suportar comunicações TCP/IP (Transmission Control Protocol/ Internet Protocol) seguidas ou extensões subseqüentes ou outros protocolos compatíveis ao IP; e (iii) fornecer, usar ou acessar, publica ou privadamente, serviços de alto nível, baseados na comunicação e relacionados à estrutura descrita acima.

Desse modo, a Internet é um imenso sistema de redes e de computadores permanentemente interligados, entre si, a nível mundial, e que funcionam como emissores e receptores de informações, utilizando para tanto, um conjunto de protocolos de comunicação, TCP/IP, que possibilita a troca rápida e fácil de informações.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a Internet é o grande símbolo da era econômica a qual estamos vivenciando, denominada de digital. Também conhecida como a terceira onda do futurista Alvin Toffler4, que, em linhas gerais, se baseia na substituição da economia de força braçal pela economia de força mental.

Segundo o mesmo autor, a terceira onda teve início por volta de 1955, trazendo mudanças na base da economia, que não se referia apenas aos aspectos econômicos e de tecnologia, mas também aos aspectos sociais, culturais, institucionais, morais e políticos. Isto porque a terceira onda foi caracterizada por vertentes que refletiam em todos os níveis do indivíduo, inclusive na sua forma de se comportar socialmente.

Diante desse novo modelo mundialmente reconhecido, observou-se as mudanças sociais, já afirmando Alvim Toffler, que não poderia haver uma nova economia sem uma nova sociedade; e não poderia haver uma nova sociedade sem novas instituições.

Para consecução desse cenário que prima pelo conhecimento ilimitado, a internet assume relevante papel, pois possibilita a troca de informações cada vez mais rápida entre as pessoas, independentemente dos locais de acesso, podendo sempre agregar mais informações aos dados inicialmente lançados na rede mundial de computadores.

No Brasil, a Internet ganhou espaço no final da década de 90, sendo utilizada, a princípio, somente por instituições de pesquisas e por Universidades, permanecendo, assim, até o final do ano de 1995, quando teve início a sua exploração comercial.

Cumpre informar que, no final dessa década, a internet ganhou popularidade, com uso do termo "governo eletrônico", que era associado a movimentos de reforma do Estado e a expansão da oferta de serviços públicos aos cidadãos pela internet. Nos anos seguintes, a ideia do "governo eletrônico" associou-se a conceitos mais abrangentes, que incluíam a melhoria nos processos da administração pública, eficiência e Page 93 efetividade dos serviços públicos, a melhor governança, a elaboração e monitoramento das políticas públicas, a democracia eletrônica, compreendendo a transparência, a participação e a accountability.5

Nesse sentido, são nítidos os avanços desencadeados na administração pública brasileira, com a utilização dos instrumentos do "governo eletrônico", pois proporcionaram ganhos, quanto à transparência, agilidade, eficiência, economicidade e até de produtividade, nas ações governamentais.

Em pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas, no ano de 2007, o Brasil ocupou a sexta posição, contando com 44 milhões, entre os países com mais usuários. Paulatinamente, esse número vem aumentando, sendo que, em última pesquisa em 2008, já éramos mais de 54 milhões de usuários.6

Buscando a adequar-se ao novo contexto globalizado, as discussões acerca do uso justo e da necessidade de conscientização sobre os efeitos marcantes da tecnologia na rotina das pessoas, intensificaram-se, surgindo como um dos maiores desafios à compreensão do potencial intangível promovido por este canal intenso de interatividade.

Nessa linha, o professor Aires José Rover7, coordenador do curso de Ciências Jurídicas da UFSC em Florianópolis, assevera que:

(...) nunca vivemos um momento de paradoxos. Se por um lado a tecnologia e suas manifestações evoluíram qualitativa e quantitativamente, por outro, aumentaram a insegurança e a ansiedade. Insegurança das leis ineficazes e ansiedade diante de um universo inatingível de informação. A tecnologia avançou na abertura e aprofundamento de novos caminhos, mas falta muito para que a humanidade se sinta bem diante do admirável mundo digital. Eis o problema: precisamos de mais leis, sim, mas que sejam fruto de um direito aberto; precisamos de mais códigos, inteligentes, mas que sejam códigos abertos. Este é um desafio político e não tecnológico, de uma insustentável leveza. (grifamos)

De um modo geral, por suas características peculiares, a internet apresenta-se como um meio de comunicação aberta e de difícil regulamentação. Para Tarcísio Queiroz Cerqueira:8

(...) é precipitado legislar sobre algo ainda tão prematuro e desconhecido quanto a internet, e, sem dúvida, o excesso de regulamentação exacerba o risco de inibir o desenvolvimento da "Grande Rede". Em segundo lugar, quaisquer normas jurídicas a serem adotadas para regulamentar a rede devem considerar, de forma geral: 1) os parâmetros técnicos como elementos fundamentais, simultaneamente, para a consecução do ilícito e para sua Page 94 prevenção e repressão, e 2) a universalidade da norma a ser aplicada, e sua independência quanto a limites e valores nacionais, como fator preponderante para sua eficácia. (grifamos)

Nesse pisar, Eurípedes Brito Cunha Júnior9, sobre a questão da regulamentação da internet teve um posicionamento mais ponderado, a saber:

(...) legislar ou não legislar? Eis a questão. Uma das lições proveitosas que pode tirar a comunidade jurídica ao final deste ano de 2002 é a de que o ponto de equilíbrio é mais recomendável do que o radicalismo. Assim, entre o 'não legislar em nada', que tem à frente o Amaro de Morais, e o 'legislar, porque tudo é novo', capitaneado por Góis Júnior, prefiro me associar à corrente do 'legislar apenas no que for necessário e não esteja abrigado pelo direito posto'. (grifamos)

Devida a amplitude de práticas sociais e comerciais permitidas pela web, verificase que a dificuldade em estabelecer as normas abstratas transcende as questões nacionais, invadindo proporções no âmbito internacional, uma vez que a globalização de informações é inerente a rede mundial de computadores.

Desse modo, além dos avanços e inovações sociais facilmente detectáveis, a internet traça um novo perfil para o político brasileiro e, posterior legislador, exigindo uma percepção ainda maior, quanto aos valores éticos, princípios que regem a nação, para que, sobre a matéria ora analisada, crie normas em prol daquilo que for, de fato, pertinente à sociedade.

3 Das eleições no Brasil

O presente tópico pretende demonstrar a evolução do sistema eleitoral brasileiro, fazendo um apanhado desde o início, quando as eleições sofriam fortes intervenções do Estado, até a forma democrática como, atualmente, é realizada, sendo necessário, para isto, expor todos os aspectos sócio-culturais que se apresentaram durante o desenvolvimento das eleições no Brasil.

A História conta que as eleições existem no Brasil desde o período do descobrimento, tendo em vista que os...

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